O jovem Luiz a quem um relâmpago tirou a vida
O triste monumento na berma da estrada nacional nº5 relembra um adolescente que, de outra forma, provavelmente já estaria esquecido há muito. Jaz no cemitério de Alcácer do Sal.
A pouca distância do lugar da Barrosinha, na berma da estrada nacional nº 5, entre Alcácer do Sal e Torrão do Alentejo, ergue-se um memorial deixado por uma mulher destroçada com a perda do filho, fulminado por um relâmpago durante uma tempestade que assolou a região, corria o ano de 1870.
Ao longo de muitos séculos, estas terras assistiram a um sem número de temporais e viram morrer muitos jovens, desde logo nas múltiplas batalhas que aqui se travaram.
Não é por isso que impressiona menos a tristeza transmitida por este monumento, testemunha silenciosa do trágico acontecimento que tirou a vida a um adolescente que, de outra forma, provavelmente já estaria esquecido há muito.
Chamava-se Luíz António de Mira Fialho e tinha nascido apenas catorze anos antes, em Viana do Alentejo. No livro de registo de óbitos, escrito pela mão do padre José Vicente de Passos, pode ler-se que “morreu de um raio” no dia 4 de outubro. Aparentemente, a funesta borrasca outonal atingiu o grupo em que seguia, ao “kilometro número 5 da Estrada de Beja”, zona pertencente à então freguesia de Santa Catarina de Sítimos. O jovem ficaria sepultado no cemitério de Alcácer do Sal.
No mesmo assento, ficamos a saber que Luiz era filho de António de Mira Correia de Barros e de Maria Francisca Fialho de Mira, respetivamente naturais de Beringel e Vila Nova da Baronia. Neto materno de Domingos José Fialho e de Maria Margarida Lustro Fialho. E mais não se sabe, porque não foi “possível obter mais esclarecimentos” no tempo disponível, desculpa-se o pároco.
Mas, o registo é impessoal e sem emoção. O que comove, especialmente quem tem filhos e vive com esse enorme temor que algo de menos bom lhes possa acontecer, é o poema gravado na pedra e que recorda a tragédia ocorrida há quase 150 anos:
Aqui perdeu de tenra idade
Uma extremosa mãe o seu Luiz
Perdeu-o porque Deus assim quis
Por efeito de horrorosa tempestade
Porção caiu de eletricidade
Dois cavalos matou e o infeliz
Ficam vivos um tio e outro de dez
Estando todos juntos fatalidade
Compreenda lá a humanidade
Os ocultos juízos dos altos Céus
Impossível e diga-se a verdade
Do coração arranca e lábios seus
Um sussurro da eterna saudade
A terna mãe que lhe lega oh meu Deus
4 de outubro de 1870
À margem
Na antiguidade, a morte por intermédio de um raio chegou a ser considerada honrosa, atribuída a uma escolha de Zeus, que levaria dessa forma os preferidos para junto de si. Asclépio, Deus grego da medicina, também foi fulminado por um raio. Era filho de Apolo e de Corónis e foi educado pelo sábio centauro Quiron, que muito apreciou o interesse do pupilo nas questões da ciência, contrastando com os restantes alunos, apenas com vocação para o desporto. Terá aperfeiçoado de tal forma os seus conhecimentos, que encontrou cura para todas as doenças e até se atreveu a resgatar alguns do reino dos mortos, contrariando as leis divinas. Ora, tamanha ousadia não poderia ficar impune e despertou a ira Hades, deus dos mortos, que se queixou a Zeus, seu irmão, que matou Asclépio com um raio por si lançado. Os símbolos ainda hoje comummente ligados à medicina e à farmacologia, como as serpentes enroladas num bastão, eram associadas a este deus secundário, mas cujo culto terá estado na origem de desenvolvimentos científicos posteriores, que culminaram na emergência de Hipocrates, conhecido como o pai da medicina.
Mas isso é outra história…
Fontes
Reisto de óbitos; freguesia de Santa Maria, concelho de Alcácer do Sal
https://www.infopedia.pt/$asclepio
Portal de Genealogia | Geneall.net
https://www.medieval.pt/miniaturas-de-personagens/3088-Figura-Asclepio-deus-da-medicina-32-cms.html
Agradeço o contributo sobre mitologia a