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O sal da história

Crónicas da história. Aventuras, curiosidades, insólitos, ligações improváveis... Heróis, vilões, vítimas e cidadãos comuns, aqui transformados em protagonistas de outros tempos.

O sal da história

Crónicas da história. Aventuras, curiosidades, insólitos, ligações improváveis... Heróis, vilões, vítimas e cidadãos comuns, aqui transformados em protagonistas de outros tempos.

(12) Instantâneos: fés e vaidades da Semana Santa

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Sete igrejas. Cada fiel deveria – deve ainda?! – visitar sete igrejas na Semana Santa. Isso justificava o grande movimento de senhoras e senhores, com os seus melhores trajes; rua acima, rua abaixo; passando pelos diversos templos de portas abertas. Momento de meditação, de autoanálise, mas também, mostram as revistas de outros tempos, oportunidade para ver e ser visto, numa feira de vaidades que pouco tem a ver com a penitência, o recolhimento, a introspeção que a época pedia – pede ainda?!.

0002_M.jpgA imprensa realça os fatos das senhoras, escuros – em preto e roxo - até Sexta-Feira Santa; claros, primaveris, a partir do Sábado de Aleluia. Mostra e descreve os ilustres que se dedicam a esta deambulação religiosa, conde disto, marquês daquilo, comendador de aqueloutro; mademoiselle fulana, madame sicrana…só desses reza a história.

A Ilustração Portuguesa, em 1907, já falava de estarem as cerimónias vazias de algum do seu simbolismo inicial. De preces e gestos que “parecem automáticos” e dos muitos que faziam o trajeto pela curiosidade, mais do que pela fé.

0003_M.jpgFala do negócio em torno da quadra, dos quilos de amêndoas que se vendiam e da carne que se comia avidamente depois do período de renúncia – “o magro”. “Correm-se sete casas de amêndoas, como na quinta-feira se correram sete igrejas”, comenta.

Muito folclore para pouca fé, parece. No entanto, diz a revista, havia – há ?! - “ainda, no meio do ceticismo dos tempos correntes, crenças sinceras e verdadeira piedade”. Valha-nos isso.

 

 

 

 

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Fontes

Hemeroteca Digital de Lisboa

http://hemerotecadigital.cm-lisboa.pt

Illustração Portuguesa

Nº59 – 8 abril 1907

 

Arquivo Fotográfico Municipal de Lisboa

http://arquivomunicipal2.cm-lisboa.pt

Joshua Benoliel

 PT/AMLSB/CMLSBAH/PCSP/004/JBN/002210

PT/AMLSB/CMLSBAH/PCSP/004/JBN/002209

PT/AMLSB/CMLSBAH/PCSP/004/JBN/002204

PT/AMLSB/CMLSBAH/PCSP/004/JBN/002203

(11) Instantâneos: os algarves das galeotas reais

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Um, dois; um, dois; rainhas e princesas belas, mais as aias delas;

Um, dois; um, dois; reis e embaixadores, fidalgos e outros senhores;

Um, dois; um, dois; gente fina e delicada, que do mar não percebe nada;

Um, dois; um, dois; remando pelo Tejo, quando os importantes querem um arejo.

 

remador do bergantm purl.pngUm, dois; um, dois. Dezenas de homens remam a uma só voz, a um só movimento de braços, treinados, persistentes. A bordo, só a corte e outros ilustres. As ricas indumentárias dos passageiros combinam com os faustosos ornamentos, os pormenores dourados, a requintada madeira minuciosamente talhada da embarcação. E a farda dos remadores não destoa: franjas, gregas, galões, capacetes reluzentes…mas não oculta os rostos escuros, curtidos pelo sol, as mãos calejadas e secas das muitas horas ao sabor das marés.

 

 Eram assim os “algarves”. Homens possantes, especificamente recrutados naquela região do país para tripulação das galeotas e bergantins reais. Era uma profissão apreciada, que passava de pais para filhos, como passaria a habilidade e conhecimentos sobre a “arte” de remar.

