O museu que podia ter sido hospital e demorou mais de um século a concretizar-se
O edifício já se encontrava em ruínas no final do século XIX, mas só em 1993 se iniciaram obras para a sua recuperação. A abertura ao público foi há dez anos.
Cento e sete anos, foi o que demorou a concretizar-se o museu que, já em 1901, a Câmara Municipal de Alcácer do Sal pretendia ver instalado no antigo edifício do Convento de Nossa Senhora de Aracoeli. Foi um percurso conturbado e que começou ainda antes da morte da derradeira freira ali residente, com o município, a Fazenda Nacional, outras entidades e particulares a disputar os pertences daquela comunidade religiosa.
Em 1864, uma década antes da morte de Maria da Conceição de São José, o Estado insistia junto do Arcebispo de Évora para extinguir o convento, dado nele apenas habitarem duas freiras e estar o espaço degradado. A última idosa só morreria em 2 de fevereiro de 1874 e, a partir daí, foi uma correria a ver quem chegava primeiro para alienar em praça pública os bens passíveis de poder render alguma verba para o erário público.
Em 1899, a Câmara faz uma primeira tentativa conhecida para se apoderar do edifício. Pretendia uma cedência “in perpetuum”, para ali criar um hospital de pestilentos, em caso de uma possível “epidemia da peste bubónica”, alegava a carta enviada pela edilidade.
Desconhece-se qual a resposta a esta pretensão, mas sabe-se que, dois anos depois, os argumentos eram outros: o município pretendia ali mostrar achados arqueológicos encontrados no concelho e cuja quantidade e grandes dimensões não se coadunavam com o pequeno espaço onde, na época, funcionada o “museu” municipal, numa sala do edifício dos paços do concelho.
Desta vez, a ideia foi aceite. O Estado cedeu o convento ao município, mas em condições extremamente ingratas para este, que deveria custear todos os “melhoramentos” a efetuar, sendo responsável por evitar mais vandalismo e quaisquer alterações arquitetónicas. “Quando os bens concedidos forem servidos da aplicação aqui designada, reverterá tudo e com todas as benfeitorias para a Fazenda Nacional, sem que a concessionária haja direito a qualquer indemnização”, pode ler-se no despacho. Portanto, nada de transmissão para sempre, como inicialmente era pretendido pela edilidade de Alcácer do Sal.
Por falta de verbas, ou por não pretender investir num espaço que poderia ter de devolver no futuro, a Câmara acabaria por instalar o seu museu na igreja do Espírito Santo, que comprou em 1913, e não no antigo convento. Este, no entanto, voltaria a ser cedido ao município em 1936, para servir de arrecadação e abegoaria, enquanto não era adaptado a hospital.
Mais uma vez, as intenções voltaram a ser superadas pelos acontecimentos, porque Alcácer ganhou um novo hospital em 1957, mas noutro local.
Os anos sucederam-se sem que o espaço dentro de muralhas fosse recuperado. Ali chegaram a realizar-se encontros e almoçaradas. Serviu para acolher necessitados e assistiu a muitas brincadeiras e namoros, sempre entre ruínas.
Foi assim que o mosteiro de Aracoeli e o que restava do castelo chegaram aos nossos dias pouco mais que um amontoado de escombros que muitos ainda se lembram de ver, lá no alto, como tristes testemunhas de um passado glorioso.
Só em 1993, quase um século depois da primeira troca de cartas, tiveram início as escavações arqueológicas na sequência da decisão, por parte da Secretaria de Estado do Comércio e Turismo, de adaptar o edifício a Pousada.
O alojamento abriu ao público em 1998, mas o museu subterrâneo que hoje conhecemos como Cripta Arqueológica só seria inaugurado em abril de 2008. É caso para dizer, custou, mas foi!
À margem
Em 1874, quando o Convento de Aracoeli foi extinto, cerca de 300 anos após a sua fundação, os bens daquela comunidade de religiosas foram inventariados e avaliados. Os foros, herdades e outras propriedades foram sendo alienados, os objetos de culto deveriam ser entregues ao arcebispado de Évora e, logo em julho desse ano – apenas quatro meses após o encerramento - o ministro da justiça pedia que o órgão existente na igreja do convento fosse levado para capela do antigo mosteiro das Mónicas, já então transformado em casa de detenção. O edifício de Alcácer do Sal ficaria entregue a si próprio, com os piores resultados. Em 1901, o escrivão da Fazenda no concelho alertava já que o imóvel se encontrava “em parte desmoronado e quase em completa ruína”, começando a ser invadido por ladrões que roubavam o pouco que ainda havia, nomeadamente violando as sepulturas ali existentes, em busca de objetos de valor. Podemos apenas imaginar as afrontas a que assistiu no século seguinte.
Mas isso é outra história…
Fontes:
Arquivo Nacional da Torre do Tombo
http://digitarq.arquivos.pt
Inventário de extinção do Convento de Nossa Senhora de Aracoeli de Alcácer do Sal
PT/TT/MF-DGFP/E/002/00059
Arquivo Histórico Municipal de Alcácer do Sal
PT/AHMALCS/CMALCS/EXTERNO/03/01/005
Imagens
Arquivo Histórico Municipal de Alcácer do Sal
PT/AHMALCS/CMALCS/FOTOGRAFIAS/01/0096
PT/AHMALCS/CMALCS/FOTOGRAFIAS/01/0033