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O sal da história

Crónicas da história. Aventuras, curiosidades, insólitos, ligações improváveis... Heróis, vilões, vítimas e cidadãos comuns, aqui transformados em protagonistas de outros tempos.

O sal da história

Crónicas da história. Aventuras, curiosidades, insólitos, ligações improváveis... Heróis, vilões, vítimas e cidadãos comuns, aqui transformados em protagonistas de outros tempos.

O homem que lutou em todas as guerras

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Defendeu Portugal em muitas batalhas. Viveu numerosas vitórias e derrotas ao longo de uma existência de mais de um século. Casou quatro vezes, mas morreu sozinho.

 

Viver 111 anos é, ainda hoje, algo raro. Resistir até tão provecta idade depois de ter casado quatro vezes e combatido em igual número de guerras, ainda por cima numa época recuada face aos grandes avanços da medicina é, a todos os títulos, algo de excecional. Essa é a história de João Ferreira de Vasconcelos, a quem não se conhecem atos heroicos especiais ou grandes feitos, para além do seu grande talento para, simplesmente, sobreviver.

Nascido em 1777, na remota freguesia de Préstimo, concelho de Águeda, em plena serra do Caramulo, certamente com poucas alternativas de vida para além da agricultura, João Ferreira de Vasconcelos inicia a carreira militar com apenas 16 anos, na Campanha do Roussilhão, de tão má memória para as relações entre Portugal, Espanha e França.

vimeiro_002.jpgTal como os outros que não pereceram nas longinquas paragens desta contenda, regressou ao nosso País em 1895, mas já como 2º Sargento.

Estava encontrada a “vocação” deste jovem, que via assim afastadas durante muito tempo as belas paisagens das calmas margens do rio Alfusqueiro, onde tinha crescido.

É que, em 1807, quando Junot entrou em Portugal, já o nosso João era 1º Sargento e, no ano seguinte, fez parte das tropas de portugueses e ingleses que, na batalha do Vimieiro e sob o comando de Arthur Wellesley, puseram fim à 1ª invasão francesa.

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Como não há duas sem três, quando, por sua vez, em 1810, também às ordens de Napoleão Bonaparte, Massena invadiu o nosso País, João Ferreira de Vasconcelos tinha ascendido a alferes e voltou a bater-se por Portugal, tanto no Buçaco, como nas Linhas de Torres. Aí sofreu o primeiro revés da sua vida militar, porque foi ferido por duas vezes, uma das quais com gravidade.

Desconhece-se quanto tempo demorou a recuperar dos ferimentos, porque pouco se sabe do que fez ou por onde andou nos dez anos seguintes.

cercodo porto4.pngMas, a 24 de agosto de 1820, João estava novamente de arma na mão. Era já tenente e fazia parte dos militares que, no Porto, liderados pelos coroneis Sepúlveda e Cabreira, tentaram tomar as rédeas dum país farto de esperar por um rei que teimava em não regressar do Brasil e cansado de ser mandado pelos aliados ingleses, cada vez mais poderosos e senhores desta terra que não lhes pertencia. Era preciso convocar cortes e recolocar a autoridade nas mãos de portugueses, avançando com uma constituição moderna e liberal.

Essas eram as intenções da revolução, mas, como se sabe, a história nunca é linear, ou fácil. Muitas vezes é até estranha e surpreendente.

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Assim, doze anos depois de se ter batido pelos novos ventos de mudança, João abraça a causa absolutista de D. Miguel.

Não se percebe quais terão sido as suas motivações para esta reviravolta de escolhas, mas sabemos que, já como capitão, o nosso homem esteve no Cerco do Porto e na batalha de Souto Redondo, esta ganha pelos absolutistas. Era ainda entre as hostes miguelistas que figurava aquando da convenção de Évora Monte, que definiu os termos da capitulação de D. Miguel e das suas forças, em 1834.

Parece que esta derrota, aliada talvez os 57 anos que já contava, ditou o fim da carreira militar de João Ferreira de Vasconcelos, que a partir daí se terá dedicado em exclusivo à agricultura.  Regressou à sua terra Natal e a sua vida continuou, tomando novas feições.

Teve diversos filhos, netos e bisnetos, casando pela última vez já com 75 anos. Só a filha nascida deste quarto e último enlace lhe sobreviveu, atenuando pouco a solidão e relativa pobreza em que viveu os seus últimos anos, sempre lúcido e autónomo, qual ermitão, entregue aos seus pensamentos, à escrita das suas memórias e ao trabalho na terra, na pequena aldeia de Ventoso, onde morreu, em março de 1888.

Teve uma vida longa e cheia, que até já inspirou a criação de uma personagem fictícia: João do Préstimo*, protagonista de muitas aventuras e desventuras.

Mas, será que a ficção supera a realidade?

 

À margem

1024px-Valmy_Battle_painting1.jpgA Campanha do Roussilhão, também conhecida como Guerra dos Pirenéus, ocorreu no âmbito da Guerra da Primeira Coligação, que opunha Espanha e Inglaterra (coligadas) contra a França, então liderada por forças hostis resultantes da Revolução Francesa. Não querendo abandonar o seu estatuto de neutralidade, nem pretendendo ficar de fora das grandes negociações europeias, Portugal forma um contingente de cerca de cinco mil homens - o Exército Auxiliar à Coroa Espanhola - que, em novembro de 1793, chegou à Catalunha para reforçar os militares espanhóis e ingleses que já ali se encontravam. Após mais de um ano de intensos combates, os nuestros hermanos assinam com a França o tratado de paz de Basileia, sem que a posição portuguesa fosse sequer tida em conta. De repente, os militares lusos ficam isolados, longe de casa, numa guerra que não era sua, mas com cujas consequências tinham que arcar. Só em dezembro de 1795, começaram a chegar ao nosso país os “bravos” do Rossilhão. A alegria de os reaver foi tanta que o futuro D. João VI, então príncipe regente, decidiu instituir as primeiras insígnias de distinção do exército português. Não eram medalhas, mas representações de armas – a granada e a peça, consoante fossem militares de infantaria ou artilharia – bordadas no braço direito da farda, para identificar os homens que haviam participado em tal contenda longe de portas.