O seu saber seria tão especial e valorizado que, mesmo quando a corte se transferiu para o Brasil, um ano depois, ali foram recebidos 23 destes remadores, especialmente transportados a “Terras de Vera Cruz” com o fim de equipar a galeota construída do outro lado do Atlântico para passear a família real na baía de Guanabara.

bergantim 2.jpgPelo menos desde o século XVIII, os “algarves”, as suas famílias e as barcas que tripulavam estavam instalados na zona de Belém – a toponímia da zona ainda recorda essa ocupação –, já que o Tejo chegava praticamente até à rua da Junqueira, facilitando os seus movimentos.

Estavam presentes em meros passeios de lazer da família real e seus convidados, mas com o passar dos anos eram requisitados para receber altas individualidades, que chegavam de barco ao nosso país. A galéola real ia, toda resplandecente e engalanada, buscar os visitantes ao navio que os transportara e fazia-os chegar a terra em segurança e extremo conforto.

bergantim 6.jpgCom a queda da monarquia, este costume deixou de fazer sentido, mas voltaria a ser admirado, para gaudio dos saudosistas, em 1957, aquando a visita da rainha Isabel II ao nosso país.

As belas embarcações podem agora ser contempladas no Museu da Marinha, precisamente em Belém, muito perto do que antes fora a sua “casa”.

 

 

 

 

 

 

 

 

Fontes

Paulo Lowndes Marques; O Marquês de Soveral, seu tempo e seu modo – Texto Editora, 2009; em https://books.google.pt/books?id=NuqZ7T2vWKcC&pg=PA176&lpg=PA176&dq=bergantins+remadores+algarves&source=bl&ots=jebo-2QBtf&sig=Z_mXiB9dl-uFI7gOfaJrpo_JKRQ&hl=pt-PT&sa=X&ved=0ahUKEwi4oIjbqvTZAhUF1hQKHWgCBmo4ChDoAQgmMAA#v=onepage&q=bergantins%20remadores%20algarves&f=false

http://marinhadeguerraportuguesa.blogspot.pt/2013/11/arsenal-real-da-marinha-da-bahia.html

http://realbeiralitoral.blogspot.pt/2011/04/o-bergantim-real.html

http://bloguedelisboa.blogs.sapo.pt/os-algarves-da-junqueira-foram-os-11359

Imagens

Biblioteca Nacional Digital

http://purl.pt/22226/5/P15.html

Arquivo Fotográfico Municipal de Lisboa

http://arquivomunicipal.cm-lisboa.pt/pt/

Augusto Bobone

PT/AMLSB/CMLSBAH/PCSP/004/BOB/000003

PT/AMLSB/CMLSBAH/PCSP/004/BOB/000114

António Novais

PT/AMLSB/ANV/000287

Quando a fina flor da sociedade alcacerense se mobilizou para dar boleia ao rei

Rei D_ carlos 1906.jpg 

Os automóveis eram uma novidade, mas os melhores exemplares então existentes na terra foram colocados à disposição de D. Carlos, apeado no Alentejo devido a uma avaria no seu veículo.

 

D. Carlos visitava amiúde Alcácer do Sal, quer para ver “amigos”, que por estas terras mantinha, quer para caçar nos pinhais das redondezas, quer ainda, de barco, quando se dedicava a outra das suas paixões, o estudo das espécies marinhas e fluviais. Muitas vezes terá vindo por escolha própria, mas o acaso fê-lo certo dia aqui demorar-se sem que tal fosse por vontade. O transporte de sua majestade resolveu avariar e os poderosos da terra praticamente acotovelaram-se para ver qual chegava primeiro e oferecia boleia à real figura.

 

Estávamos em abril de 1905. Aproveitando uma Primavera amena, o monarca “rolava” à invejável velocidade de 30 quilómetros por hora. Acompanhado pelo coronel Malaquias de Lemos e pelo pintor Casanova, havia passado por Alcácer um pouco depois das sete da manhã, detendo-se apenas o suficiente para acautelar se a ponte de madeira, que então unia as duas margens do Sado e se encontrava em reconstrução, tinha estabilidade suficiente para suportar o automóvel.

 

Foi de tarde, já no regresso à Capital e depois de visitas a Grândola, Santiago do Cacém, Ferreira do Alentejo, Odivelas e Torrão, que os problemas se manifestaram.

