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O sal da história

Crónicas da história. Aventuras, curiosidades, insólitos, ligações improváveis... Heróis, vilões, vítimas e cidadãos comuns, aqui transformados em protagonistas de outros tempos.

O sal da história

Crónicas da história. Aventuras, curiosidades, insólitos, ligações improváveis... Heróis, vilões, vítimas e cidadãos comuns, aqui transformados em protagonistas de outros tempos.

Instantâneos: o primeiro réveillon do Presidente da República

 

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 Cabelos arranjados, pescoços perfumados, joias cintilantes; vestidos feitos por medida, armados uns, esvoaçantes outros… Melenas domadas pela brilhantina, rostos escanhoados, fatos impecáveis e sapatos brilhantes. Foi este o cenário da passagem de ano que, em 1951, se organizou no edifício dos Paços do Concelho de Lisboa em homenagem ao recentemente empossado Presidente da República, Craveiro Lopes, que aqui faz uma entrada magistral. Militar de carreira, filho e neto de homens de armas, ainda não se sabia que seria pouco o tempo que ocuparia a presidência, não se acomodando a ser o mero elemento decorativo que o Presidente do Conselho havia para ele perspetivado. Com Salazar, parece ter tido, no entanto, pelo menos um ponto em comum: ambos rejeitavam os luxos e ostentações habitualmente inerentes aos cargos que ocuparam.

 

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Arquivo Fotográfico Municipal de Lisboa

Firmino Marques da Costa

PT/AMLSB/CMLSBAH/PCSP/004/FMC/000215

http://arquivomunicipal2.cm-lisboa.pt/sala/online

Serralheiro, procura-se em todo o império de aqui e de além-mar

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A urgência era tal, que a primeira decisão de D. João V, assim que subiu ao trono, foi decretar o degredo para Angola de qualquer serralheiro preso, na metrópole ou em qualquer dos territórios ultramarinos portugueses.

 

Colonizar tão vastos territórios como os que Portugal chegou a possuir envolveu um esforço extraordinário para um país pequeno como o nosso. Esse domínio foi marcado por grande heroísmo, inegável audácia, brutalidade também, mas igualmente por uma boa dose de improviso. Na correspondência trocada entre os governadores das colónias e a metrópole – o conselho ultramarino ou o próprio rei, nos séculos XVII a XIX – são notórias as lacunas sentidas, ao nível das instalações e dos equipamentos, mas sobretudo no que concerne aos recursos humanos - médicos, engenheiros, barbeiros e militares, tal como, muito frequentemente, ocupações manuais de grande utilidade: carpinteiros, pedreiros e, muito especialmente, serralheiros. Tal era a urgência, que, em 1707, revolveu-se todo o império em busca de um profissional deste ofício que pudesse e, sobretudo, quisesse prestar serviço em Angola.

A necessidade já era reportada pelo menos nos 13 anos anteriores, mas a grande demanda aqui relatada começou com uma apresentação dos oficiais da Câmara de Angola. Davam conta da grande falta que ali fazia um serralheiro “para o conserto das armas”, que se achavam nos armazéns e que se encontravam sem serventia por não haver quem as soubesse reparar.

O problema não era de somenos, porque sem armas não havia proteção e as ameaças externas e internas eram muitas.

Pois bem, para grandes males, grandes remédios: se não há serralheiros voluntários, era preciso encontrar os que pudessem ser obrigados a tal missão.

Assim sendo, D. João V viu-se na contingência de ordenar a expedição para Angola de quaisquer réus com essa especialização. Essa foi, aliás, a sua primeiríssima decisão enquanto monarca, mas o mesmo havia sido tentado pelo seu antecessor, anos antes.

Dada a ordem, partiu-se para a ação, nomeadamente pedindo ao então governador do Brasil, Luiz Cesar de Menezes, que averiguasse se haveria nas cadeias daquele Estado alguns detidos oficiais de serralharia cujos crimes merecessem pena de degredo, para que fossem enviados a Angola. Em vão: não só não existiam presos nessas circunstâncias, como os serralheiros livres contactados, mesmo anunciando-se-lhes vantagens futuras, escusaram-se a fazer tal viagem, argumentando com o facto de serem casados e pais de família.

Voltaram-se então as atenções para a metrópole, com ordem para procurar nas várias cadeias, especificando-se, por exemplo, as debaixo da alçada do chanceler da Relação do Porto.

Não se sabe quanto tempo demorou até se encontrar tal profissional, mas está registado, em 1732, um requerimento de António Oliveira “mestre serralheiro da cidade de Luanda”, que diz ter chegado em 1718 para desempenhar tais funções e pede melhor pagamento pelos seus serviços de reparação de armas e outras “obras pertencentes à Fazenda Real”. Exige soldo igual ao seu antecessor, Francisco Vaz, porque, diz, é “pobre”, tem “mulher e cinco filhos”, sendo os seus ganhos muito limitados para tal prole.

Desconhecemos se António Oliveira se cansou de tal condição e abandonou Angola – como aliás parece ter acontecido com o anterior armeiro, que pediu licença para ir a Portugal buscar a família e não há notícia de ter regressado. Sabemos sim que a falta de serralheiros volta a ser uma realidade daqui em diante e pelo menos nos 30 anos seguintes, com sucessivos apelos dos governadores e outros responsáveis locais para que fosse suprida tal falta, que punha em causa a defesa do território.

