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O sal da história

Crónicas da história. Aventuras, curiosidades, insólitos, ligações improváveis... Heróis, vilões, vítimas e cidadãos comuns, aqui transformados em protagonistas de outros tempos.

O sal da história

Crónicas da história. Aventuras, curiosidades, insólitos, ligações improváveis... Heróis, vilões, vítimas e cidadãos comuns, aqui transformados em protagonistas de outros tempos.

As animadas e picantes soirées em casa de D. Cláudia

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Nunca voltou a haver em Lisboa um espaço como aquele, onde se podia, em simultâneo, “tocar, jogar, valsar, amar” até ao raiar da madrugada.

 

A casa de D. Cláudia era o grande pesadelo das mães de família e a maior alegria dos mancebos de Lisboa, em meados do século XIX. Ali se perdiam fortunas na batota, mas sempre com um contentamento próprio de quem está mais interessado na conversa das raparigas do que no jogo; mais empenhado no que se passa por debaixo da mesa do que nas jogadas que deslizam no feltro verde. Por ali passaram muitos anónimos, mas também futuras caras conhecidas do poder e das letras. E fizeram-se muitas juras de amor que não acabaram na igreja, como era hábito na época.

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Numa Lisboa cinzenta e entediante onde, à exceção do S. Carlos, pouco havia para divertimento dos notívagos mais resistentes, as soirées de D. Cláudia, eram como um raio de luz que só se extinguia ao romper da aurora.

 

Em duas anteriores localizações e, depois, num segundo andar do prédio que faz a esquina do Rossio com o arco do Bandeira, ao domingo, quartas e sextas-feiras, havia jogatana, música à vontade de quem se quisesse atrever no piano, danças e moças - se não devassas, pelo menos mais soltas que as comuns donzelas casadoiras -, chá e “pífias torradinhas com manteiga”.

 

Nestas reuniões, onde cheirava a fumo adocicado e almíscar, havia uma “concorrência mesclada”, que tinha em comum apenas o gosto pela pândega e era recebida com grandes salamaleques pela dona da casa e o seu marido, o Brito.

 

Ela, uma quarentona muito fresca e senhora do seu nariz. Ele, um grande bisbilhoteiro, um pacóvio que se dava ares de liderar, mas era, afinal, “um pau mandado da senhora sua mulher”.

 

Nunca se percebeu muito bem o que o casal ganhava com aqueles serões, porque não há notícia de alguma vez terem pedido qualquer retribuição para si.

 

Ambos tinham pretensões de patrocinar encontros sérios, com formalidades próprias dessa condição e fingindo não ver os batoteiros profissionais, que ali pululavam, ou a libertinagem com laivos de orgia que preenchia as várias salas da habitação.

 

Ali “circulava o perfume tabernal dos bailaricos alfamistas”, jogava-se ao Monte ou à Banca Francesa e entoavam-se cantigas folgazãs e brejeiras, mais próprias dos bordéis. Tudo apresentado com uma moldura sofisticada, que nem sempre foi entrave a grandes barafundas.

 

6.jpgO ingresso era restrito, mas não se podia dizer que a forma de selecionar a freguesia fosse a mais fiável. Se, por exemplo, vinham em grupo. Um dos elementos subia a escada e dizia que tinha sido recomendado por outro frequentador “idóneo”. Depois regressava repetidamente à rua e trazia, de cada vez, mais dois amigos.

 

Mesmo com tantas recomendações, as coisas por vezes azedavam.

 

Como naquela noite em que um menino mau de boas famílias, filho de um procurador, levou para os salões de D. Cláudia tamanha sucia, que praticou “toda a casta de inconveniências, pondo em debandada as outras visitas” e provocando tal burburinho que chegou aos jornais. Escusado será dizer que, dessa vez, o Brito não deixou créditos por mãos alheias e deu uma tareia de bengala ao atrevido, quando depois o encontrou na rua dos Retroseiros.

 

Divertida mas igualmente atribulada foi a outra vez, em que Domingos Ardisson, janota e músico de segunda categoria, habitué da casa, ali chegou, sem aviso prévio e, de uma assentada, com 37 oficiais da esquadra inglesa fundeada no Tejo, que também não sabiam muito bem ao que iam. Imagine-se o tumulto!

 

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 O senhor Avrillon e a sua espécie de circo com aberrações, acrobacias e cavalos amestrados começou, a dada altura, a competir com as alegres soirées do Rossio e concorreu para o seu declínio.