 

No sitio do Vale da Grã, pouca distância após Alcácer, na estrada de ligação ao Poceirão, a viatura parou abruptamente “por se ter desarranjado qualquer coisa do motor”, provavelmente pouco habituado a passeios longos como aquele, que já contava com 229 quilómetros, relata o jornal local Pedro Nunes.

 

Logo, o chauffeur regressou a pé à então vila, em busca de ajuda na pessoa de José Serra Lynce, abastado proprietário da terra com quem sua majestade mantinha uma relação próxima. Em simultâneo, enviou diversos telegramas “a vários personagens de alta categoria”, informando do imprevisto, que impediria a presença do monarca em compromissos antes firmados.

 

Ora, coincidência das coincidências, na estação telegrapho postal de Alcácer estava uma das pessoas mais bem informadas da terra, nem mais nem menos que o secretário de redação do jornal Pedro Nunes, Adriano Augusto de Matos – por sinal republicano - que participou ao motorista a ausência da pessoa que procurava e, num ápice, espalhou a notícia dos trabalhos em que El-rei se achava, assim, parado no meio de nada com um carro avariado.

 

Em pouco tempo, conta o mesmo órgão de informação, as ilustres famílias de Alcácer com automóvel puseram-se à disposição para ajudar. Não terão sido muitas, já que, recorde-se, os veículos com motor de explosão haviam chegado ao nosso país havia apenas uma década e eram um luxo a que poucos se podiam dar.

 

O jornal dá conta que, rapidamente, se puseram em marcha em direção ao lugar onde o grupo tinha ficado apeado, um veículo de Dâmaso Paula Leite, conduzido pelo cocheiro da casa e transportando o chauffer do rei e a equipa do jornal, outro da família de João Alves de Sá Branco, que chegaria em primeiro lugar, embora tenha sido preterido.Carlos acabaria por pernoitar no Palácio de Palma, onde ainda recebeu as visitas do amigo José Serra Lynce, Francisco Victor Marques, à época administrador do concelho, e José Costa Passos, então vice-presidente da Câmara Municipal de Alcácer do Sal, que não quiseram deixar passar a oportunidade de prestar cumprimentos a sua alteza.

 

Na manhã seguinte, já estava em Pegões a carruagem de luxo onde habitualmente viajava a família real, que foi atrelada ao comboio de passageiros e levou a distinta comitiva em direção a Bombel, interface da linha do Alentejo com ligação ao Barreiro, onde, presume-se, atravessaram o Tejo a bordo de algum “vapor”.

 

O carro seguiu para o Poceirão puxado a duas juntas de bois e, quanto ao soberano, “além do incómodo da demora e transtorno do programa que traçara, nada mais sofreu, sendo sempre magnifico o estado da sua importante saúde”, remata o jornal Pedro Nunes.

 

À margem

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D. Carlos era um exímio marinheiro e era frequente deslocar-se pela costa Portuguesa ou fazer incursões pelo Tejo ou pelo Sado, ao leme das diversas embarcações ao serviço da família real.

É conhecido o empenho do rei no estudo da oceanografia, mas muitas destas viagens destinavam-se apenas a passeio e contacto com as populações, mormente com os ilustres das terras por onde passava. Na imagem, D. Carlos a bordo do Iate Sado, no rio com o mesmo nome, em frente a Alcácer do Sal, no já longínquo ano de 1904.

Aparentemente, a rainha D. Amélia partilhava o prazer do monarca, porque muitas vezes o acompanhava nestas viagens. Em sua homenagem, aliás, D. Carlos batizou quatro dos seus yachts. Foi no último destes que a família real, já então liderada por D. Manuel II, embarcou para o exílio após a implantação da República. Ironicamente, os novos governantes mudaram o nome ao navio, mas voltaram ainda a usá-lo muitas vezes em campanhas hidrográficas, tal como o rei teria gostado.