Mas isso é outra história…

 

……………………..

 

Nota: os dados sobre a vida de João Ferreira de Vasconcelos são exclusivamente baseados no que publicou a imprensa aquando da sua morte, citando apontamentos do próprio. Foi possível confirmar o seu nascimento, mas não foi possível descobrir o registo da sua morte.

*João do Préstimo é uma personagem criada pelo escritor e ex-diretor da Polícia Judiciária José Marques Vidal, pai dos conhecidos magistrados João e Joana Marques Vidal.

 

 

 

 

 

Fontes

Arquivo Histórico Municipal de Alcácer do Sal

Jornal O Alcacerense

PT/AHMALCS/CMALCS/JJR/01/01/01/005

Nº9 – 25 mar. 1888

Biblioteca Nacional Digital

www.purl.pt

Diário Illustrado

17º ano, Nº5:359 – 11 mar. 1888

 

http://www.arqnet.pt/exercito/rossilhao.html

http://cliomarte.blogspot.pt/2013/02/breve-historia-da-medalha-de-campanhas.html

 

Por The National Gallery, Domínio público, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=24486949

 

https://correiodominho.pt/noticias/literatura-jose-marques-vidal-prepara-terceiro-romance-que-tera-como-cenario-as-guerras-liberais/49901

 

https://www.infopedia.pt/$revolucao-de-1820

 

http://www.portugalweb.net/historia/viriatus/Vimeiro_02.asp.htm

O museu que podia ter sido hospital e demorou mais de um século a concretizar-se

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O edifício já se encontrava em ruínas no final do século XIX, mas só em 1993 se iniciaram obras para a sua recuperação. A abertura ao público foi há dez anos.

 

Cento e sete anos, foi o que demorou a concretizar-se o museu que, já em 1901, a Câmara Municipal de Alcácer do Sal pretendia ver instalado no antigo edifício do Convento de Nossa Senhora de Aracoeli. Foi um percurso conturbado e que começou ainda antes da morte da derradeira freira ali residente, com o município, a Fazenda Nacional, outras entidades e particulares a disputar os pertences daquela comunidade religiosa.

Em 1864, uma década antes da morte de Maria da Conceição de São José, o Estado insistia junto do Arcebispo de Évora para extinguir o convento, dado nele apenas habitarem duas freiras e estar o espaço degradado. A última idosa só morreria em 2 de fevereiro de 1874 e, a partir daí, foi uma correria a ver quem chegava primeiro para alienar em praça pública os bens passíveis de poder render alguma verba para o erário público.

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Em 1899, a Câmara faz uma primeira tentativa conhecida para se apoderar do edifício. Pretendia uma cedência “in perpetuum”, para ali criar um hospital de pestilentos, em caso de uma possível “epidemia da peste bubónica”, alegava a carta enviada pela edilidade.

Desconhece-se qual a resposta a esta pretensão, mas sabe-se que, dois anos depois, os argumentos eram outros: o município pretendia ali mostrar achados arqueológicos encontrados no concelho e cuja quantidade e grandes dimensões não se coadunavam com o pequeno espaço onde, na época, funcionada o “museu” municipal, numa sala do edifício dos paços do concelho.

Desta vez, a ideia foi aceite. O Estado cedeu o convento ao município, mas em condições extremamente ingratas para este, que deveria custear todos os “melhoramentos” a efetuar, sendo responsável por evitar mais vandalismo e quaisquer alterações arquitetónicas. “Quando os bens concedidos forem servidos da aplicação aqui designada, reverterá tudo e com todas as benfeitorias para a Fazenda Nacional, sem que a concessionária haja direito a qualquer indemnização”, pode ler-se no despacho. Portanto, nada de transmissão para sempre, como inicialmente era pretendido pela edilidade de Alcácer do Sal.

Por falta de verbas, ou por não pretender investir num espaço que poderia ter de devolver no futuro, a Câmara acabaria por instalar o seu museu na igreja do Espírito Santo, que comprou em 1913, e não no antigo convento. Este, no entanto, voltaria a ser cedido ao município em 1936, para servir de arrecadação e abegoaria, enquanto não era adaptado a hospital.

Mais uma vez, as intenções voltaram a ser superadas pelos acontecimentos, porque Alcácer ganhou um novo hospital em 1957, mas noutro local.

Os anos sucederam-se sem que o espaço dentro de muralhas fosse recuperado. Ali chegaram a realizar-se encontros e almoçaradas. Serviu para acolher necessitados e assistiu a muitas brincadeiras e namoros, sempre entre ruínas.

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Foi assim que o mosteiro de Aracoeli e o que restava do castelo chegaram aos nossos dias pouco mais que um amontoado de escombros que muitos ainda se lembram de ver, lá no alto, como tristes testemunhas de um passado glorioso.

Só em 1993, quase um século depois da primeira troca de cartas, tiveram início as escavações arqueológicas na sequência da decisão, por parte da Secretaria de Estado do Comércio e Turismo, de adaptar o edifício a Pousada.