Certo, certo e até irónico é que, ainda hoje, seja frequente encontrar anúncios nos jornais e outras plataformas a pedir – entre várias outras profissões especializadas – serralheiros portugueses para trabalhar naquele país africano. É de esperar que, tantos anos passados, lhes sejam proporcionadas bem melhores condições e pagamentos que os fornecidos ao queixoso António Oliveira.

 

À margem

 

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Em Mais um dia de vida – Angola 1975 – edição da Tinta da China em 2013 - o jornalista Ryszard Kapuscinski relata os três meses que viveu em Luanda, no Hotel Tivoli, numa época extremamente conturbada e com desfecho imprevisível. As personagens são os hóspedes com quem partilhava os seus dias e preocupações. Entre estes estava o senhor Silva, velho negociante de diamantes meio enlouquecido com o atropelo dos acontecimentos daquele final de época imperial portuguesa. A agravar a sua situação estava o facto de esconder uma quantidade desconhecida de pedras preciosas cosidas na roupa. Queria reforçar as fechaduras dos seus aposentos e assim melhor se proteger, “mas todos os serralheiros tinham partido e já não havia ninguém em Angola que soubesse fazer esse serviço”, conta o repórter.

Mas isso é outra história…

 

 

 

Fontes

http://memoria.bn.br/pdf/094536/per094536_1952_00095.pdf

 

Mapa Chronologico das leis e mais disposições de Direito Portuguez, publicadas  desde 1608 até 1817, por Manoel Borges Carneiro, Secretário da Junta do Código Criminal Militar; lisboa 4 set. 1816

https://books.google.pt/books?id=16FFAAAAcAAJ&pg=PA335&lpg=PA335&dq=serralheiros+%22D.+Jo%C3%A3o+V%22+1707&source=bl&ots=3KdRq44VjT&sig=M1NrC4zcldQ3XpYEoko8j9Lh8VE&hl=pt-PT&sa=X&ved=0ahUKEwj_waWozaXYAhVIo6QKHRZ4BO4Q6AEILjAA#v=onepage&q=serralheiro&f=false

 

Arquivo Histórico Ultramarino em linha: http://www2.iict.pt/?idc=100

Ministério da Educação e Saúde – Documentos históricos – Consultas do Conselho Ultramarino – Rio de Janeiro 1757-1803; Rio de Janeiro-Bahia 1707-1711

Catálogo parcial do fundo do conselho ultramarino da série angola – Setembro 2014

 

Biblioteca Nacional de Portugal

Mappa mondo overo carta generale de la Terra divisa in dve emisferj secondo la proiezzione piu comvne nella qvale tvtti li punti principali ... de l'isla / Giuseppe Pietrasanta sculp. . - Escala [ca 1:60000000 na Zona Equatorial]. - Napoli : Paolo Petrini, 1722. - 1 mapa : gravura, p&b, aguarelado ; 43,00x68,70 cm, em folha de 47,00x71,00 cm
Cota do exemplar digitalizado: cc-1173-a

 

http://www.buala.orghttp://purl.pt/4110/3/cc-1173-a_JPG/cc-1173-a_JPG_24-C-R0150/cc-1173-a_0001_1_p24-C-R0150.jpg/pt/mukanda/mais-um-dia-de-vida-angola-1975

 

Instantâneos: menina “rica”, meninas pobres

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O contraste da menina em primeiro plano, rigorosa e pormenorizadamente disfarçada de minhota, com as outras meninas, que a admiram, surpreendidas, descalças e mal vestidas, quiçá com fome. O orgulho e a alegria, em oposição ao tímido desamparo.

A pequena minhota é Maria Emília Flávio e a fotografia foi captada no Carnaval, em festa realizada junto ao Santuário do Senhor dos Mártires, em Alcácer do Sal, nos anos 50 do século XX.

O fotógrafo terá sido, muito provavelmente, o pai da pequena “minhota”, Pedro Osório Flávio, alfaiate e fotógrafo amador.

 

 

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Arquivo Histórico Municipal de Alcácer do Sal

PT/AHMALCS/CMALCS/BFS/01/01/12/003

Fundo Baltasar Flávio da Silva

O jovem Luiz a quem um relâmpago tirou a vida

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O triste monumento na berma da estrada nacional nº5 relembra um adolescente que, de outra forma, provavelmente já estaria esquecido há muito. Jaz no cemitério de Alcácer do Sal.

 

A pouca distância do lugar da Barrosinha, na berma da estrada nacional nº 5, entre Alcácer do Sal e Torrão do Alentejo, ergue-se um memorial deixado por uma mulher destroçada com a perda do filho, fulminado por um relâmpago durante uma tempestade que assolou a região, corria o ano de 1870.

Ao longo de muitos séculos, estas terras assistiram a um sem número de temporais e viram morrer muitos jovens, desde logo nas múltiplas batalhas que aqui se travaram.

Não é por isso que impressiona menos a tristeza transmitida por este monumento, testemunha silenciosa do trágico acontecimento que tirou a vida a um adolescente que, de outra forma, provavelmente já estaria esquecido há muito.

Chamava-se Luíz António de Mira Fialho e tinha nascido apenas catorze anos antes, em Viana do Alentejo. No livro de registo de óbitos, escrito pela mão do padre José Vicente de Passos, pode ler-se que “morreu de um raio” no dia 4 de outubro. Aparentemente, a funesta borrasca outonal atingiu o grupo em que seguia, ao “kilometro número 5 da Estrada de Beja”, zona pertencente à então freguesia de Santa Catarina de Sítimos. O jovem ficaria sepultado no cemitério de Alcácer do Sal.