Mas isso é outra história…

 

Fontes

Hemeroteca Digital de Lisboa

http://hemerotecadigital.cm-lisboa.pt/

Illustração Portugueza

1º ano: nº 30 - 30 maio 1904

 

Jornal Pedro Nunes - 9 abril 1905 in Notícias e fotografias de Alcácer do Sal

Séculos XIX e XX; Alcácer do Sal - dezembro 2016

http://pt.calameo.com/books/0050650798ed08615b95a

 

 

http://restosdecoleccao.blogspot.pt/2015/06/yachts-reais-amelia.html

 

 

http://realfamiliaportuguesa.blogspot.pt/2016/08/

(10) Instantâneos: o banho da Mocidade Portuguesa

 

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Fardadas ou não, crianças são crianças, espontâneas como só elas sabem ser. Estas pertencem a um grupo de Monsanto da Mocidade Portuguesa e estão em passeio à Costa da Caparica. Aparecem aqui misturadas com outras crianças de bata, provavelmente de uma escola local, e com alguns adultos, de fato, gravata e chapéu ou com uniforme.

 

Em conjunto, brincam, riem e fogem das ondas revoltas que os ameaçam molhar, por momentos esquecidos das regras, dos preceitos, da rigidez, das hierarquias de inspiração militar que os separam. Os mais afoitos não recuam e enfrentam as águas.

 

Estamos em 1938, e a “experiência” da Mocidade Portuguesa tem apenas dois anos.

 

Criada por Salazar, esta organização tinha caracter de milícia, sendo de frequência obrigatória para crianças com idades entre os sete e os 14 anos, escolarizadas ou não. Tinha como fim uma preparação pré-militar, inculcando valores, autoridade e disciplina rigorosas, nomeadamente em atividades no exterior, como paradas e acampamentos, onde esse condicionamento era posto à prova.

 

Fontes:

Arquivo Fotográfico Municipal de Lisboa

http://arquivomunicipal.cm-lisboa.pt/pt/

Eduardo Portugal

PT/AMLSB/POR/059875

 

https://www.infopedia.pt/$mocidade-portuguesa

 

Quando a honra se lavava pela lei das armas

 

0001_M.jpgUma “instituição que, quando não é perigosamente ridícula, é ridiculamente perigosa”, mas que se manteve até ao final dos anos 20 e chegaria a ser colocada à consideração de Salazar. Era assim o duelo, indispensável à manutenção da honra dos mais distintos senhores da sociedade portuguesa.

 

Custa imaginar, mas há menos de cem anos, os cavalheiros portugueses batiam-se em duelo por dá cá aquela palha. Bem, não seria por tão pouco. Era, sim, por questões de honra, a tal que só podia ser lavada com sangue, nem que fosse apenas uma gota. Entre as últimas décadas do século XIX, e os primeiros anos da jovem República, os ânimos andavam de tal forma exaltados que, praticamente todas as semanas, uma elite formada por deputados, militares, jornalistas e até membros do governo, dirimiam a suas afrontas à lei da bala, do sabre ou da espada, num ritual que raramente fazia mortos.

 

Os duelos, embora proibidos por lei, eram tolerados como forma de evitar cenas de pancadaria, atividade reservada a classes sociais sem gabarito. Os senhores travavam duelos com opositores de igual estirpe, já que apenas esses tinham o poder de ofender os seus pares.

 

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 A escolha das testemunhas, o desafio, a seleção das armas e o confronto propriamente dito, obedeciam a regras há muito traçadas. As salas de armas, onde os gentis-homens praticava tal arte beligerante estavam muito em voga, mas não era incomum um dos antagonistas nunca ter empunhado qualquer espada e ver-se, de repente, a defender a pele brandindo uma, de madrugada, num ermo junto da cidade de Lisboa. A dignidade assim o ditava.

A contenda era dada como finda com honra para ambas as partes “ao primeiro sangue”, ou quando um dos opositores fosse declarado em inferioridade, por ferimento. Sim, porque estes eram cavalheiros modernos e não selvagens, como se poderia pensar de quem arrisca a vida porque ouviu no parlamento ou leu no jornal frases pouco abonatórias sobre si ou os seus.

0004_M.jpgAs coisas, no entanto, nem sempre acabavam de forma inofensiva, especialmente quando se tratava de armas de fogo. O bom senso e o uso ditavam que os adversários deveriam disparar para o céu, evitando ferir-se.