 

O casal continuou a viver na mesma casa, mas o Brito andava cabisbaixo, uma sombra do que antes havia sido. D. Cláudia nunca mais foi vista, nem à janela. Diz-se que calou no peito, dignamente, a decadência do seu modo de vida. Na memória dos que tiveram o privilégio de frequentar a sua casa, ficou a saudade por esse espaço singular onde se podia, em simultâneo “tocar, jogar, valsar, amar”, o que não é coisa de pouca monta e que, só pelas alegrias que provocou, merece ser lembrado.

Eça de Queiroz faz isso mesmo. Em Singularidades de Uma Rapariga Loira, a casa de D. Cláudia é dada como referência para as Vilaça, mãe e filha, mulheres de rara beleza que encantaram Macário. Com tal referência, não é difícil de imaginar que a jovem e angelical Luísa se revelasse um poço de surpresas nem sempre agradáveis para o seu apaixonado.

 

À margem

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 O senhor Avrillon, que a dada altura começou a “roubar” clientela às denominadas “partidas da D. Cláudia”, tinha uma espécie de circo em que as vedetas eram cavalos capazes de inúmeras habilidades. Este espetáculo, que terá chegado a Lisboa por volta de 1835, correu o País com grande sucesso. Na Capital, montou o Circo Olímpico do Poço Novo, com atrações diversas: homem combustível, homem elástico, bailes de andas, hércules, pantominas napoleónicas, equilibristas, danças de corda… No Porto terá sediado uma grande companhia dos cavalinhos amestrados com igual êxito junto do público. Há notícias de mais apresentações, nomeadamente, em Guimarães e Braga, incluindo artistas portugueses, como o equilibrista Manuel Martins e António de Almeida. Famosos também, a égua Colibri e os bailes da senhorita Dolores.

Mas isso é outra história…

 

Nota: as imagens são meramente ilustrativas.

 

Fontes

Hemeroteca Digital de Lisboa

http://hemerotecadigital.cm-lisboa.pt/

A ilustração portuguesa – semanário – Revista Literária e Artística

3º ano; nº 21 – 6 dezembro 1886

Brasil-Portugal

Nº57 – 1 junho 1901

 

Pinto de Carvalho (Tinop) – Lisboa d’outros tempos

https://archive.org/stream/lisboadoutrostem02carv/lisboadoutrostem02carv_djvu.txt

 

José Maria Eça de Queiroz – Contos - Singularidades de Uma Rapariga Loura – 3ª edição, Porto, Livraria Chardron de Lelo & Irmão, Editores, 1913, em The Project Gutenberg EBook of Contos, by José Maria Eça de Queirós.

 

http://www.gutenberg.org/files/31347/31347-h/31347-h.htm

 

http://araduca.blogspot.pt/2013/08/efemeride-do-dia-cavalinhos.html

por António Amaro das Neves 

Arquivo Fotográfico Digital de Lisboa

http://arquivomunicipal2.cm-lisboa.pt/sala/online/ui/SearchBasic.aspx

  

Paulo Guedes

PT/AMLSB/CMLSBAH/PCSP/004/PAG/000341

PT/AMLSB/CMLSBAH/PCSP/004/SEX/000392

PT/AMLSB/CMLSBAH/PCSP/004/ACU/002274

PT/AMLSB/CMLSBAH/PCSP/004/ACU/000072

 

Instantâneos: a chegada do “leão de Gaza” à capital do Império

 

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13 de março de 1896. Chegam ao Tejo os gloriosos expedicionários de Infantaria 2 que, a bordo do navio África, trazem o supremo troféu: Gungunhana, o “leão de Gaza”, o rei que durante anos dominou uma importante parte do território de Moçambique, agora manietado, humilhado e submisso, face ao poder colonizador.

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 Milhares de pessoas apinham-se junto ao arsenal da Marinha e em pequenas embarcações, em pleno rio. Espreitam por entre os muitos engravatados que seguem com o grupo de africanos. Querem ver a chegada dos ilustres prisioneiros. Gungunhana e o seu séquito, incluindo várias das suas mulheres e filhos, transportados a terra pelo vapor Trafaria, pisam solo lisboeta às 3 horas da tarde, ele apoiado no inseparável bordão, todos enrolados em mantas, panejamentos tradicionais, com um ar intrigado, cansado, mais que temeroso.