No mesmo assento, ficamos a saber que Luiz era filho de António de Mira Correia de Barros e de Maria Francisca Fialho de Mira, respetivamente naturais de Beringel e Vila Nova da Baronia. Neto materno de Domingos José Fialho e de Maria Margarida Lustro Fialho. E mais não se sabe, porque não foi “possível obter mais esclarecimentos” no tempo disponível, desculpa-se o pároco.

Mas, o registo é impessoal e sem emoção. O que comove, especialmente quem tem filhos e vive com esse enorme temor que algo de menos bom lhes possa acontecer, é o poema gravado na pedra e que recorda a tragédia ocorrida há quase 150 anos:

Aqui perdeu de tenra idade

Uma extremosa mãe o seu Luiz

Perdeu-o porque Deus assim quis

Por efeito de horrorosa tempestade

 

Porção caiu de eletricidade

Dois cavalos matou e o infeliz

Ficam vivos um tio e outro de dez

Estando todos juntos fatalidade

 

Compreenda lá a humanidade

Os ocultos juízos dos altos Céus

Impossível e diga-se a verdade

 

Do coração arranca e lábios seus

Um sussurro da eterna saudade

A terna mãe que lhe lega oh meu Deus

4 de outubro de 1870

 

À margem

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Na antiguidade, a morte por intermédio de um raio chegou a ser considerada honrosa, atribuída a uma escolha de Zeus, que levaria dessa forma os preferidos para junto de si. Asclépio, Deus grego da medicina, também foi fulminado por um raio. Era filho de Apolo e de Corónis e foi educado pelo sábio centauro Quiron, que muito apreciou o interesse do pupilo nas questões da ciência, contrastando com os restantes alunos, apenas com vocação para o desporto. Terá aperfeiçoado de tal forma os seus conhecimentos, que encontrou cura para todas as doenças e até se atreveu a resgatar alguns do reino dos mortos, contrariando as leis divinas. Ora, tamanha ousadia não poderia ficar impune e despertou a ira Hades, deus dos mortos, que se queixou a Zeus, seu irmão, que matou Asclépio com um raio por si lançado. Os símbolos ainda hoje comummente ligados à medicina e à farmacologia, como as serpentes enroladas num bastão, eram associadas a este deus secundário, mas cujo culto terá estado na origem de desenvolvimentos científicos posteriores, que culminaram na emergência de Hipocrates, conhecido como o pai da medicina.

Mas isso é outra história…

 

 

 

Fontes

www.tombo.pt

Reisto de óbitos; freguesia de Santa Maria, concelho de Alcácer do Sal

https://www.infopedia.pt/$asclepio

Portal de Genealogia | Geneall.net

https://www.medieval.pt/miniaturas-de-personagens/3088-Figura-Asclepio-deus-da-medicina-32-cms.html

Agradeço o contributo sobre mitologia a 

Mitologia em Português

 

Os mistérios da ponte de Rio Mourinho

 

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A ponte é atribuída a um engenheiro militar que executava as obras com a ajuda do sogro. Eram suspeitos de não respeitar a regra de concurso público e escolha de propostas mais vantajosas para o erário público.

 

 

A seca no Vale do Sado pôs a descoberto uma ponte há muito submersa pelas águas da albufeira do Pego do Altar, na zona de Rio Mourinho, Santa Susana, em local que era passagem “obrigatória” nos roteiros das viagens entre Lisboa e Beja durante o século XIX. Popularmente conhecida como “romana” ou até “românica”, a ponte será, quanto muito, romântica para quem ali queira namorar, aproveitando a secura que se espera seja saciada pelas chuvas do próximo Inverno. O projeto, oitocentista, é atribuído a António Elizeu Paula de Bulhões, mas o autor pode não ser este engenheiro militar com ligações familiares ao Torrão.

António Elizeu Paula de Bulhões, filho de um religioso, médico do Santo Ofício, andou, de facto, pelos concelhos de Alcácer do Sal e do Torrão, mas está por provar que seja o autor da ponte barroca de Rio Mourinho. É que o projeto conhecido (ver imagem) nada tem a ver com o que foi construído: dos materiais, aos vãos (arcos) - que no esboço são apenas dois e na verdade são oito, mais sete grandes orifícios e gárgulas para escoar a água da chuva, que não constam do “desenho”, datado de 1817. A solução final, mais económica e fácil de executar, é, por isso, uma adaptação do próprio à realidade do local, ou pertence a outrem.

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Certo, certo é que, em 1821, este engenheiro andava com o seu sogro, João Jácomo da Lança Cançado, a reparar as pontes de Palma e sobre o rio Xarrama, ambas no atual concelho de Alcácer do Sal, bem como a estrada “que vai de Beja a Porto Rei”. Acontece que as obras eram executadas sem obedecer à regra de “arrematação” - algo comparável aos concursos públicos dos dias de hoje. Assim sendo, podia ler-se em Diário da Regência, eram escolhidos “os preços de forma arbitrária” e “nem sempre os mais cómodos”, para a “Fazenda Nacional”, algo que devia ser “imediatamente cessado e punido”.