Mas, não foi isso que aconteceu quando Miguel de Sá Nogueira desafiou José Júlio de Oliveira para um duelo, como desagravo por este ter chamado “demente” ao seu velho tio, António Cabral de Sá Nogueira. A afronta foi mortal para o deputado transmontano que, embora contrariado, acabaria por se bater, corria o ano de 1869. Não lhe passou pela cabeça recursar-se, que isso era sinal de inaceitável cobardia, passível de o desvalorizar para sempre junto dos seus.

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Embora, basicamente, uma encenação sem consequências, provou-se – como se fosse preciso - que os duelos podiam ser fatais. Foi aliás outra história trágica que muito contribuiu para o fim deste costume masculino.

 

Em 27 de dezembro de 1925, cruzaram armas António Maria Beja da Silva, vereador da Câmara Municipal de Lisboa, e o diretor das Companhias Reunidas de Gás e Eletricidade, António Centeno, que se considerou ofendido em relação ao primeiro. Durante o duelo, Beja da Silva, que se estreava, teve uma crise cardíaca que acabaria por matá-lo. O desfecho impressionou a opinião pública e deu força aos, já então muitos, oponentes deste tipo de lavagem da honra.

 

O último combate, no entanto, terá sido só em 1928, entre Dias Ferreira e Beirão da Veiga, dois pacatos professores do Instituto de Ciências Económicas e Financeiras, que não encontraram melhor forma de resolver divergências profissionais. Mesmo o então comandante da PSP, o Coronel Ferreira do Amaral, que era contra os duelos, entendendo-os como uma “instituição que, quando não é perigosamente ridícula, é ridiculamente perigosa”, conhecendo o ânimo daqueles adversários, terá dito: “se me obrigam a proibir o duelo, eles terão que se bater a murro” … tal era a força da inevitabilidade.

 

Há informações sobre outras contendas que por pouco não acabaram em armas já depois daquela data: nos anos 40, Francisco Sousa Tavares terá desafiado para um duelo o “capitão maldisposto”, que considerou tê-lo insultado, quando prestava serviço militar. “Proíbo o duelo por ser instituição caída em desuso e contrária aos sentimentos religiosos do reino”, escreveu Salazar, última instância à qual o assunto foi colocado. Estava definitivamente encerrada a questão.

 

À margem

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 O duelo não era tópico para qualquer um. De facto, envolvidos nesta atividade, como duelistas ou, no mínimo, testemunhas, temos a fina flor dos cavalheiros daquele tempo muitos dos quais com nome depois lavrado na história nacional. Casos de Afonso Costa (de costas na imagem) e Francisco Cunha Leal, chefes de governo; o futuro general Norton de Matos ou o médico e prémio Nobel, Egas Moniz. Não obstante, com o correr dos anos, os oposicionistas ganharam peso. Aliás, logo no raiar da República (em 31 de dezembro de 1910), o Governo Provisório lançou um decreto onde se cria o Tribunal de Honra de Lisboa, destinado a resolver rapidamente, sem necessidade de intervenção da justiça “ordinária”, as pendências de honorabilidade, dissuadindo-se os envolvidos de resolvessem as questões pelas suas próprias mãos. A tentativa não teve muito sucesso e o dito tribunal foi extinto em agosto do ano seguinte.

Mas isso é outra história…

 

Fontes

Artur Portela – Os grandes duelos em Portugal; Livraria Popular de Francisco Franco, Lisboa, s/d

 

Mário Matos e Lemos - O duelo em Portugal depois da implantação da República - Revista de História das Ideias vol. 15; Imprensa da Universidade de Coimbra, 1993, em http://hdl.handle.net/10316.2/42007

Arquivo Fotográfico Municipal de Lisboa

http://arquivomunicipal2.cm-lisboa.pt/sala/online

Joshua Benoliel

PT/AMLSB/EFC/000679

PT/AMLSB/CMLSBAH/PCSP/004/JBN/002652

PT/AMLSB/EFC/000685

PT/AMLSB/CMLSBAH/PCSP/004/JBN/002624

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PT/AMLSB/EFC/000792

(2) Pela imprensa: a borracha, tão preciosa como o ouro velho

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 A borracha, essa maravilha já produzida pela indústria química moderna e que nos habituámos a ver em todo o lado, assume neste texto uma importância vital no esforço de guerra. O anúncio - publicado na revista Mundo Gráfico, num número monopolizado por notícias relacionadas com a II Grande Guerra, em 1944, - equipara o valor da borracha ao que os metais tiveram no esforço bélico em contendas mais recuadas.