Muita gente também no percurso até ao Forte de Monsanto, onde já existiam celas prontas para acomodar o grupo.

0001_M_13.jpgCom a prisão do líder dos vátuas, trazido para a metrópole e convertido em atração popular, Portugal “matava dois coelhos de uma cajadada”, mostrava, dentro e fora de portas, – em especial junto das outras potências sequiosas das possessões portuguesas - que era dono e senhor dos seus territórios e dava idêntico recado a outras tribos potencialmente rebeldes.

O “rei” deposto viverá uma década em cativeiro, na Ilha terceira, nos Açores, sobrevivendo quatro anos ao seu captor, Mouzinho de Albuquerque. Gungunhana morreu em 23 de dezembro de 1906 e os seus restos mortais regressaram a Moçambique em 1985, para ser sepultado com as honras devidas a um herói nacional.

 

Fontes

Imagens

Arquivo Fotográfico Municipal de Lisboa

 

http://arquivomunicipal.cm-lisboa.pt/pt/

José Chaves Cruz

PT/AMLSB/CMLSBAH/PCSP/004/CRU/000202

PT/AMLSB/CMLSBAH/PCSP/004/CRU/000201

PT/AMLSB/CMLSBAH/PCSP/004/CRU/000198

Fontes

Biblioteca Nacional Digital

http://purl.pt/

Diário Ilustrado

25º ano, nº 8:255 - 14 março de 1896

25º ano, nº 8:256 - 15 março de 1896

http://www.fmsoares.pt/aeb/crono/biografias?registo=Gungunhana

O dia em que mataram o administrador do concelho

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 O assassinato, em plena tarde e numa das mais movimentadas ruas da então vila, provocou grande agitação pública. Assim se finava um dos mais importantes homens do seu tempo, membro de uma linhagem onde se contam, por exemplo, o médico Francisco Gentil ou o cavaleiro tauromáquico João Branco Núncio.

 

Alcácer do Sal, 1902. Pouco passa das 15 horas do dia 19 de junho. O administrador do concelho caminha na rua, cumprimentando quem passa. Procura as sombras e opta provavelmente pela rua da Regueira ou outra igualmente movimentada e sombria, porque o sol alentejano é inclemente àquela hora. É interpelado por um homem. Aparentam idades próximas, 60 e muitos, talvez 70 anos. Parecem conhecer-se, mas o segundo empunha uma carabina que, sem demoras, dispara, ferindo gravemente o primeiro. Dois dias depois, João Alves de Sá Branco finar-se-ia em resultado dos ferimentos, sem que se percebesse o que levou Pedro Maria Cantarino a atingir fatalmente alguém a quem deveria muitos favores. A morte do homicida, no dia seguinte, calou para sempre as razões do crime.

Estranha-se porque não foi imediatamente preso e divergem os relatos sobre a forma como morreu: suicídio, linchamento popular ou vingança.

O Diário Ilustrado afirma que o assassino, ameaçado de linchamento pelos populares, disparou sobre si próprio e faleceu no próprio local. O cadáver teria sido transportado sem demoras para o cemitério, por ordem do juiz da Comarca.

O registo de óbito contraria esta versão, mas é escasso em explicações: aquele homem, de 66 anos, seareiro de profissão, apareceu morto em sua casa, no primeiro andar da primeira casa da antiga rua do Outeiro, atual rua Acácio Abreu Faria.

Já o jornal Pedro Nunes, numa extensa homenagem a João Alves Sá Branco publicada quando se assinalavam três anos sobre o funesto acontecimento, adianta que, no seu leito de padecimento, o rico lavrador terá perguntado muitas vezes porque se teria matado “aquele doido”, já que ansiava, em delírio, poder questioná-lo sobre o motivo de tão violento ato vindo de alguém a quem tantas vezes terá ajudado.

Perguntas que ficam sem resposta, mas que, certamente, foram alvo de tremenda especulação na pacata Alcácer do início do século XX. É que o crime, numa das mais centrais artérias da vila, provocou grande alarme público e verdadeira comoção, não só localmente.

João Alves de Sá Branco, então com 71 anos de idade, era uma das mais poderosas e ricas figuras do seu tempo na sociedade alcacerense da época, mas também se relacionava nas mais altas esferas do país, nomeadamente com a família real.