O alojamento abriu ao público em 1998, mas o museu subterrâneo que hoje conhecemos como Cripta Arqueológica só seria inaugurado em abril de 2008. É caso para dizer, custou, mas foi!

 

 

 

À margem

Capturar2.JPGEm 1874, quando o Convento de Aracoeli foi extinto, cerca de 300 anos após a sua fundação, os bens daquela comunidade de religiosas foram inventariados e avaliados. Os foros, herdades e outras propriedades foram sendo alienados, os objetos de culto deveriam ser entregues ao arcebispado de Évora e, logo em julho desse ano – apenas quatro meses após o encerramento - o ministro da justiça pedia que o órgão existente na igreja do convento fosse levado para capela do antigo mosteiro das Mónicas, já então transformado em casa de detenção. O edifício de Alcácer do Sal ficaria entregue a si próprio, com os piores resultados. Em 1901, o escrivão da Fazenda no concelho alertava já que o imóvel se encontrava “em parte desmoronado e quase em completa ruína”, começando a ser invadido por ladrões que roubavam o pouco que ainda havia, nomeadamente violando as sepulturas ali existentes, em busca de objetos de valor. Podemos apenas imaginar as afrontas a que assistiu no século seguinte.

Mas isso é outra história…

 

Fontes:

Arquivo Nacional da Torre do Tombo

http://digitarq.arquivos.pt

Inventário de extinção do Convento de Nossa Senhora de Aracoeli de Alcácer do Sal

PT/TT/MF-DGFP/E/002/00059

Arquivo Histórico Municipal de Alcácer do Sal

PT/AHMALCS/CMALCS/EXTERNO/03/01/005

https://books.google.pt/books?id=ibTBCwAAQBAJ&pg=PA179&lpg=PA179&dq=pousada+D.+Afonso+II+abertura&source=bl&ots=EDdsV_VSwP&sig=qpdghC4BXACmEQMNYA0Fjl0up5k&hl=pt-PT&sa=X&ved=0ahUKEwjryYKZrbfaAhXHQBQKHShuA2AQ6AEIdTAL#v=onepage&q=Alc%C3%A1cer&f=false

 

 

Imagens

Arquivo Histórico Municipal de Alcácer do Sal

PT/AHMALCS/CMALCS/FOTOGRAFIAS/01/0096

PT/AHMALCS/CMALCS/FOTOGRAFIAS/01/0033

 

www.cm-alcacerdosal.pt

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Quando o príncipe português casou

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O último enlace de um príncipe português em solo nacional deu que falar na comunicação social da época, até porque os jornalistas foram pela primeira vez convidados a participar. Os festejos oficiais prolongaram-se por nove dias durante os quais não faltaram glamour, luxo e contratempos.

 

Capturarcasamento 2.JPGHá 152 anos, Portugal assistia ao último casamento real antes da queda da monarquia. O decreto que definiu todo o protocolo das cerimónias do enlace entre D. Carlos e D. Amélia falava em quatro dias de grande gala, mas os festejos oficiais prolongaram-se por mais cinco em que, apesar dos avultados gastos, da grande pompa e circunstância, também não faltaram contratempos e insólitos que hoje em dia teriam feito o deleite das revistas e sites “cor-de-rosa”.

 

Capturarcasamento 3.JPGA festa tinha começado dias antes, com a receção à princesa e à sua família, mas o casamento propriamente dito ocorreu no dia 22 de maio de 1886, na Igreja Paroquial de Santa Justa e Rufina*, depois de um imponente desfile dos “ricos coches históricos”, em que os mais importantes do reino se fizeram transportar. A decoração do templo, que “importou em grandes somas” e estava “riquíssima”, não seria muito artística, embora tivesse ficado a cargo de um “arquiteto ilustre”. Parece que, à última hora, teve que ser modificada e o resultado acabaria por ser “um todo desarmónico, um amalgama defeituoso e incoerente, sem unidade, sem ideia, sem estilo”, criticava a conceituada revista O Occidente, que também não poupou a ornamentação das ruas.

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A moldura humana, essa sim, superava todas as expetativas, numa “incalculável” “imensidade de gente” pelas ruas entre a igreja e o paço de Belém, por onde passaria o desfile, que mal conseguia abrir caminho por entre os muitos milhares de mirones.

Numa época em que a luz artificial era ainda incipiente, esperava-se com excitação as elaboradas iluminações anunciadas para essa noite. Toda a cidade de Lisboa se acendeu, à exceção da avenida (da Liberdade) – que tinha sido concluída poucos anos antes ao estilo dos Champs-Élysées, em Paris – e sobre a qual recaía maior curiosidade, só satisfeita dias depois, quando finalmente brilharam os 48 arcos luminosos a gás aí instalados.Capturarcasamento 8.JPG

 

Destacaram-se o edifício dos Paços do concelho, muitas casas particulares decoradas com vistosos balões venezianos e o terreiro do Paço, este pela negativa, com 12 mil lumes, que eram “de muito mau gosto e produziam pouco efeito”. Belém resplandecia, parecendo “um conto de fadas”, efeito reforçado pela luz das muitas embarcações que, no Tejo, se juntaram ao júbilo geral e pelos “foguetes de lágrimas” que, de forma mágica, se multiplicavam no reflexo das águas calmas do rio.

 

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De entre os muitos espetáculos que se associaram ao real casamento, distinguiu-se a récita no teatro S. Carlos, moderna e extraordinariamente iluminado com luz elétrica. Estava pleno de glamour, começando na plateia “quase toda cheia de toiletes vistoras e elegantes”, passando pelos camarotes, com senhoras “decotadas e de manga curta” e homens “de casaca ou de farda”, culminando na família real, muito aplaudida. Do espetáculo em si, pouco se fala, até porque o palco estava cheio de público que, não conseguindo lugar, se tinha para ali esgueirado na ansia de um relance de tanto luxo e espavento.