Tão “essencial para as forças aéreas e os exércitos mecanizados como a gasolina”, tão valiosa que deveria ser guardada com o mesmo cuidado, como se de “ouro velho” se tratasse.  Até porque, explica-se, 90 por cento da borracha natural do mundo era então proveniente de territórios ocupados pelas forças japonesas e estava, por isso, inacessível aos Aliados.

O anuncio é da ICI - Imperial Chemical Industries, um gigante da indústria química britânica, fundado em 1926 e com sede em Londres, que produzia uma enorme panóplia de materiais: de tintas a aromas e medicamentos; de polímeros, fibras e tecidos, a explosivos, inseticidas e fertilizantes.

Durante a II Grande Guerra, a empresa chegou mesmo a estar envolvida no programa de desenvolvimento de armas nucleares do Reino Unido.

Ironicamente, com o passar dos anos, foi sendo desmembrada e, após 2007, acabaria adquirida por um grupo holandês e outro…alemão.

 

 

Fontes

Hemeroteca Digital de Lisboa

http://hemerotecadigital.cm-lisboa.pt/

Mundo Gráfico

5º ano; nº 100 – 30 novembro 1944

https://en.wikipedia.org/wiki/Imperial_Chemical_Industries

(9) Instantâneos: o homem da barquilhera

 

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Dois cenários, a mesma expetativa infantil, personalizada por miúdos ou graúdos.

Os vendedores de barquilhos*, que percorriam muitas praias do País e também existiam em algumas cidades, tinham um atrativo especial. Para além da antecipação de sentir a bolacha fina e doce a desfazer-se na boca, a venda envolvia um jogo que era um verdadeiro ritual de encanto.

Os compradores, sobretudo as crianças, vibravam enquanto rodavam uma espécie de roleta que o dispensador metálico de barquilhos tinha no topo. Consoante o número alcançado, assim recebiam igual quantidade de bolachas “tipo americano”, em pequenos rolinhos que faziam a delícia da criançada.

Mal se ouvia o pregão do homem - ou mulher - da “barquilhera”, os putos corriam em bandos para tirar a sua sorte e deleitar-se com a guloseima.

Diz quem viveu tal experiência que, os que hoje se vendem, em grandes sacadas, são muito mais grossos e sensaborões, sem ter metade da graça que o jogo lhes dava.

 

 

*Barquilhos, como se pode depreender pelo texto, são pequenas bolachas enroladas, semelhantes aos cones que se usam nos gelados.

 

Fontes:

Arquivo Fotográfico Municipal de Lisboa

http://arquivomunicipal.cm-lisboa.pt/pt/

PT/AMLSB/CMLSBAH/PCSP/004/FEC/000032

PT/AMLSB/CMLSBAH/PCSP/004/PEL/005/S03748

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Título:

Vendedor ambulante de barquilhos

Dimensão e suporte:

Dimensão: 9 x 12 cm

Suporte: Negativo de gelatina e prata em vidro

Autor(es):

Cunha, Ferreira da. 1901-1970, fotógrafo

Condições de reprodução:

Direitos reservados para efeito de publicação, exposição e utilização comercial.

Cota(s):

FEC000032

 

A70457

 

N68073

 

PT/AMLSB/FEC/000032

Notas:

Inscrição no original: 68072.
A venda de barquilhos feita habitualmente nas praias, era antecedida dum jogo e conforme o número saído assim se ganhava um determinado número de barquilhos ou bolacha americana.