Não é de estranhar que, segundo relata o mesmo jornal, tenham chovido telegramas e visitas de pesar pelo trágico fim deste político, lavrador e amante de tauromaquia. O muito concorrido funeral foi classificado como “extraordinário, imponente, espontâneo”.

Hoje poucos saberão quem foi este homem, homenageado na toponímia da atual cidade. O apelido, no entanto, denuncia que faz parte de uma linhagem que deu muita gente ilustre a Alcácer do Sal.

O seu pai, António Lopes Branco, natural do lugar de Cepeda, freguesia de Sarraquinhos, Montalegre, viria a casar com uma alcacerense, Maria Augusta da Silva e Sá. Aqui se fixou e criou família que, entre os seus membros mais distintos, conta com Francisco e José Gentil, distintos médicos, João Soares Branco, engenheiro e ministro ou João Branco Núncio, cavaleiro tauromáquico e neto de João Alves de Sá Branco.

 

À margem

João Alves de Sá Branco era uma das mais influentes figuras de Alcácer do Sal, mas mover-se-ia também nas mais altas esferas do país. Contam os jornais da época, que privaria com D. Carlos e, antes deste, com o seu pai. Era cunhado de António Caetano Figueiredo, o 1º e único visconde de Alcácer, que ganhou o título precisamente por mercê de D. Luís, em 31 de maio de 1871. Era igualmente reconhecido como aficionado e entendido em tauromaquia, organizando amiúde touradas ou meras “tentas” entre amigos, nas suas terras. A festa brava era, aliás, uma paixão de toda a família.

Não será, pois, de estranhar, que este clã tenha dado origem àquele que é considerado por muitos como o maior cavaleiro tauromáquico português de todos os tempos. João Branco Núncio, o “Califa de Alcácer”, que tinha só um ano quando o seu avô morreu, mas que se estreou nas arenas com 13 anos de idade.

Mas isso é outra história…

 

Fontes

Jornal Pedro Nunes nº 34, de 21 de junho 1905 – Agradecimentos a Maria Antónia Lázaro.

www.tombo.pt

Biblioteca Nacional Digital

http://purl.pt

Diário Illustrado

31º ano; nº 10524 - 22 junho 1902

O “pai” da literatura policial e a sua vida rocambolesca

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Escrevia desenfreada e compulsivamente, como se a sua existência dependesse disso. Conquistou a paixão do público, mas a doença, a vida excêntrica que levou, cheia de episódios caricatos e delírios de grandeza, arrastaram-no para a miséria, que minou os seus derradeiros anos.

 

Tinha uma mente tão cheia de ideias, quanto errática e incompetente a gerir qualquer projeto de sucesso. Um carácter rebelde e narcisista, responsável por uma vida aquém das capacidades, mas com desvarios de superioridade e ostentação. Possuía um cérebro excecionalmente hábil na criação de personagens que resumem o pior do espírito humano e, ao mesmo tempo, capaz de ir à mais negra e perversa das realidades, convertendo-a em páginas e páginas que o público lia sofregamente. Assim era Francisco Leite Bastos, o precursor da literatura policial em Portugal, ainda antes de Sir Arthur Conan Doyle ou de Agatha Christie.

Quis o acaso que nascesse em 1841, ano em que Edgar Allan Poe levou à estampa aquele que é considerado o primeiro livro policial: Os assassinatos da rua Morgue. E carregou essa coincidência como um destino traçado que lhe haveria de trazer fama e glória. Talvez por isso, não se deteve nos estudos, nem nos expedientes para enriquecer que inaugurou na adolescência, quer fossem o fabrico de bolas de carvão, a produção de Sant’Antoninhos de barro ou de palitos para a indústria de fósforos.

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Na verdade, o êxito que a sua pena granjeou, praticamente desde o debute, inebriou-o e deu-lhe confiança para, aos 22 anos, se despedir de um entediante emprego público e tentar viver exclusivamente da escrita. Seduzia-o a ideia de adaptar textos para teatro e o contacto com atrizes e coristas.

Compensou a falta de formação literária com uma imensa intuição e arguto sentido de observação, começando a escrever desenfreadamente. Não importava o tema ou o formato: reportagem, artigos para revistas e jornais – nomeadamente Diário de Notícias e revista Occidente - drama, comédia ou crónica de costumes. Chegava a levar por diante três trabalhos em simultâneo, nem sempre da forma mais cuidada - que a pressa é inimiga da perfeição - mas escrevendo como se disso dependesse a sua existência.