 

No dia 24, o Paço da Ajuda acolhia uma receção “com mais de 200 talheres” e, no dia seguinte, houve parada militar, em que se estrearam novos uniformes que, segundo o exigente jornalista d’O Occidente**, faziam “mau efeito”, para o que muito contribuíam os penachos dos capacetes da cavalaria e da artilharia, que eram de “um mau gosto deplorável”.

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 A 26 e 28 houve corridas de cavalos, atividade importada que não reunia – e não reúne ainda – muito público entre os portugueses. De resto, no primeiro destes dias, o Paço da Ajuda recebeu um baile para o qual se fizeram 2.700 convites, entre os quais para os jornalistas, pela primeira vez convidados para a festa. A afluência foi tanta que às “2 horas da noite ainda entravam nas salas senhoras que desde as 11 horas esperavam na longa fila de carruagens”, que chegava quase até Alcântara.

O mesmo mar de gente se viu na corrida de touros organizada pelo Turf Club em honra dos noivos, “muito animada”, mas “insuportável pela enorme quantidade de gente que enchia as trincheiras”.

As festas terminaram com récita de gala no teatro D. Maria, mais foguetório e o fantástico efeito da iluminação nos montes da “outra banda”, feita à custa de barricas de alcatrão a arder, a que se somaram cinco grandes focos de luz elétrica que brilharam toda a noite a partir do couraçado Itália e da corveta Afonso de Albuquerque.

 

 

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À margem

Capturarcasamento 9.JPGA versão oficial dos acontecimentos diz que, embora o real enlace tivesse obedecido a todas as formalidades – e negociações – exigidas pela época e condição dos nubentes, a união não foi simplesmente um casamento de conveniência, mas sim “um romance de amor”, como titulou a Folha ilustrada. O herdeiro do trono, louro, quase angelical, não se tinha enamorado da sua noiva “pelos olhos do interesse do Estado”, antes “fez-lhe a corte como um rapaz de 20 anos pode galantear uma rapariga formosa”. “Amaram-se príncipes como se amam dois burgueses, ternamente, expansivamente, sem se importarem com a etiqueta para nada”, assegurava o jornal, ajudando assim a humanizar uma já estafada monarquia. Ao contrário das princesas de hoje em dia, cujas “vidas passadas” enchem páginas de Internet e jornais, D. Maria Amélia de Orleães, um pouco austera nos seus apenas 21 anos e filha de uma das mais nobres famílias da Europa, dizia a Folha Ilustrada, história não tinha, porque “não têm história as rosas que desabrocham e as auroras que despontam”. O mesmo se aplicava a D. Carlos, de 23 anos de idade, aparência garbosamente nórdica: “Não tem história, muito melhor, tem futuro” e “educação completa de príncipe e de homem”, asseverava o jornalista.

Mas isso é outra história...

……………………

* Igreja hoje mais conhecida como de São Domingos, junto ao Rossio (praça D. Pedro IV).

** Gervásio Lobato.

 

Fontes

Hemeroteca Municipal de Lisboa

http://hemerotecadigital.cm-lisboa.pt/

A Illustração Portugueza – Semanário – Revista litterária e artística

2º ano, nº44 – 17 mai. 1886

2º ano, nº45 – 24 mai. 1886

 

O Occidente

9º ano, volume IX, nº 267 – 21 ma.i 1886

9º ano, volume IX, nº 268 – 1 jun. 1886

9º ano, volume IX, nº 269 – 11 jun. 1886

9º ano, volume IX, nº 270 – 21 jun. 1886

 

 

Biblioteca Nacional de Portugal

www.purl.pt

A Folha Illustrada

Typographia do Correio da Manhã, 1886

 

Decreto real, 13 mai. 1886, Imprensa Nacional, 1886

 

Programa de todos os pomposos festejos que se realizarão em Lisboa para solemnizar o casamento de S.A.R. o Príncipe Carlos Duque de Bragança, com a princesa Maria Amélia d’Orleans, Typographia Elzeviriana, Lisboa 1886.

 

Água de Alcácer tinha fama de provocar e de curar maleitas

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Quem vinha de fora chegava a trazer água, para não beber da que havia na terra. Pensava-se que causava febres, mas o médico de D. João V apontava-a como preventiva de doenças.

 

Hoje em dia pode afirmar-se que os aquíferos no subsolo do concelho de Alcácer do Sal são de grande qualidade e é de total confiança o precioso líquido que corre nas torneiras, mas antes da existência da rede pública, só consolidada na segunda metade do século XX, não era possível ter essas certezas. Na realidade, embora tenha sido citada pelo médico do rei D. João V como curativa de um grande número de maleitas, a água consumida em Alcácer tinha, no século seguinte, má reputação até em Lisboa. Havia quem a visse como origem das febres que afetavam a população local.

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Em 1726, Francisco da Fonseca Henriques, que tratava da saúde do monarca “magnânimo”, publicou um compêndio das fontes existentes em território nacional. Em Alcácer, destaca as nascentes dos Negros, Morgada, Rainha, Camaroeiros, Rio de Clérigos e Pote Viceyro. A dos Camaroeiros é apontada como de grande qualidade, “fria como de neve”, no verão; tépida, no inverno, para além de “desopilativa, diurética, boa para queixas nefríticas [rins] e para preservar de obstruções de pedra e hidropisia”. *

O médico de D. João V, atribuía algumas destas qualidades às outras fontes desta terra, onde, de resto, garantia, era raríssimo ver-se “achaques de pedra”, prevenidos pelas fantásticas águas.