Assunto:

Venda ambulante de bolos / Tipos populares / Lisboa (cidade, Lisboa, Portugal)

Código de referência:

PT/AMLSB/CMLSBAH/PCSP/004/FEC/000032

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O Ville de Victória afundou-se de madrugada nas águas do Tejo

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Houve já muitos naufrágios em frente a Lisboa, mas o que impressionou na desgraça do paquete francês foi a velocidade com que tudo aconteceu e a quantidade de vidas perdidas.

 

Dez minutos. Foi o que bastou para o Ville de Victória desaparecer nas águas do Tejo, à vista incrédula de todos os que presenciaram a tragédia, naquela fria madrugada de 24 de dezembro de 1886. Momentos antes, tudo corria de feição. Com a natural azáfama e burburinho de dezenas de homens a circular no convés, o navio francês procedia ao abastecimento e carregava a mercadoria com que deveria zarpar na manhã seguinte para o Rio de Janeiro. Pouco passava das 4h30 da madrugada quando o couraçado inglês Sultan trespassou o casco do paquete com o seu colossal esporão, ditando a sua perda irreversível.

 

Foi verdadeiramente o salve-se quem puder. E muito poucos puderam, porque foi tudo extraordinariamente rápido. Os 20 passageiros dormiam nos seus beliches, parte da tripulação, de 44 elementos, descansava também. Quando o capitão tocou a rebate o sino de bordo, para que todos se reunissem no tombadilho, muitos não chegaram a tempo.

 

Houve gente a atirar-se às águas, na escuridão da noite. Uns ali pereceram, outros tiveram mais sorte e foram resgatados pelas muitas embarcações que se encontravam nas proximidades – desde logo, as seis fragatas que tinham estado atracadas ao Ville de Victória para ali depositar carga – e outras da frota britânica que tinha dado origem ao desastre. Foram 32 as pessoas que não conseguiram salvar-se.

 

A pouca distância, toda a bela Lisboa dormia descansada e serena sem saber da desgraça que ocorrida a meio do rio. Quando finalmente os socorros oficiais acudiram, já nada podiam fazer. No lugar onde antes se apresentava o paquete, em frente a Alcântara, apenas se via a ponta de um dos mastros, testemunha silenciosa dos tristes acontecimentos nas águas então já calmas.

 

Houve muitos naufrágios no Tejo, mas o que impressionou neste foi a grande e veloz perda de vidas humanas.

 

Durante dias, nas praias de Paço de Arcos, Dafundo e até em Porto Brandão, a sul, deram à costa destroços do navio, sobretudo pipas de vinho, bagagem – logo pilhada – e cadáveres. Durante dias, ainda, centenas de pessoas vagueavam pelas margens para ver alguma coisa e tentar perceber o que tinha acontecido.

 

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 O enterro dos que pereceram saiu da ermida das Dores, em Belém, e suscitou idêntica curiosidade popular e comoção, embora apenas dois dos mortos fossem portugueses.

 

Marcaram presença o pessoal diplomático francês sediado em Lisboa; militares da esquadra inglesa e algumas autoridades portuguesas. Houve várias cerimónias religiosas e, tanto a comunidade francesa, como muitos portugueses, mobilizaram-se para ajudar as vítimas e as suas famílias.

 

O salão do Teatro da Trindade (na imagem) recebeu um concerto com praticamente todos os artistas do "S. Carlos", onde pontificou a “fina flor da sociedade lisbonense” e ao qual até a família real assistiu, com o objetivo de angariar fundos para apoiar os náufragos e as famílias dos mortos no Ville Victoria.

 

Mas, afinal, o que provocou tamanha fatalidade?

 

Segundo a imprensa da época, no Tejo estavam fundeados vários navios da frota de guerra britânica. Três destes garraram, o que quer dizer que, por estarem mal ancorados, devido à forte corrente, ou por qualquer fenómeno natural – a revista Occidente chama-lhe "estoque de água" - arrastaram os respetivos ferros e seguiram à deriva, rio abaixo, chocando entre si e com outras embarcações nas proximidades. Na verdade, as perdas poderiam ter sido muito superiores, pois houve outros abalroamentos, mas só o Ville de Victoria naufragou, ferido de morte pelo couraçado Sultan.