Apesar da crítica, António Elizeu continuou ao serviço da Coroa - militar do Real Corpo de Engenheiros e também Inspetor dos Incêndios - sendo curioso saber que o seu sogro e colaborador nas obras era, à época, primeiro vereador da então câmara do Torrão – sem dúvida, uma promiscuidade já então censurável.  

Sabemos ainda que esta associação perdurou, porque, já em 1829, a Gazeta de Lisboa conta que os dois homens, referidos como “deputados pela câmara do Torrão”, vão juntos manifestar a sua devoção e fidelidade a D. Miguel.

António Elizeu teve, aliás, oportunidade de provar a lealdade jurada, pois tomou parte pelo lado dos absolutistas na guerra civil que tão má memória deixou ao país.

Tal como havia acontecido durante as invasões francesas, em que lutou, foi preso e recusou todas as pressões para se passar para as hostes do inimigo, manteve-se firme entre os defensores de D. Miguel.

Com a derrota dos princípios que defendia, afastou-se da vida pública e viria a morrer em Lisboa, a 28 de fevereiro de 1844. Teve pelo menos um filho com dona D. Maria Benedicta Lobo do Macedo Vieira: Miguel Eduardo Lobo Bulhões, jornalista de renome.

 

À margem

António Elizeu Paula de BulhõDomJoãoVIemPortugal_Por Desconhecido - [1], Domíes foi incumbido por D. João VI de conceber uma planta para a construção de uma ponte sobre a ribeira de S. Marcos [da Serra], no concelho de Silves, na estrada de comunicação entre a província do Alentejo e reino do Algarve pela serra do Caldeirão, bem como averiguar as condições da estrada entre este local e a já então projetada passagem na freguesia de Santa Clara e ainda outra ponte na freguesia de S. Martinho, prevenindo as cheias do rio Odemira. Em todos os casos foi advertido que deveria “por em praça para arrematar” a execução dos trabalhos e velar para que se escolhesse o local, os meios e o projeto que menos despesa representasse ao erário público. Corria o mês de junho de 1821,

Mas isso é outra história…

 

 

 

Fontes

Gabinete de Estudos Arqueológicos de Engenharia Militar Agradecimentos a Maria José de Almeida

Gazeta de Lisboa - https://books.google.pt/books?id=ag8wAAAAYAAJ&pg=PA175&lpg=PA175&dq=%22Ant%C3%B3nio+Elizeu+Paula+de+Bulh%C3%B5es%22&source=bl&ots=fVxXdLc5tB&sig=s4TYCxb6PH9y9PGA7bGuZEsJuA8&hl=pt-PT&sa=X&ved=0ahUKEwjtxLztvIzYAhVD6xQKHTK3BvoQ6AEIMTAD#v=onepage&q=%22Ant%C3%B3nio%20Elizeu%20Paula%20de%20Bulh%C3%B5es%22&f=false

https://books.google.pt/books?id=7hAwAAAAYAAJ&pg=PA748&lpg=PA748&dq=Jo%C3%A3o+J%C3%A1como+da+Lan%C3%A7a+Can%C3%A7ado&source=bl&ots=CBRMXmfbhU&sig=BDi9PqPVqpktHGGS5noLW2GiZ38&hl=pt-PT&sa=X&ved=0ahUKEwifypWgvY_YAhWSaVAKHXBCDw4Q6AEIJzAA#v=onepage&q=Jo%C3%A3o%20J%C3%A1como%20da%20Lan%C3%A7a%20Can%C3%A7ado&f=false

Diário do Governo

https://books.google.pt/books?id=nu0vAAAAYAAJ&pg=RA62-PT2&lpg=RA62-PT2&dq=%22Ant%C3%B3nio+Elizeu+Paula+de+Bulh%C3%B5es%22&source=bl&ots=IQ9KzfEKqT&sig=Mpqn8FLTsPqVD30JKxgaWjiMPrg&hl=pt-PT&sa=X&ved=0ahUKEwid_KamvYzYAhVFbRQKHQvPAxwQ6AEIMzAE#v=onepage&q=%22Ant%C3%B3nio%20Elizeu%20Paula%20de%20Bulh%C3%B5es%22&f=false

Biblioteca do Exército

http://biblioteca.exercito.pt/plinkres.asp?Base=DIE_SID&Form=ISBD&SearchTxt=%22CL+469%2E411%2E6%28084%2E3%29%22+%2B+%22CL+469%2E411%2E6%28084%2E3%29%24%22&StartRec=115&RecPag=5

http://www.fd.unl.pt/ConteudosAreasDetalhe_DT.asp?I=1&ID=2119

http://imperiobrazil.blogspot.pt/2010/05/dom-joao-vi.html

 

 

Quando as viagens se faziam a vapor

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As embarcações tinham más condições, sofriam sucessivos atrasos e encalhavam com frequência devido ao assoreamento do rio. Um dia, a caldeira do "vapor" explodiu.

 

 

As carreiras regulares a vapor entre Alcácer do Sal e Setúbal duraram mais de meio século, com muitas interrupções no serviço, barcos a encalhar em pleno rio, múltiplas queixas e reclamações contra os horários e as comodidades. Houve acidentes, explosões e até um dia em que Alcácer se vestiu de luto porque todos já pensavam que se tinha dado um naufrágio.

