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O sal da história

Crónicas da história. Aventuras, curiosidades, insólitos, ligações improváveis... Heróis, vilões, vítimas e cidadãos comuns, aqui transformados em protagonistas de outros tempos.

O sal da história

Crónicas da história. Aventuras, curiosidades, insólitos, ligações improváveis... Heróis, vilões, vítimas e cidadãos comuns, aqui transformados em protagonistas de outros tempos.

(17) Instantâneos: as amas-secas do século XX

 

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De preto, longo e austero, coberto por imaculado e engomado avental branco. Cabelo preso em aprumado e prático carrapito. Pacientes, disciplinadoras, muitas vezes o principal ombro para chorar, a mão que guia os primeiros passos.

0001_M ama crianca e senhora fina2.jpgSão assim as amas-secas do início do século XX. Iniciavam a educação dos filhos dos abastados burgueses, como as suas antecessoras tinham criado os rebentos dos aristocratas. Passam mais tempo com os pequenos que as suas famílias, entretidas com os seus afazeres, quiçá ofuscadas com este novo estatuto que não lhes deixa temperamento para tarefas menores…como aturar as criancinhas*.


As amas deste novo século já não se fecham em casa, como as do passado. Supervisionam as refeições, velam pelas sestas bem dormidas, toleram as birras dos mais mimados, corrigem os maus hábitos e, quando os dias são maiores e mais quentes, saem com a pequenada para a rua: eles encetam as primeiras tentativas em cima do triciclo ou ensaiam lutas de capa e espada; elas embalam as bonecas, copiando os gestos das suas próprias amas.

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Uns e outros voam nos baloiços que já marcam presença em alguns jardins.

E, quando há quedas, quando há luta, quando é precisa a intervenção de um adulto, são as amas que as vozes finas das crianças chamam primeiro, como são elas que as amparam, defendem e são elas também as acordadas durante a noite quando o medo não deixa os petizes descansar.

 

 

 

 

 

 

....................

*Ainda hoje existentes nas casas de uma certa elite, as amas foram perdendo terreno em relação às ofertas educativas formais para as crianças com idades entre os quatro e os sete anos, em especial a partir da I República (1910-1926).  Para as classes menos privilegiadas, confiar os filhos a estranhos foi sempre uma necessidade, para os progenitores poderem trabalhar. 

 

Fontes

Hemeroteca Digital de Lisboa

http://hemerotecadigital.cm-lisboa.pt/


Illustração Portugueza

Nº322 - 22 abr 1912

Nº326 - 20 mai. 1912

 

Arquivo Fotográfico Digital de Lisboa

http://arquivomunicipal2.cm-lisboa.pt/sala/online/ui/SearchBasic.aspx

Joshua Benoliel

PT/AMLSB/CMLSBAH/PCSP/004/JBN/000156

PT/AMLSB/CMLSBAH/PCSP/004/JBN/000158

PT/AMLSB/CMLSBAH/PCSP/004/JBN/000159

 

 

(5) Pela imprensa: homens, não se atrevam a oferecer estes utensílios às vossas mulheres!

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Estes são os presentes que melhor cativarão a sua esposa, garantia a Electrolux, exibindo uma soberba montra do que de mais moderno existia em termos de eletrodomésticos nos idos anos 40: frigoríficos, aspiradores, enceradores e filtros… enfim, o que melhor representa “o conforto e a higiene do lar”. O ideal para oferecer no Natal, “festa sagrada da família”, aconselhava o anúncio.

A mensagem não podia ser mais clara…ou datada.

Que longo caminho percorremos desde esses tempos!

Para começar, o anúncio é dirigido aos homens, porque estes é que leriam a Mundo Gráfico, revista de atualidades nacionais e internacionais onde esta publicidade é publicada. Ora, estes eram temas que apenas interessariam ao chefe da família, porque as mulheres tinham mais com que se entreter: tratar dos filhos e das suas imaculadas casas. Eram também os homens que, trabalhando fora, tinham poder económico para adquirir estes produtos e assim cair nas boas graças das suas perfeitas esposas.

Depois, custa pensar que, há apenas 75 anos, os eletrodomésticos tinham este ar quase “pré-histórico”. Ainda há muita gente que se lembrará de frigoríficos daquela dimensão e aspeto, de aspiradores que parecem salsichas e enceradoras que se assemelham detetores de metais. Muito, muito, longe do que se usa nos dias que correm, apesar de algum revivalismo atual em termo de formas - isto já para não falar nas funcionalidades que os novos “bichinhos” nos apresentam.

Mais longe ainda está o conceito do anúncio, que pressupõe uma mulher dedicada à lida da casa e a vibrar com este tipo de presentes para seu uso exclusivo, dados por um patriarca benevolente.

A Electrolux, essa, continua no mercado desde 1919, ano em que foi criada através da fusão de outras duas empresas suecas pré-existentes.

 

Fontes:

Hemeroteca Digital de Lisboa

http://hemerotecadigital.cm-lisboa.pt/

 Mundo Gráfico

Ano V, nº 100 – 30 nov. 1943

Um prédio de conspiradores

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Intrigas, complots, tramas, explosões, lutas e mortes. O arranque da 1ª República foi fértil em ocorrências e casos que pareciam estar todos ligados entre si… como a colossal explosão que destruiu um edifício na Costa do Castelo, em Lisboa.