E dependia mesmo, porque rapidamente malbaratou as curtas heranças dos pais, com extravagantes atividades, como prestamista, empresário de carroças de carga ou editor dos fascículos semanais Biblioteca Nacional – este menos mal, não fosse o fausto despropositado do escritório que montou.

Então, escreveu ainda mais: As tragédias de Lisboa (obra de fôlego com quatro volumes); Sapatos de defunto; O homem das meias de seda; Os trapeiros de Lisboa; A calúnia, O último carrasco

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Entre muitos outros, os que mais notoriedade lhe trouxeram, porque inspirados em facínoras reais que a sociedade ainda recordava com temor: O crime de Mattos Lobo, sobre o último criminoso a morrer enforcado em Lisboa, numa agonia cheia de peripécias; Os crimes de Diogo Alves, o primeiro serial killer português, que assaltava e atirava as suas vítimas do alto do Aqueduto das Águas Livres; O incendiário da Patriarcal, história do ladrão pirómano Alexandre Franco Vicente e, ainda, O crime do Corregedor, que por ciúmes da sua freira amada mandou para a morte um homem inocente.

Estas narrativas, algumas das quais adaptadas ao teatro e assiduamente reeditadas com grande sucesso, foram verdadeiramente inovadoras para a época e transformaram Francisco Leite Bastos no autor da moda, em simultâneo reconhecido por consagrados (poucos), como António Feliciano de Castilho.

A sua sequela de Rocambole, novela caracterizada pela sucessão interminável de episódios inusitados – origem do termo rocambolesco –, criada pelo visconde Ponson du Terrail, é vista como a melhor alguma vez escrita, sendo que foram muitos os escritores a tentar concluir a história inacabada, mas só Leite Bastos a conseguir passar-se pelo autor original.

Mas, estes triunfos e o casamento com Amélia Rosa Vidal não lhe trouxeram a estabilidade, ou a saúde. Trabalhava muitíssimo, deixando sugar a sua fértil imaginação pela voracidade do mercado, que não lhe pagava o suficiente para viver.

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Para o folclore de Lisboa ficaram as suas excentricidades: o caricato espetáculo do escritor a passear-se numa periclitante carroça adornada como se de um coche de luxo se tratasse e puxada por um esquálido cavalo, provocando o gozo dos passantes; a sua fraca figura bamboleando-se rua acima, rua abaixo, sempre com pressa, a pé, já depois da estranha viatura e do amado equídeo terem desaparecido.

Para os amigos ficou sobretudo o enorme sofrimento dos últimos anos da sua curta vida, minada pela tuberculose e finda no dia 5 de dezembro de 1886, no nº 21 da rua Bica de Duarte Belo.

Tinha finalmente encontrado a paz, sem ter sabido que seria reconhecido como o “pai” da ficção policial em Portugal, algo que, certamente, agradaria às suas pretensões de grandeza e compensaria, por fim, tanto esforço e criatividade.

 

À margem

Francisco Leite Bastos era primo de Gervásio Lobato, também ele jornalista, escritor, tradutor e dramaturgo.

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Foi em casa deste que se refugiou quando, ainda adolescente, fugiu da escola e do lar paterno. Eram amigos próximos e muitas vezes partilharam as páginas das mesmas publicações, mas a vida de Gervásio foi bem mais serena. Concluiu estudos, foi professor e foi também bastante produtivo do ponto de vista literário. A sua obra mais conhecida, Lisboa em Camisa, retrata a vida da Capital em pequenos quadros com um misto de realismo e humor, como se as suas personagens tivessem sido surpreendidas na intimidade, verdadeiramente em “mangas de camisa”. Por coincidência, Gervásio Lobato, a quem se deve a biografia resumida do primo e a conclusão de algumas das obras que aquele deixou inacabadas, nasceu nove anos após Francisco Leite Bastos e morreu também exatamente nove anos depois deste.

Mas isso é outra história...