Os trajetos começaram por volta de 1839, cerca de duas décadas após a estreia da navegação a vapor em Portugal. Na época, não existia alternativa por terra – porque a estrada vinha sendo sucessivamente adiada – o que obrigou o Estado a subsidiar a empresa que se disponibilizou a fazer a ligação fluvial. Sem o apoio governamental, corria-se o risco de não haver transporte, o que chegou a acontecer.

Era um jogo de forças: por um lado, a Regência não aceitava pagar mais, nem períodos longos, optando por prorrogar continuamente os contratos originais, de quatro anos. Por outro, as empresas de navegação alegavam que não podiam investir em barcos construídos de raiz e com melhores condições. Quem acabava por sofrer eram os passageiros de Alcácer, Grândola ou Santiago do Cacém, bem como os setubalenses com interesses no litoral alentejano.

Em 1876, talvez incentivada pelo recente contrato – mais duradouro e lucrativo -, a Hugh Parry & Son, há muito concessionária, lança à água um novo vapor em ferro e com rodas laterais destinado à viagem entre Alcácer e Setúbal. Esperava-se que reduzisse o trajeto para três horas e acomodasse senhoras e cavalheiros em aposentos diferentes.

O “luxo” durou pouco. O Hugh Parry foi comprado pelo Estado e rebatizado “Guiné”, para ir prestar serviço nessa ex-colónia. A partir de 1879, o Lucifer ficou a fazer o percurso, mas desconhece-se se foi a caldeira deste que, no final da Primavera de1883, explodiu com grande dano e aparato na doca de Setúbal, ferindo a tripulação e matando um dos seus elementos.PT-ADSTB-PSS-APAC-I-0005_m0005.jpg

O acidente provocou tal pavor que, em Alcácer, pouco tempo depois, se temeu uma “catástrofe” quando outra embarcação da carreira, tendo abalado de Setúbal às 6 horas de um dia, ainda não tinha alcançado o seu destino às 10 horas do dia seguinte.

Na então vila, muitas já se imaginavam viúvas, crianças órfãs e famílias sem amparo, adivinhando-se que o barco tinha “submergido e com ele todos os seus infelizes passageiros”. Devido a repetidas avarias, a chegada demorou dois dias.

Estes episódios originaram imensa polémica, com queixas ao rei, respostas nos jornais e debate político.

Talvez devido a tamanho sururu, nos anos seguintes o circuito é interrompido, não havendo empresas interessadas.

Após pressão solidária dos municípios, mas também do Corpo Comercial de Setúbal, faz-se novo concurso, para dez anos. As carreiras recomeçam em 10 de setembro de 1887, provisoriamente com a lancha a vapor Portimão e o concessionário Alfredo A. Alcobia.

As reclamações, essas, jamais cessaram.

 

 

À margem

O Estado português terá sido pioneiropassageiros Tejo 3.jpg no mundo – ou pelo menos na Europa - a encomendar um navio a vapor. O Conde de Palmela foi construído pela Fawcett, Littledale & Co. de Liverpool e, rumando a terras lusas, terá sido o primeiro do género a atravessar o golfo da Biscaia, numa viagem de mais de mil milhas, e também o primeiro a ser visto por estas paragens. Chegou a 14 de outubro de 1820 e destinava-se à carreira entre Lisboa e Santarém, que teve início em janeiro de 1821. Seria “sol de pouca dura”, porque o assoreamento do Tejo não permitiu as viagens previstas, ficando-se a viagem por Vila Franca de Xira.

Outras ideias que não vingaram foram os trajetos a vapor entre a Figueira da Foz e o Porto e entre esta cidade e Lisboa. Neste trajeto chegaram a fazer-se cinco atribuladas viagens logo no verão de 1821,

Mas isso é outra história...

 

 

 

Fontes:

Arquivo pessoal de Almeida Carvalho - PT/ADSTB/PSS/APAC, Arquivo Distrital de Setúbal - http://digitarq.adstb.arquivos.pt/details?id=1327529

 

http://www.marinha.pt/pt-pt/media-center/agenda/Paginas/Efemeride-Primeiro-Vapor-Portugues.aspx
Revista da Armada, N.º 216 / Dezembro 1989.
http://www.forumdefesa.com/forum/index.php?topic=2621.0
Documentos Apresentados às Cortes na Sessão Legislativa de 1887. Primeiro volume. Lisboa: Imprensa Nacional, 1887.

Biblioteca Nacional Digital - Diário Ilustrado, 8 jun. 1883

Biblioteca Nacional Digital - Diário Ilustrado, 5 jun. 1883

 

 

Arquivo Histórico Municipal de Alcácer do Sal - PT/AHMALCS/CMALCS/FOTOGRAFIAS/01/0064

Arquivo Fotográfico de Lisboa

PT/AMLSB/CMLSBAH/PCSP/004/ACU/000441

Instantâneos: o intrigante caso do saveiro em terra

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Tudo nesta imagem é estranho e inverosímil. Captada em Alcácer do Sal, sem data conhecida, mostra um grande conjunto de pessoas de várias idades que compõem um quadro artificial, desde logo com o tradicional saveiro em seco, ocupado por homens que fingem remar.

Atente-se à bandeira, ao letreiro que anuncia a venda de vinhos do Pinheiro, às muitas crianças, mais ou menos andrajosas, mais ou menos vestidas – ou fardadas – para a ocasião, os vasos estrategicamente colocados na varanda…

O instantâneo é na zona tradicionalmente conhecida como “cabo de São Pedro”, onde morava gente humilde e trabalhadora, sobretudo pescadores, mas onde também não faltavam tabernas e outras casas de má fama. O edifício em primeiro plano foi, no início do século XX, uma fábrica de descasque de pinhão em cujo quintal, a dois passos do rio Sado, funcionou um cinema ao ar livre.

