(11) Instantâneos: os algarves das galeotas reais
Um, dois; um, dois; rainhas e princesas belas, mais as aias delas;
Um, dois; um, dois; reis e embaixadores, fidalgos e outros senhores;
Um, dois; um, dois; gente fina e delicada, que do mar não percebe nada;
Um, dois; um, dois; remando pelo Tejo, quando os importantes querem um arejo.
Um, dois; um, dois. Dezenas de homens remam a uma só voz, a um só movimento de braços, treinados, persistentes. A bordo, só a corte e outros ilustres. As ricas indumentárias dos passageiros combinam com os faustosos ornamentos, os pormenores dourados, a requintada madeira minuciosamente talhada da embarcação. E a farda dos remadores não destoa: franjas, gregas, galões, capacetes reluzentes…mas não oculta os rostos escuros, curtidos pelo sol, as mãos calejadas e secas das muitas horas ao sabor das marés.
Eram assim os “algarves”. Homens possantes, especificamente recrutados naquela região do país para tripulação das galeotas e bergantins reais. Era uma profissão apreciada, que passava de pais para filhos, como passaria a habilidade e conhecimentos sobre a “arte” de remar.
O seu saber seria tão especial e valorizado que, mesmo quando a corte se transferiu para o Brasil, um ano depois, ali foram recebidos 23 destes remadores, especialmente transportados a “Terras de Vera Cruz” com o fim de equipar a galeota construída do outro lado do Atlântico para passear a família real na baía de Guanabara.
Pelo menos desde o século XVIII, os “algarves”, as suas famílias e as barcas que tripulavam estavam instalados na zona de Belém – a toponímia da zona ainda recorda essa ocupação –, já que o Tejo chegava praticamente até à rua da Junqueira, facilitando os seus movimentos.
Estavam presentes em meros passeios de lazer da família real e seus convidados, mas com o passar dos anos eram requisitados para receber altas individualidades, que chegavam de barco ao nosso país. A galéola real ia, toda resplandecente e engalanada, buscar os visitantes ao navio que os transportara e fazia-os chegar a terra em segurança e extremo conforto.
Com a queda da monarquia, este costume deixou de fazer sentido, mas voltaria a ser admirado, para gaudio dos saudosistas, em 1957, aquando a visita da rainha Isabel II ao nosso país.
As belas embarcações podem agora ser contempladas no Museu da Marinha, precisamente em Belém, muito perto do que antes fora a sua “casa”.
Fontes
Paulo Lowndes Marques; O Marquês de Soveral, seu tempo e seu modo – Texto Editora, 2009; em https://books.google.pt/books?id=NuqZ7T2vWKcC&pg=PA176&lpg=PA176&dq=bergantins+remadores+algarves&source=bl&ots=jebo-2QBtf&sig=Z_mXiB9dl-uFI7gOfaJrpo_JKRQ&hl=pt-PT&sa=X&ved=0ahUKEwi4oIjbqvTZAhUF1hQKHWgCBmo4ChDoAQgmMAA#v=onepage&q=bergantins%20remadores%20algarves&f=false
http://marinhadeguerraportuguesa.blogspot.pt/2013/11/arsenal-real-da-marinha-da-bahia.html
http://realbeiralitoral.blogspot.pt/2011/04/o-bergantim-real.html
http://bloguedelisboa.blogs.sapo.pt/os-algarves-da-junqueira-foram-os-11359
Imagens
Biblioteca Nacional Digital
http://purl.pt/22226/5/P15.html
Arquivo Fotográfico Municipal de Lisboa
http://arquivomunicipal.cm-lisboa.pt/pt/
Augusto Bobone
PT/AMLSB/CMLSBAH/PCSP/004/BOB/000003
PT/AMLSB/CMLSBAH/PCSP/004/BOB/000114
António Novais
PT/AMLSB/ANV/000287