 

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Revista Occidente

http://hemerotecadigital.cm-lisboa.pt/OBRAS/Ocidente/1886/N287/N287_master/N287.pdf

Imagens

http://livreiro-monasticon.blogspot.pt/2014/09/

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www.wikipedia.org.com

 

Fontes

Hemeroteca Digital

Revista Occidente

http://hemerotecadigital.cm-lisboa.pt/OBRAS/Ocidente/1886/N287/N287_master/N287.pdf

http://hemerotecadigital.cm-lisboa.pt/OBRAS/Ocidente/1886/N288/N288_master/N288.pdf

http://hemerotecadigital.cm-lisboa.pt/OBRAS/Ocidente/1887/N291/N291_master/N291.pdf

Ilustração Portuguesa

http://hemerotecadigital.cm-lisboa.pt/OBRAS/IlustracaoPort/IlustracaoPortuguesa.htm

AIlustPort1886DezN23

 

Biblioteca Nacional Digital

Diário Ilustrado

http://purl.pt/14328

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j-1244-g_1883-05-10_0000_1-4_t24-C-R0150

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Registos paroquiais portugueses para genealogia

www.tombo.pt

http://digitarq.arquivos.pt/viewer?id=4816625

 

Leite Bastos, O crime de Mattos Lobo, Editora livros do brasil, Copyright © Livros do Brasil, 2004

http://webcache.googleusercontent.com/search?q=cache:HZFb8SR83CYJ:www.visionvox.com.br/biblioteca/l/Leite_Bastos_o_Crime_de_Mattos_Lobo.rtf+&cd=1&hl=pt-PT&ct=clnk&gl=pt

 

https://archive.org/stream/portugaldicciona04pere/portugaldicciona04pere_djvu.txt

 

https://slidex.tips/download/criminosos-popularizados-na-narrativa-de-divulgaao-de-1838-aos-alvores-da-republ

 

https://run.unl.pt/bitstream/10362/17079/1/TeseDoutoramento_GraçaPacheco_Anexos.pdf

 

https://www.bertrand.pt/livro/o-crime-de-mattos-lobo-leite-bastos/86293

 

https://crimesdebolso.wordpress.com/tag/leite-barros/

 

https://www.infopedia.pt/$francisco-leite-bastos

 

https://pt.wikipedia.org/wiki/Gervásio_Lobato

 

 

I Pela imprensa: as milagrosas Pílulas Pink

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Resignados e desesperados desta vida, não desanimai. As Pilulas Pink são a resposta que procurais, quer os vossos males sejam de “pobreza do sangue” ou de “fraqueza dos nervos” e mesmo se padeceis de doenças “antigas, rebeldes”, desenganadas dos outros medicamentos experimentados.

É de uma experiência assim que fala Anna Whitton Sarmento, moradora no bairro do Século, que em pouco tempo ficou curada de todas as moléstias, estando por isso “deveras grata às Pilulas Pink”.

Afinal, este extraordinário remédio tem mostrado curar “meros casos de anemia”, “chlorose das meninas novas”, enxaquecas, “sciatica”, doenças nervosas, do estômago, nevralgias ou reumatismo.

Era nestes termos, quase milagrosos, que se publicitavam nos jornais do início do século XX alguns medicamentos, procurando impor-se no mercado. Neste caso, são as Pilulas Pink, assim divulgadas no portuense A Voz Pública, de 4 de fevereiro de 1909.pilulas2.JPG

 

Tão famosas e excecionais, que foram usadas pela poetisa Natália Correia como mote para um divertido conto:  O aplaudido dramaturgo curado pelas Pílulas Pink.


Este tónico, com ferro e magnésio, era, na origem, Dr Williams Pink Pills for Pale People – pílulas rosa para pessoas pálidas - slogan que em português perdeu o trocadilho, mas não impediu o sucesso do produto.

Em 1890, a patente foi comprada pela canadiana G. T. Fulford & Company, que fez o fármaco um bestseller internacional. Hoje, a casa do fundador da marca é atração para turistas, com o patrocínio das autoridades do Ontário.

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Biblioteca Nacional Digital

http://purl.pt/14332

Jornal A Voz Pública, 4 de fevereiro de 1909

 

Fontes

http://drwilliams-pinkpills.blogspot.pt/2010/06/dr-williams-pink-pills-for-pale-people.html

 

https://en.wikipedia.org/wiki/Dr._Williams%27_Pink_Pills_for_Pale_People

 

Paula Renata Camargo de Jesus, Os slogans na propaganda de medicamentos – Um estudo transdisciplinar: comunicação, saúde e semiótica; Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC-SP, 2008

 

 

Imposto sobre o vinho ajudou a pagar estradas para Beja e Évora

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João VI elogiou o patriotismo dos alcacerenses, reunindo dinheiro para pagar as obras. Uma parceria no mínimo curiosa à luz dos tempos que correm e que, em conjunto com novos impostos, custeou os acessos.