 

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Arquivo Histórico Municipal de Alcácer do Sal

PT/AHMALCS/CMALCS/FOTOGRAFIAS/01/0011

Quando o “Boca do inferno” era juiz

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Um dos maiores poetas da lingua portuguesa foi representante do rei em Alcácer do Sal. Corria o século XVII e a Guerra da Restauração.

 

 

“Em cada porta um bem frequente olheiro,
Que a vida do vizinho e da vizinha
Pesquisa, escuta, espreita e esquadrinha,
Para o levar à praça e ao terreiro”

 

Seria fácil de imaginar que estas palavras fizessem parte de uma qualquer descrição atual de Alcácer do Sal ou de outra pequena cidade portuguesa, mas os versos que se transcrevem foram escritos há mais de 300 anos sobre a cidade de Salvador da Bahia, pela mão de Gregório de Matos Guerra, o maior poeta barroco brasileiro, grande nome da escrita em português, mas que ficou gravado na história também como o “Boca do inferno” ou “Boca de brasa”, pelos seus textos incendiários sobre as classes dominantes, em especial a igreja. Curioso mesmo é que esta tão importante figura, patrono da Academia Brasileira de Letras e reconhecido até hoje, inclusivamente com versos cantados por Maria Bethania e Caetano Veloso, tenha começado a sua vida como magistrado, precisamente em Alcácer do Sal.

Corria 1663. Tumultuoso ano da batalha do Ameixial, que repeliu as tropas espanholas na sua tentativa de alcançarem Alcácer para assim tomarem Lisboa. Foi neste contexto difícil da Guerra da Restauração que Gregório de Matos, chega a esta villa alentejana com apenas 27 anos. Nascido no Brasil, filho de pai vimaranense, vindo anos antes para estudar na metrópole, era já recém-formado em Coimbra e casado de fresco com D. Micaela Andrade,

Sabe-se que o jovem Gregório começou a sua vida literária ainda em Portugal, mas desconhece-se se terão sido as pacíficas paisagens alentejanas ou as vivências das gentes a inspirar os primeiros poemas satíricos, que terá escrito nessa época. Sabe-se, sim que foi Juiz de Fora e Juiz dos Órfãos em Alcácer do Sal, querendo isto dizer que era o representante do Rei no concelho, zelando localmente pelo poder da “coroa”. Tinha mais poder que o juiz ordinário e cabia-lhe também assegurar a boa gestão dos bens dos órfãos por parte dos seus curadores e tutores.

Este magistrado, que tinha obrigatoriamente de ser exterior ao concelho para usufruir de maior autonomia e imparcialidade, assumia muitas vezes funções políticas, ajudando o Estado a controlar a vida dos municípios, nomeadamente como presidentes de câmara. Ignoro se assim foi com Gregório de Matos Guerra por terras alcacerenses, mas há notícia de ter assumido o importante cargo de provedor da Santa Casa da Misericórdia de Alcácer do Sal, para um mandato entre 1665 e 1666.

Deve ter-se dado bem por cá, habituado que estava ao calor sul-americano, mas não se demorou pelo Alentejo: dois anos mais tarde, surge como representante da Bahia nas Cortes, em Lisboa. É nomeado para outros cargos públicos e regressa ao Brasil, em 1683, já viúvo e investido em ordens menores, numa incursão na carreira eclesiástica que lhe vai trazer muitos dissabores. Reconhecido até aqui como magistrado relevante, inclusivamente com sentenças exemplares publicadas em livro, acaba por ser destituído da igreja, alegadamente por se recusar a usar batina e não cumprir outras regras da função.

É aqui que parece dar-se uma viragem que vai fazer de Gregório de Matos um temível cronista dos costumes da época, criticando de forma desbragada os defeitos da sociedade e dos governantes de então. Os seus textos, satíricos uns, até eróticos outros, mordazes todos, suscitaram denúncias à Inquisição e acabaram com a sua deportação para Angola. Morreria de uma doença aí contraída, já de regresso ao Brasil, onde, à cautela e a julgar pelos seus escritos devotos do fim da vida, parece ter-se reconciliado com Deus:

“…Quem do mundo a mortal loucura... cura,
A vontade de Deus sagrada... agrada
Firmar-lhe a vida em atadura... dura…”

Canta maria Bethânia pela mão do afamado poeta seiscentista, que caminhou pelas ruas de Alcácer do Sal durante quatro anos.