Já final do século XIX, embora a sabedoria popular dissesse serem “milagrosas” as águas de Corte Pereiro (Santa Susana) - que ajudavam a curar doenças “estomacais e herpéticas”, especificava o jornal O Século, em 1897 – também se queixava da má imagem que a água consumida em Alcácer tinha fora de portas. Os forasteiros até evitavam bebê-la, preferindo vir carregados com bilhas onde traziam o seu próprio líquido.

Na época, a esmagadora maioria da população local matava a sede na Fonte do Passeio, porque a água da Fonte Nova era tida como salobra e, por isso, usada para fins menos nobres.

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Aparentemente, a má fama seria injustificada, pois as águas que provinham das nascentes dos Negros e Camaroeiros (ambas na margem sul do Sado), ainda eram definidas como calcárias e “bastante potáveis”, por isso pagas a um preço superior aos aguadeiros que detinham o exclusivo do negócio e cuja atividade é referida ainda em 1927, no Guia de Portugal, de Santana Dionísio.

De saveiro, deslocavam-se às fontes e depois vendiam ao preço que queriam, pois nos meses quentes  havia poucas alternativas.

O problema é que os aguadeiros por vezes não eram sérios e nem toda a agente podia pagar. Acresce que, no verão, até a água que corria na fonte do Passeio tinha má qualidade.

Confirma-se, pois, o ditado que diz que “onde há fumo, há fogo…

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Não admira que a questão da água, mais propriamente da falta dela ou da qualidade da existente fosse tema recorrente nas páginas da imprensa local. Entre 1888 e 1889, aliás, “O Alcacerense” criticava amiúde o pouco investimento nesta área e o que isso representava para quem morava em Alcácer do Sal.

“Não há concorrência, estimulo, e como resultante, o serviço é péssimo, mais caro e talvez prejudicial para a saúde pública se o vendedor não possuir boa consciência. O que equivale a dizer que poderá fornecer água da vala por água da fonte”, alertava o jornal.

Noutra edição questionava: “Será de esperar boa saúde e longa vida a quem habita numa localidade como esta?...Convirá à saúde pública o pão fabricado com água de poços situados junto às lodosas margens do rio e seguramente recebendo as infiltrações da água d’ele?”… já para não falar da água do chafariz do largo do Poço, tão má que, afirma o jornalista, quando usada para rega chegava a infertilizar zonas antes produtivas.

 

 

À margem

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Já nos anos 40 do século XX, Joaquim dos Santos Crespo terá descoberto água de grande qualidade na sua Quinta do Pinhal. Aquele empresário, fundador do que terá sido o primeiro café de Alcácer do Sal, mandou-a analisar pelo reputadíssimo “professor engenheiro Charles Lepierre”, que atestou a pureza, classificando-a como própria para o consumo e “bastante leve”. Na quinta, abandonada há muito, permanece o poço de onde foi recolhida a dita água que, nos anos 60 do século XX, ainda era vendida a 5 tostões a bilha.

Mas isso é outra história…

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*Edema causado pela acumulação de líquido nas cavidades do organismo.

 

 

 

Fontes

Biblioteca Nacional de Portugal

www.purl.pt

 

Francisco da Fonseca Henriques, Aquilégio Medicinal, Oficina da Música, Lisboa Ocidental, 1726

Pedro Muralha, Monografias alentejanas, Imprensa Beleza, Lisboa, 1945

 

Santana Dionísio – Guia de Portugal II Estremadura, Alentejo, Algarve – texto integral que reproduz a 1ª edição publicada pela Biblioteca Nacional de Lisboa em 1927 – Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa

Arquivo Histórico Municipal de Alcácer do Sal

PT/AHMALCS/CMALCS/BFS/01/01/01/020

PT/AHMALCS/CMALCS/FOTOGRAFIAS/01/0099

PT/AHMALCS/CMALCS/FOTOGRAFIAS/02/01/0063

Jornal O Alcacerense

PT/AHMALCS/CMALCS/JJR/01/01/01/010

Nº 14 - 29 abr. 1888

PT/AHMALCS/CMALCS/JJR/01/01/01/018

Nº 23 - 1 jul. 1888

 PT/AHMALCS/CMALCS/JJR/01/01/01/020

Nº 25 - 15 jul. 1888

PT/AHMALCS/CMALCS/JJR/01/01/01/023

Nº 29 - 19 ago. 1888

PT/AHMALCS/CMALCS/JJR/01/01/01/034

Nº 43 - 09 dez. 1888

 

Jornal O Século

PT/AHMALCS/CMALCS/JJR/01/01/02/001

17º ano, nº 5:592 – 8 ago. 1897

PT/AHMALCS/CMALCS/JJR/01/01/02/002

17º ano, nº 5:606 – 22 ago. 1897

PT/AHMALCS/CMALCS/JJR/01/01/02/003

17º ano, nº 5:648 – 3 out. 1897

 

https://pt.wikipedia.org/wiki/Hidropisia

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Quando a avenida Luísa Todi se transformou em pista de corridas

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As festas da cidade de Setúbal tiveram, em 1930, um brilhantismo especial. As iniciativas desportivas contaram com mais de 1200 atletas de todo o distrito e a presença do Presidente da República, mas as provas motorizadas foram a novidade mais excitante.