 

É ponto assente que Alcácer do Sal tem uma localização geográfica estratégica: a porta do Alentejo, por assim dizer. Mas, também é verdade que as ligações por estrada ao interior constituem uma dor de cabeça para as populações e entidades oficiais daquele concelho, pois apresentam periodicamente sinais de desgaste que dificultam a circulação de pessoas e bens. Ora, em 1822, os alcacerenses uniram esforços e dinheiro - no que hoje poderia chamar-se uma parceria público-privada -, para convencer o rei a avançar com a recuperação das estradas e pontes entre Alcácer, Évora e Beja. Sem dúvida uma iniciativa que os governos atuais muito apreciariam.

João VI, que havia regressado um ano antes do Brasil e tinha mandado averiguar precisamente o que seria necessário fazer-se para conseguir um “fácil e seguro trânsito” nestes percursos, aceitou o desafio e deu indicações para que as obras avançassem, fazendo publicar um anúncio onde elogiava a mobilização alcacerense, que deveria ser vista como um exemplo de “patriotismo” e “bons sentimentos”, tendo a sua demanda merecido a “real aprovação de sua majestade”, como se pode ler no Diário do Governo de então.

O líder deste movimento foi Manoel Ferreira Tavares Salvador. Este beirão, natural de São João da Pesqueira, havia sido Juiz de Fora em Alcácer do Sal e por lá acabaria por casar e deixar descendência ilustre de que se falará noutra crónica. Talvez por conhecer bem o terreno, foi incumbido de fazer a intermediação entre a vontade real e as pretensões dos locais.

Conseguiu que, em sessão do senado camarário, de 22 de maio, se aprovasse um compromisso que associava “Câmara, nobreza e povo da vila”. O município entregava a renda do paço da vila, sobretaxava a Sisa e o movimento marítimo, criando igualmente novos impostos para ajudar à angariação de fundos: um real a mais sobre cada alqueire (cerca de 13 litros) de produtos transacionados no Paço local e 5 reis por cada quartilho (meio litro) de vinho de fora aqui vendido.

Este último expediente, que de forma alguma é uma novidade na história de Portugal, foi apontado como “um dos maiores meios e mais suaves” com que as obras podiam “ser auxiliadas”.

A decisão ditava ainda que, quem tivesse carroças, “ofereceria” o transporte de material para ajudar aos trabalhos. Um total de 2.705 carradas por ano, em 105 carros existentes neste termo.

Para que a sua atitude fosse reconhecida, o Diário do Governo publicava a lista de cidadãos que, voluntariamente ou pressionados para tal, entregavam contributos monetários significativos para o projeto. Os valores mais elevados couberam à generosidade e fortuna de António de Mattos, José da Costa Passos e o próprio Manoel Tavares Salvador, mas colaboraram muitos outros, como o então juiz de fora, António José Dias Lopes de Vasconcelos; o capitão-Mor, Manuel Coelho; o médico, Hipólito Nobre; o vereador, José Manuel Lobato; párocos das várias igrejas, lavradores e cidadãos mais ou menos abastados, mas com sobrenomes que ainda hoje se conhecem em Alcácer: Frota; Galvão, Reis; Salema; Rosa, Telles, Banha…

O conselheiro José Xavier da Cunha d’ Eça Telles de Menezes superou tudo e todos, comprometendo-se com 240 mil reis.

As populações do Torrão e Beringel, amplamente beneficiadas com a ligação a Beja, também não ficaram à margem, mas não foi possível apurar quanto conseguiram juntar e que subterfúgios encontraram para obter mais dinheiro.

À margem

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 Em diversos momentos da história de Portugal se usaram impostos sobre o vinho –  também sobre outrosprodutos de grande consumo e até de primeira necessidade, como a água – para suprir os défices do Estado.  Só a título de exemplo, no longínquo século XIV, a sisa sobre o vinho foi usada para concluir a construção da cerca nova de D. Fernando, bem como para fazer obras em muros e portas da cidade e custear o abastecimento de pão. D. Manuel I instituiu imposto sobre o vinho, em Lisboa, para financiar trabalhos naquela cidade, o mesmo foi usado para ajudar ao projeto de abastecimento das Águas Livres. D. Sebastião José de Carvalho e Melo utilizou igual expediente para as obras de guarda e segurança dos depósitos do senado da Capital. Nada de novo, portanto. Curioso mesmo é que, a cada aumento dos impostos, se seguiam requerimentos dos escrivães e dos executores das taxas, pedindo mais vencimento devido ao incremento no seu trabalho.