 

À margem

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Triste Bahia; Pequei Senhor; Pica-flor; Que falta nesta cidade; Marinícolas; Neste mundo é mais rico quem mais rapa, Sete anos a nobreza da Bahia e  O todo sem a parte não é todo, são alguns dos poemas mais conhecidos de Gregório de Matos Guerra. Um dos principais alvos da sua sátira era António Luís Coutinho da Câmara, governador do Brasil e, depois, Governador-Geral da Índia,

Mas isso são outras histórias…

 

 

 

 

 

 

 

 

Fontes

Arquivo Histórico Municipal de Alcácer do Sal

PT/AHMALCS/CMALCS/BFS/10/02/018

http://www.academia.org.br/academicos/gregorio-de-matos/biografia

https://pt.slideshare.net/danieleonodera/gregrio-de-matos-guerra

https://pt.wikipedia.org/wiki/Greg%C3%B3rio_de_Matos

https://www.ebiografia.com/gregorio_matos/ 

 https://www.geni.com/people/Ant%C3%B3nio-Lu%C3%ADs-Coutinho-da-C%C3%A2mara-governador-do-Brasil-vice-rei-da-%C3%8Dndia/6000000005006597036

 

 

Carcereiro fazia entrar bebida e mulheres na cadeia

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A prisão estava sempre cheia, mas as condições de segurança eram muito baixas. As evasões eram frequentes e os representantes da Coroa queixavam-se amargamente ao Procurador Régio.

 

 

Permanentemente superlotada, com más condições de acolhimento e parcas medidas de segurança. É assim que é descrita a Cadeia Comarcã de Alcácer do Sal pelos magistrados do Ministério Público que a dirigiram. Uma realidade que parece ter-se mantido desde o final do século XIX até pelo menos a meados do século XX, a julgar pelas queixas presentes nas cartas enviadas ao Procurador Régio e depois ao Procurador da República,

“Para além de ter bastantes presos, cuja acumulação se torna perigosa, não só do ponto de vista da higiene, como de manutenção da ordem, não me parece que tenha indispensáveis condições de segurança”, queixa-se Victor Portugal a 31 de agosto de 1904. Aquele antigo administrador do concelho, que nesta época desempenhava funções de delegado substituto, lamentava a “falta de forças militares ou policiais” que pudessem “guardar a cadeia da comarca”.

A 4 de junho de 1907, dava conta da evasão de três reclusos perigosos, um acusado de furto de cavalos e dois homicidas. Terão fugido pela “porta da rua”, já que, como explica Victor Portugal, um dos problemas era a falta de grades nas portas interiores, o que facilitava aos presos forçarem a saída, nomeadamente quando era servido o rancho ou quando o carcereiro está ausente, ficando a substituí-lo… a sua mulher.

Outras vezes era o próprio carcereiro que não era de confiança. Como em 1914, quando Pedro de Mello Coutinho de Albuquerque e Castro, então delegado do Ministério Público, se viu forçado a suspender aquele funcionário por “irregularidades, desobediência a ordens em matéria de serviço, falta de respeito e consideração”, para além de se apresentar ao trabalho “com evidentes sinais de embriaguez”, refere. Numa outra situação relatada, o carcereiro de serviço é suspeito de vender bebidas alcoólicas aos presos e de, sorrateiramente, fazer entrar mulheres nas celas dos homens.

Em buscas a um dos presos foi encontrada “uma garrafa de anis quase cheia”, bem como “um baralho de cartas” usado para jogos a dinheiro. Nesse dia, o ocupante dessa cela tinha sido encontrado “em lamentável estado de embriaguez”, queixa-se o delegado Augusto Aranda, já em meados dos anos 30.

Tantas lacunas de segurança não invalidavam, no entanto, que até aos anos 50 a cadeia estivesse constantemente cheia de presos às ordens de tribunais de todo o país.

A funcionar na praça Pedro Nunes, no edifício onde hoje está instalada a repartição de finanças local, pelo menos desde a segunda metade do século XIX, a cadeia de Alcácer do Sal teve várias designações ao longo dos tempos e foi oficialmente extinta por portaria de 15 de outubro de 1971. Em dezembro do mesmo ano daqui seguiram os últimos três reclusos, com ordem de marcha para o Estabelecimento Prisional de Setúbal.

 

 

À margem

Pedro de Mello CoPT_AHMALCS_CMALCS_BFS_01_01_01_143-1.tifutinho de Albuquerque e Castro foi colocado em Alcácer do Sal no início da sua carreira e os seus relatos e preocupações são especialmente elucidativos sobre a realidade encontrada. Era natural de Castelo Branco e chegou a Juiz Conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça (Lisboa),

Mas isso é outra história...

 

 

 

 

 

Fontes

Arquivo Histórico Municipal de Alcácer do Sal

PT/AHMALCS/CMALCS/COMARCA/DELPROCURADORIA/01/01-06

PT/AHMALCS/CMALCS/FOTOGRAFIAS/01/0081

Fundo Baltasar Flávio da Silva

PT/AHMALCS/CMALCS/BFS/01/01/01/143

http://www.stj.pt/index.php/stj/historia/juizes1833/482-juizes-conselheiros-1833-1983

https://geneall.net/pt/nome/116159/pedro-de-melo-coutinho-de-albuquerque-e-castro/

 

 

O criminoso homenageado e o juiz esquecido da tragédia da rua das Flores

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O homicídio apaixonou a sociedade portuguesa do final do século XIX e terá inspirado a obra “Tragédia da rua das Flores”, escrita poucos anos depois.