 

0001_Mluisatodi.jpgO ruído dos motores em aquecimento espevitava a curiosidade e aumentava o já enorme entusiasmo do público “para cima de 30 mil pessoas”, que se acotovelaram com horas de antecedência para conseguir os melhores lugares ao longo da avenida Luísa Todi, inclusivamente muitas senhoras, que conquistaram os espaços sentados na primeira fila. Não era para menos, o “Quilómetro de Arranque”, prova nunca vista por aquelas paragens, reuniu na principal artéria de Setúbal pilotos de automóveis e motocicletas em disputa pelos títulos de mais rápido – mas também de maior elegância!!! – e foi a grande atração das festas da cidade, em 1930.

Às quatro horas da tarde do dia 4 de agosto foi dada a partida. Dos 20 inscritos em automóvel, só 18 compareceram. Em causa estavam os troféus nas categorias Corrida e Sport, com direito a medalhas, taças e prémios em dinheiro. O júri estava reunido em frente ao Hotel Esperança.

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Disputava-se também o Concurso de Elegância, ganho pelo Renault (coupê de vile) do Conde de Fontalva, que foi igualmente juiz da corrida. O segundo mais elegante foi o Citroen (coupê de ville) de Adriano Moraes, seguido do Kiesel (Roadster Sport), de Domingos Saraiva.

Já na corrida, o primeiro lugar foi ganho por Henrique Lehrfeld, em Bugati, que “conseguiu obter 124 km e alguns metros”, relata o Jornal de Sports, afirmando ter aquele piloto sido “muito ovacionado”, após a “luta renhida” que travou com outro bólide da mesma marca, pilotado por Adalberto Marques.

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Em Sport, as velocidades máximas atingiram uns alucinantes 88 quilómetros/hora, do Isotta Fraschinni, de Luís de Lima Faleiro; seguido do Grahan Paige, de Manuel Queiroz, e do Kissel, de Ricardo Novais.

As motas arrancaram às 17 horas. Eram nove os concorrentes e a vitória foi para a Matchless, de Mouton Osório, que recebeu uma enorme aclamação do público.

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O regulamento das provas, havia sido publicado nos jornais nos dias anteriores, já que a participação era “nacional e aberta”, desde que os veículos e os pilotos cumprissem com os requisitos explicados. A taxa de inscrição era de 100 escudos, incluindo bilhete de transporte do automóvel nos vapores da Parceria Lisbonense, para a travessia do Tejo ou do Sado, presume-se.

Resta dizer que as provas motorizadas tiveram a organização técnica do Automóvel Clube de Portugal e o patrocínio do Diário de Notícias, que ofereceu uma taça de prata para o vencedor geral.

 

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À margem

estadio.JPGEm 1930, as festas da cidade de Setúbal foram especiais. Assinalava-se a chegada da luz elétrica àquela cidade e as comemorações espelhavam esse brilhantismo que os sadinos lhes queriam dar. Durante vários dias, o desporto foi o principal mote, com mais de 1200 atletas de clubes de todo o distrito**, que competiram em várias modalidades e desfilaram perante o chefe de Estado, Óscar Carmona, numa imponente parada "nunca vista em Portugal". Uma verdadeira “multidão de cores”, que encheu a avenida Luísa Todi, conta o Jornal de Sports. As iniciativas foram organizadas pela Comissão Central de Exposição e Festas de Inauguração da Energia Elétrica em Setúbal. O responsável pela subcomissão desportiva era Mário Ledo, que nas décadas seguintes seria figura-chave da iniciativa de construir aquele que viria a ser o estádio do Bonfim, casa do Vitória Futebol Clube.

Mas isso é outra história…

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*Um coupé de ville é/era um automóvel citadino em que a totalidade do habitáculo ou apenas o lugar do condutor é descapontável.

** O Distrito de Setúbal havia sido criado apenas quatro anos antes (1926), o que terá contribuído para o acrescido empenho nestas demonstrações de afirmação da coesão distrital.

 

 

Fontes

Biblioteca Municipal de Setúbal

Jornal de Sports

Ano I Nº 29 - 20 jul. 1930

Ano I Nº 30 - 3 ago. 1930

Ano I Nº 31 - 18 ago. 1930

 

https://vfc.pt/clube/historia/

https://en.wikipedia.org/wiki/Coupe_de_Ville

 

Imagens

Arquivo Fotográfico Municipal de Lisboa

http://arquivomunicipal2.cm-lisboa.pt/sala/online

PT/AMLSB/ANI/000062

PT/AMLSB/ANI/000064

PT/AMLSB/ANI/000066

PT/AMLSB/ANI/000067

PT/AMLSB/ANI/000070

 

Portugal também viu nascer um príncipe Luís

 

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Há 131 anos, o nascimento do herdeiro da coroa dava um novo folego à monarquia portuguesa, mas merecia menos atenção da imprensa do que, na atualidade, recebe o mais recente elemento da família real inglesa. Curiosamente, foram batizados com o mesmo nome – Luís – e a rainha Vitória, avó em quinto grau do principezinho britânico, foi das primeiras pessoas a felicitar a casa real portuguesa pelo novo membro, que nunca chegaria a ser rei.

 

A 21 de março de 1887 nasceu em Lisboa aquele que estava destinado ser o herdeiro do trono, filho de D. Carlos, então ainda príncipe, e de D. Amélia de Orleães. Ao contrário do que se poderia pensar e do que ocorre hoje quando nasce alguém de tal posição nas monarquias mais badaladas da Europa, o nascimento de D. Luís Filipe não mereceu mais que uma pequena nota na segunda página do Diário Ilustrado, embora o mesmo jornal tivesse voltado ao tema nos dias seguintes. Diferentes eram então também os rituais e os papéis a desempenhar por homens e mulheres, especialmente nas famílias reais, plenas de preceitos e regras.