Mas isso é outra história…

 

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http://www.worldheritageofportugueseorigin.com/2015/08/04/the-king-arrival-from-brazil-in-1821/

 

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Arquivo Fotográfico Municipal de Lisboa

Ferreira da Cunha, atr

PT/AMLSB/EFC/002151

 

Diário do Governo nº152

https://books.google.pt/books?id=XhEwAAAAYAAJ&pg=RA3-PA1186&lpg=RA3-PA1186&dq=%22manoel+ferreira+tavares+salvador%22&source=bl&ots=Cog3W8gMuY&sig=V0lWJ2M-eOSU63JMRJqVrxWrZhs&hl=be&sa=X&ved=0ahUKEwj7qvDSrunYAhXGOxQKHUwTDZIQ6AEISDAK#v=onepage&q=%22manoel%20ferreira%20tavares%20salvador%22&f=false

 

Arquivo Municipal de Lisboa

http://arquivomunicipal.cm-lisboa.pt/pt/

Resolução do concelho em lançar sisa sobre o vinho

PT/AMLSB/CMLSBAH/CHR/005/0002/0006

D. Fernando autoriza o concelho de Lisboa a aumentar a sisa do vinho

PT/AMLSB/CMLSBAH/CHR/005/0025/0087

Aviso determinando que o acréscimo do contrato dos reais d'água e do vinho seja aplicado na obra de guarda e segurança dos depósitos do senado.

PT/AMLSB/CMLSBAH/CHR/010/0074/0029

Aviso sobre as novas imposições nos reais da carne e do vinho

PT/AMLSB/CMLSBAH/CHR/010/0053/0015

João III ordena o fim da imposição sobre o vinho

PT/AMLSB/CMLSBAH/CHR/005/0016/0006

 

 

 

 

Instantâneos: calhandras e calhandreiras, que não param de "calhandrar"*

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 O que são calhandreiras? Se pensou em aves, anda perto, mas não acertou. Se acha que são mulheres que gostam de falar da vida alheia, está mais perto, sem ir ao cerne da questão. Calhandreiras são, de facto, mulheres. Representavam o grau mais baixo de entre os “escravos de ganho”, que desempenhavam as mais diversas tarefas, em Lisboa, lá pelos séculos XVII e XVIII, antes de haver água canalizada ou esgotos na cidade. Eram cerca de mil, as negras que, ao final do dia, calcorreavam as ruas apanhando os desperdícios. As que recolhiam os excrementos, de calhandros à cabeça, eram as calhandreiras e tinham também o mais reduzido pagamento, apenas 30 reis diários. Esses cestos, que deram nome à “profissão”, eram depois despejados no rio.  Como o espetáculo não era bonito e, por vezes, havia conflitos, a atividade chegou a ser regulamentada pela câmara da Capital, com horas – preferencialmente de noite – e locais próprios para o despejo: entre o cais do Tojo e a ponte Nova da Casa da Índia, ou na praia da Bica do Sapato, para calhandreiras de bairros mais distantes. Obviamente que estas mulheres trocavam entre si novidades e coscuvilhices que iam ouvindo, provocando uma grande algazarra quando se encontravam à beira Tejo. Daí o termo ser associado à bisbilhotice e à intriga.

Ah! Calhandras são aves da família das cotovias. Consta que têm um canto interminável, com váriações de som e ritmo, assim como várias mulheres juntas, em grande cavaqueira.

*O verbo calhandrar não existe

 

 

 

Fontes

Maria do Rosério Pimentel, capítulo retirado do livro Chão de Sombras - Estudos sobre Escravatura, edições Colibri, 2010

http://www.buala.org/pt/a-ler/ser-escravo-quadros-de-um-quotidiano-dos-trabalhos-e-dos-dias

 

http://www.cm-lisboa.pt/municipio/historia/historial-da-limpeza-urbana

 

http://www.avesdeportugal.info/melcal.html