 

 

João Rodrigues da Cunha Aragão Mascarenhas, importante deputado alcacerense do século XIX, e José Cardoso Vieira e Castro, ilustre tribuno com obras publicadas, foram companheiros no Parlamento e, dizem algumas fontes, chegaram a ser amigos. Quis o destino que estivessem depois em lados opostos da lei e que, contra todas as expetativas, o juiz alentejano tivesse coragem e distanciamento suficientes para condenar o antigo colega pelo assassinato da sua mulher, que descobriu ser amante do sobrinho de almeida Garrett. Um crime hediondo que arrebatou a sociedade portuguesa, não fossem os contornos do caso suficientemente escabrosos e os seus intervenientes ricos, jovens, famosos e bem relacionados. Tudo aconteceu na lisboeta rua das Flores, que ficaria conhecida por outras tragédias ficcionais, quem sabe inspiradas nesta, verdadeira e apaixonante.vieira-de-castro-e-esposa.jpg

Anos antes, José Cardoso Vieira e Castro rumara ao Brasil em busca de fortuna. Trouxe de lá a rica e ainda adolescente herdeira Claudina Adelaide Guimarães, com quem casou e foi viver na famigerada artéria. No 2º andar do número 109 recebiam gente das artes e da política, entre os quais Ramalho Ortigão, Camilo Castelo Branco, Levy Maria Jordão e José Maria Almeida Garrett, que haveria de ser a perdição da jovem mulher.

Contam os autos do julgamento que, no dia 7 de maio de 1870, o marido a surpreendeu a escrever uma carta ao amante e que isso o terá feito planear o crime que cometeu dois dias mais tarde. Esta premeditação e o facto de não se ter provado que o réu estava de cabeça perdida com a descoberta do suposto adultério, terão ditado a sua condenação. Teve discernimento para agir de forma natural nos seus afazeres, adquirir um fato de luto e clorofórmio com que planeou envenenar a mulher; e esperar que toda a criadagem estivesse a dormir para então perpetrar o crime. Teve sangue frio suficiente para, frustrada a possibilidade de intoxicação, porque a vítima acordou e debateu-se, a sufocar com a roupa de cama. Depois, voltou a aparentar tranquilidade, quando manteve o cadáver em casa e agiu como se nada se passasse antes de se entregar às autoridades, 30 horas depois.

 Na época, o adultério feminino comprovado e a perda da razão por parte do marido traído, como alertou, e bem, o alcacerense juiz Aragão Mascarenhas, eram atenuantes suficientes para isentar de pena o homicida confesso. O júri, embora impressionado com os argumentos da brilhante defesa e das suas numerosas testemunhas abonatórias, não se deixou convencer. O mesmo aconteceu ao magistrado, que condenou o réu a uma pena de dez anos de degredo para as possessões de África e de cinco anos de prisão efetiva.

José Cardoso Vieira e Castro acabaria por morrer em Luanda, dois anos após o homicídio, sem a fortuna ou a glória que tanto almejou, mas ficando para a história como um dos mais brilhantes parlamentares que o país já elegeu.

Ironia do destino é o criminoso ser homenageado com a atribuição do seu nome a uma rua do concelho onde nasceu e chegou a ser vice-presidente da câmara, Fafe e, ainda recentemente, ser lembrado em tertúlias. Em paralelo, o juiz que o condenou foi totalmente esquecido na sua terra de nascimento, Alcácer do Sal. A fachada da casa onde terá vivido a família do magistrado, no antigo largo Aragão Mascarenhas, ostenta hoje nome de outro alcacerense.

 

 

À margem

A quinta do Ermo, pertenccasa do ermo.jpgente a José Cardoso Vieira de Castro, serviu de guarida ao amigo Camilo Castelo Branco. O escritor andou fugido à justiça depois de Ana Plácido, sua amante, ser acusada de adultério e presa, em junho de 1860. Camilo seria preso em outubro do mesmo ano. Na época, José Cardoso Vieira de Castro defendeu o amigo, mas anos mais tarde cometeria homicídio por não suportar ter sido, ele próprio, alvo da traição,

Mas isso é outra história...

 

 

 

Fontes:

Processo e julgamento de José Cardoso Vieira de Castro no Tribunal do 2º Distrito Criminal de Lisboa – Lisboa - Imprensa Nacional - 1870

http://docplayer.com.br/36095280-Injffisisjiitf-iliiliiiililjll.html

Arquivo Histórico Parlamentar

http://ahpweb.parlamento.pt/Default.aspx

Wikipedia

https://pt.wikipedia.org/wiki/Jos%C3%A9_Cardoso_Vieira_de_Castro

Maria de Fátima Franco - Cadeia do Limoeiro - Da Punição dos Delinquentes à Formação dos Magistrados - Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais - outubro 2013 

 http://docplayer.com.br/1366048-Cadeia-do-limoeiro-da-punicao-dos-delinquentes-a-formacao-dos-magistrados-outubro-de-2013-direcao-geral-de-reinsercao-e-servicos-prisionais.html

www.google.pt/maps/search

https://casadecamilo.wordpress.com/2012/05/08/a-9-de-maio-de-1870-jose-cardoso-vieira-de-castro-amigo-de-camilo-desde-1852-assassina-a-sua-mulher-claudina-guimaraes-por-meio-de-cloroformio-e-estrangulacao-por-comprovado-ad/

http://domafonsohenriques.blogs.sapo.pt/32052.html

https://caminhosdamemoria.files.wordpress.com/2009/02/bhora21.jpg

http://lisboadeantigamente.blogspot.pt/2016/02/cadeia-do-limoeiro-paco-par-de-sao.html

Arquivo fotográfico de Lisboa - PT/AMLSB/CMLSBAH/PCSP/004/LIM/001557; PT/AMLSB/CMLSBAH/PCSP/003/FAN/000779; PT/AMLSB/CMLSBAH/PCSP/004/JBN/000647