A primeira notícia transcreve a comunicação oficial, que no dia anterior tinha sido publicada em Diário do Governo, dando conta do nascimento do Príncipe da Beira, filho do sereníssimo casal. Ao Palácio de Belém, escolhido para morada dos príncipes, acorreram as mais altas figuras do Estado, para manifestar o seu “sincero júbilo” pelo nascimento do primogénito.

Descreve-se o desfiar das formalidades, nomeadamente a ordem pela qual os “eleitos” tiveram o privilégio de conhecer o bebé. Primeiro o dr. Ravara, que terá igualmente averiguado a perfeita saúde da criança. Seguiram-se os avôs, o rei D. Luís e o Conde de Paris, bem como o Presidente do Conselho de Ministros – cargo então ocupado por José Luciano de Castro.

O recém-nascido foi depois apresentado à multiplicidade de duques, condes, marqueses, conselheiros e almirantes que se encontravam no local, ao que se seguiu o batismo - ministrado pelo Cardeal Patriarca - e o real anúncio do facto, assinado pela camareira-mor e pelo médico.

principe luís filipe.JPGCuriosamente, em todo este vasto elenco de figurantes e figuras-chave, nem uma só palavra para o pai da criança. Esquecimento, lapso ou simplesmente sinal da sua aparente pouca relevância nesta circunstância? Certo é que a atenção sobre a mãe também só se limitou ao primeiro momento, finda que estava a sua real função de gerar descendentes.

O imperador Guilherme I, da Alemanha, e a rainha Vitória foram os primeiros soberanos europeus a felicitar a família real portuguesa e, nos dias seguintes, até ao batismo solene de 14 de abril, multiplicaram-se cerimónias religiosas e profanas – de missa, a receção no Palácio da Ajuda e récita no Teatro São Carlos – para assinalar o acontecimento, entendido como um “balão de oxigénio” para uma monarquia perante a qual já se erguiam diversas vozes.

Iluminaram-se locais públicos e privados; houve música pelas ruas; lançamento de foguetes, repiques de sinos e salvas de tiros; sucederam-se as congratulações de todo o País, distribuíram-se presentes, comendas e outras mercês. Até o rancho dos militares foi melhorado durante aquele período, registando-se gratificações e folgas extra. E o clero não foi esquecido, pois o cardeal recebeu um anel de ouro com uma enorme ametista.

Um verdadeiro bodo aos pobres … e aos ricos!

O batizado foi uma cerimónia muito concorrida por tudo o que era gente efetivamente importante e onde foram especialmente notadas as ricas indumentárias, começando pela toilette da rainha, de cetim grená, toda bordada e coberta de rendas. O Diário Illustrado, aliás, faz uma descrição digna de qualquer revista social do século XXI, comentando os “looks”, tanto de homens, como de mulheres, como hoje está em voga e, na época, ao que parece, também já estava. 

O dia culminou com uma receção de 140 talheres no Paço da Ajuda. Um autêntico luxo desde logo muito notado e elogiado pelos “cortesãos decididos” e criticado pelos “republicanos exaltados”, as duas únicas maneiras de ser neste exótico país onde não havia meio termo. entendia a revista Illustração Portuguesa.

Reparos destes sempre houve, mas naquele final de século eram cada vez mais acesos e exacerbados. Apenas 21 anos depois, esse radicalismo terminaria da pior maneira para o herdeiro do trono.

 

 

À margem

 

17955938_1epHF.jpgSe esmiuçar e criticar os ricos e poderosos são atividades tão antigas quanto a própria humanidade, inventar boatos a seu respeito também o será. O nascimento do príncipe Luís Filipe não foi diferente. Uma semana após o acontecimento, os jornais destacavam que D. Carlos, o irmão e os sogros já estavam em Vila Viçosa para se divertirem numa caçada. Nada de estranho na altura, como também não é estranho que sobre o mesmo acontecimento se contassem versões diferentes: os jornais Novidades e Correio da Noite divergiam sobre um facto tão importante quanto se tinha ou não chorado o príncipe durante o seu batizado. Já o “Povo de Aveiro” fazia eco de informações não confirmadas de que o bebé tinha ataques de asma. Dizia o mesmo jornal regional que constava ter a parteira Prevot (Mathilde Rosa Prevot) sido despedida por lhe serem atribuídas responsabilidades pela falta de leite da primeira ama do príncipe, estando o médico Ravara também em maus lençóis pelos mesmos motivos. A sabedoria popular diz que “onde há fumo há fogo”, ou seriam fake news, como hoje se diria?

 

Mas isso é outra história...

 

 

Fontes:

Biblioteca Nacional de Portugal

www.purl.pt

Diário Illustrado

16º ano, nº5:007 – 23 mar. 1887

16º ano, nº5:008 – 24 mar. 1887

16º ano, nº5:016 – 01 abr. 1887

16º ano, nº5:017 – 02 abr. 1887

16º ano, nº5:029 – 15 abr. 1887

 

Hemeroteca Digital de Lisboa

www.hemerotecadigital.cm-lisboa.pt/

Illustração Portugueza – Revista literária e artística

3º ano, nº40 – 18 abr. 1887

 

www.pinterest.pt

 

 

https://fotos.web.sapo.io/i/o3a146226/17955938_1epHF.jpeg

 

 

(3) Pela imprensa: a cura para os escrofulosos

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Escrofulismo? Doença com tal nome, não pode ser coisa boa. O termo remete para algo com um aspeto desagradável à vista: escrofulosa, portanto.