 

À margem

Trafaria Arte Pintura The wreck of HMS Bombay CastHá listagens com centenas de navios afundados na costa portuguesa e também um grande número no rio Tejo, em especial à entrada da barra, mas igualmente a montante. Um dos casos mais conhecidos é o da nau Nossa Senhora dos Mártires, afundada em 1606 no seu regresso da Índia, carregada de pimenta preta e outros bens, alguns dos quais mostrados na Expo’ 98. Os registos começam há centenas de anos e terminam já no século XX. Fidel Amant (1689); Santo António de Pádua, Santo António e Almas, Serea, Santa Catarina (todos em 1724); Le Contenu (1727); Le Neptune (1745); Bombay Castle (1796) – na imagem -; Jane (1829); Howard Primrose (1856); Roberto Ivens (1917); Portugal (1941) são apenas alguns exemplos de navios que submergiram junto a Lisboa. A estes, soma-se o emblemático navio de salvamento Patrão Lopes, que em 1936 se perdeu ao ser perfurado pelos mastros do batelão Franz, que tentava salvar. E o icónico Tollan, com o qual pereceram quatro pessoas, quando se virou após chocar com o navio sueco Barranduna. Esteve encalhado junto à margem entre 1980 e 1983.

Mas isso são outras histórias…

 .......

Saiba mais sobre o naufrágio do Ville de Victória, aqui.

 

Fontes

Hemeroteca Digital de Lisboa

http://hemerotecadigital.cm-lisboa.pt/

Occidente – Revista ilustrada de Portugal e do Estrangeiro

10º ano volume X; nº 289 – 1 janeiro 1887

10º ano volume X; nº 291 – 21 janeiro 1887

 

Biblioteca Nacional Digital

http://purl.pt

Diário Illustrado

15º ano, nº 4:911 - 25 dezembro 1886

15º ano, nº 4:914 - 28 dezembro 1886

15º ano, nº 4:915 - 29 dezembro 1886

https://almada-virtual-museum.blogspot.pt/2016/07/pequeno-canal-ou-golada-do-tejo.html

http://arqueologia.patrimoniocultural.pt

https://nationalgeographic.sapo.pt/historia/grandes-reportagens/1090-descoberta-patrao-lopes-dez15?showall=1

http://www.cmjornal.pt/mais-cm/memoria-cm/detalhe/tollan-o-navio-que-ninguem-conseguia-retirar-do-tejo

https://pt.wikipedia.org/wiki/Tollan

 

 

(8) Instantâneos: quando o Sado galgava as margens

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 Em ano de seca extrema, custa imaginar que, noutros invernos, o Sado corresse com tamanha força que inundasse toda a lezíria, aumentando tanto de nível na preia-mar, que nem mesmo as ruas da então vila de Alcácer do Sal estavam a salvo das suas águas. As imagens são de diferentes dias e até anos, pela década de 40 do Século XX e mostram uma realidade de que alguns ainda se recordarão.

Do Cabo da Vila (a montante), ao Cabo de São Pedro (a jusante), as ruas da zona baixa desta localidade alentejana apresentavam um espetáculo ímpar, onde a água imperava, para gaudio da criançada, que aqui se vê a chapinhar numa área muito próxima da praça Pedro Nunes.

 

Os mais velhos, por brincadeira ou necessidade, fazem passar um saveiro em plena rua “Direita”, na época, a mais movimentada e comercial artéria de Alcácer do Sal, sob o olhar curioso das senhoras, reféns dos pisos superiores das habitações.

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O cenário de cheia continua na avenida dos Aviadores, área mais recente, onde então se erguiam os primeiros edifícios, com destaque para o velhinho e já desocupado quartel dos Bombeiros Voluntários de Alcácer do Sal, ali erigido em 1939, ou as antigas vivendas e casas dos magistrados, hoje desaparecidas.

 

 

 

 

 

 

Fontes:

Arquivo Histórico Municipal de Alcácer do Sal

PT/AHMALCS/CMALCS/FOTOGRAFIAS/01/05/009

PT/AHMALCS/CMALCS/BFS/01/01/05/008

PT/AHMALCS/CMALCS/BFS/01/01/05/009