A doença, de facto, é penosa, mas descansem os afetados, porque a Emulsão de Scott os cura de tal enfermidade, para nunca mais sentirem “a mais pequena manifestação de tão cruel padecimento”.  Quem o garante é João dos Santos, que atesta o “milagre” com o caso da sua enteada, Amélia Soares, de 17 anos.

A adolescente sofria de escrofulismo e só a Emulsão Scott fez desaparecer tais sintomas.

O alerta, que surge num anúncio publicado na imprensa do início do século XX, tem como alvo os pais das crianças escrofulosas. Avisa-os para que não “desperdicem o seu dinheiro e arrisquem a saúde dos seus filhinhos com outros preparados inúteis”, uma vez que só a Emulsão de Scott resultará. E não se deixem enganar com falsificações, pois unicamente a embalagem com a imagem do “peixeiro” – que se reproduz no anúncio – é a verdadeira. Segue-se – em letra diminuta – referência ao montante a  pagar por tão rápida cura, bem como a identificação dos representantes da marca em Lisboa e no Porto.

O que o anuncio não explica – apenas alude com a imagem de um homem carregando um enorme peixe às costas – é que a Emulsão de Scott é, nada mais, nada menos, que um preparado de óleo de fígado de bacalhau, riquíssimo em vitaminas A e D.

A marca terá sido criada em 1830, num pequeno laboratório de John Smith, nos Estados Unidos da América. Inevitavelmente, foi adquirido por uma grande empresa que expandiu a produção e o seu escoamento, em três sabores, já que a emulsão era também sobejamente conhecida pelo seu pavoroso sabor.

A marca foi descontinuada, mas o produto continua a vender-se, sendo especialmente procurado nos países com pouco sol, devido às carências de vitamina D.

Quanto ao escrofulismo, é a condição de quem sofre de escrófulas, que constituem um processo infecioso nos gânglios linfáticos, em especial no pescoço, provocado pelo agente causador da tuberculose ou, comum nas crianças, por microbactérias atípicas.

 

 

 

Fontes

Biblioteca Nacional Digital

http://purl.pt

Jornal A Voz Pública

Ano XX, nº5:809 - 3  fev. 1909

 

https://es.wikipedia.org/wiki/Escr%C3%B3fula

http://www.saudedireta.com.br/catinc/drugs/bulas/emulsaoscott.pdf

https://pt.wikipedia.org/wiki/Emuls%C3%A3o_Scott

 

(15) Instantâneos: as costureirinhas de Lisboa

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Elegantes, arranjadas, educadas. Muito à semelhança das senhoras que servem e embelezam, de segunda a sábado, das oito da manhã, às oito da noite, apenas com uma hora de intervalo para o “lunch”. São assim as costureirinhas lisboetas no despontar da República, para cuja imagem serviram de inspiraçao.*

0002_M.jpgMais seguras de si, independentes, longe da antiga imagem da profissão, que as fazia pobres, modestas, assustadiças, receosas dos olhares alheios e sempre com a mãe atrás, como garante da virtude.

Diz a “Illustração Portugueza”, em agosto de 1912, que esses tempos já tinham passado. Esta nova geração de profissionais continua a viver em lares humildes, longe do luxo que ajuda a criar, no Chiado ou na Baixa, mas já pode aspirar a, um dia, estabelecer-se por conta própria ou ocupar-se num grande “atelier”: ser mais artista que operária.

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Esses privilégios, claro, não estão ao alcance de todas, e são já aos milhares**, contribuindo para que a Lisboa feminina se vista como as outras capitais europeias, seguindo as grandes modas do momento, acompanhando essa voracidade, essa necessidade repetida de renovar o guarda-roupa, de mandar fazer mais um chapéu ou um par de sapatos, de encomendar mais um vestido, de comprar mais um lenço…

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As costureirinhas sabem cativar, percebem como se prende a cliente ao seu engenho. E, se no dia-a-dia optam pela mais prática e robusta indumentária, sabem, ainda, usar as suas aptidões para, ao domingo, também elas se apresentarem como damas, pois que os seus dedos hábeis e muita astúcia transformam tecidos singelos em peças que fazem inveja às menos experientes e orgulhosamente ajudam a publicitar o seu talento.

 

 

 

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*Hilda Puga, que serviu de modelo ao primeiro busto da República Portuguesa, trabalhava, à época, como costureira.

**Entre 1890 e 1914 (início da I Grande Guerra), houve uma enorme expansão das profissões de modista e de costureira em Portugal, particularmente em Lisboa, motivada pelo maior acesso e divulgação da moda e um pouco à semelhança do que tinha acontecido em França, cujas profissionais deste ramo eram um exemplo a seguir. Foi neste período que surgiram as primeiras associações de classe.

 

 

Fontes

Hmeroteca Municipal de Lisboa

http://hemerotecadigital.cm-lisboa.pt/

Illustração Portugueza

Nº 338 – 12 ago. 1912

 

Arquivo Fotográfico Municipal de Lisboa

http://arquivomunicipal.cm-lisboa.pt/pt/

Joshua Benoliel

PT/AMLSB/CMLSBAH/PCSP/004/JBN/001110

 

PT/AMLSB/CMLSBAH/PCSP/004/JBN/001109

 

http://docplayer.com.br/39388216-Costureiras-de-lisboa-artesas-da-moda.html#show_full_text

História Costureiras de Lisboa: Artesãs da Moda - Carla Marina Machado Ferreira - ISCTE Instituto Universitário de Lisboa, Setembro, 2014.

 

http://expresso.sapo.pt/sociedade/2016-10-05-A-mulher-invulgar-que-deu-o-rosto-a-Republica#gs.oIdtg2k

 

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