 

 

7 de julho de 1912. Perto da hora do almoço, um enorme estrondo sacode a cidade, já de si assustadiça com o desenrolar dos acontecimentos nestes primeiros tempos da República. No mesmo dia em que, no Norte de Portugal, Paiva Couceiro empreende uma incursão para tentar recuperar o País para as forças realistas, na lisboeta Costa do Castelo, toda a cobertura e os andares superiores do 42 A converteram-se em escombros e estilhaços difíceis de identificar, como se tivessem sido “metralhados demoradamente”, relatava o jornal A Capital. Um cadáver mutilado jazia entre os destroços projetados para as ruas próximas. Rapidamente se percebe que, num tempo em que se descobrem conspirações monárquicas quase diariamente, um tão grande aparato tinha muito a esconder.

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Para começar, António da Silva Cunha - o morto - guardava em casa um autêntico arsenal de armas, mas também de pólvora e dinamite – que terá originado a explosão –, material de laboratório e produtos químicos, com os quais improvisaria bombas. Acrescente-se que o seu nome era bem conhecido das autoridades - não por ser farmacêutico e trabalhar para o cônsul de Cuba, o que servia de disfarce às suas outras atividades - mas porque tinha sido preso no ano anterior, acusado de fazer parte do chamado “complot do Algarve”.

Era, nas palavras da imprensa, um “ferrenho monárquico e conhecido conspirador” que, curiosamente, dois meses antes, tinha sido ilibado de todas as acusações, tal como o foram os seus “companheiros” de conjura, o tenente Cabedo, Alberto Soares e Thomaz Maria da Câmara, filho do escritor D. João da Câmara.

Acontece que, no sitio onde vivia, não estaria sozinho nas suas preferências políticas. No dia do rebentamento que ele próprio causou e o vitimou, foram presos mais três habitantes do edifício.

Se a detenção do velho Thadeu – pai do conhecido bandarilheiro com o mesmo nome – poderia ser considerada estapafúrdia, já a de Palmira Cunha, mulher do bombista, fazia todo o sentido. Mas, e o que dizer da prisão do vizinho do rés-do-chão?

Relata a imprensa que, no piso térreo, vivia José Abranches da Silva, 2º tenente da marinha que havia muito tempo se encontrava de cama, impossibilitado de se mexer devido a um problema de reumatismo. Conta a mesma fonte que, no dia do estoiro, se levantou, alegadamente sem saber como, fardou-se; com um empurrão e força de ombros arrombou a porta do quarto e percorreu os corredores e escadas em busca de esclarecimento sobre o que tinha ocorrido.

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Milagre!!! Clamaram os crentes….Alto lá! Gritou a guarda, que o prendeu. Como militar que era, foi detido a bordo da canhoeira Zambeze, em pleno Tejo: outro perigoso e ferrenho monárquico, apressaram-se a dizer os jornais.

Não era para menos, porque, justa ou injustamente, o nome deste 2º tenente maquinista surgiria repetidamente associado à contra-revolução monárquica pelo menos até 1918 e estaria preso várias vezes nesse período, apesar de, em cartas que chegaram aos nossos dias, reclamar o apoio aos republicanos ao denunciar diversas movimentações dos seus outrora companheiros, assim traídos.

Os dias seguintes seriam férteis em desenvolvimentos, alguns trágicos para a causa realista.

Desde logo, a vitória das forças republicanas, que empurraram Paiva Couceiro novamente para Espanha com muitas e importantes baixas pelo caminho. Na mesma altura, são descobertos mais dois complots, em Évora e Belas. Segundo a imprensa, os “paivantes”* detidos em Belas tinham como objetivo tomar Lisboa de assalto, atacando os fortes de Sacavém, Monsanto e Caxias.

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Trágica foi, logo a 9 de julho, a morte do também 2º tenente Alberto Soares, antigo companheiro de prisão do perito em bombas António da Silva Cunha, e “elemento reacionário perigoso”, nas palavras dos jornais. Por pouco não foi linchado por populares em pleno Rossio. Refugiou-se num hotel próximo, mas acabaria por morrer com um tiro disparado de entre a multidão, que ululava de excitação à vista do sangue derramado.

Nos dias de hoje, a sua morte é entendida como um assassinato por razões políticas. O primeiro dos muitos que povoaram a conturbada 1ª República em Portugal.

 

À margem

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Henrique Paiva Couceiro é visto como o último defensor da monarquia, no sentido em que conseguiu organizar tropas e tentou, por diversas vezes, repor o anterior modelo político no País, quer pelas armas, quer fazendo uso de negociações. Inabalável nos seus princípios, Paiva Couceiro tinha antes uma longa história pessoal de serviço prestado ao País, como militar e político, estando muito próximo da imagem de herói nacional.

Após o 5 de outubro de 1910, passou a ser apelidado de traidor e fez várias incursões militares com o intuito de derrubar os republicanos, chegando a decretar a “monarquia do Norte”, que durou apenas 25 dias, já em 1919. Consta que, nesses tempos, nas festas populares, era comum ouvir-se a ladainha:

“Portuguezes vesti lucto,
Um lucto bem denegrido;
Se Paiva Couceiro não vem,
Portugal está perdido”

 

E logo outra voz respondia:

“Paiva Couceiro,
Mais uma vez;
Mostra o que vale,
O sangue português**

 Mas isso é outra história...

…..

*Paivante aqui entendido como partidário de Paiva Couceiro.

 

Fontes

Hemeroteca Digital de Lisboa

http://hemerotecadigital.cm-lisboa.pt/

Jornal A Capital

Nº697, 3º ano – 7 jul. 1912

Nº698, 3º ano – 8 jul. 1912

Nº699, 3º ano – 9 jul. 1912

Nº700, 3º ano – 10 jul. 1912

Nº701, 3º ano – 11 jul. 1912

Nº702, 3º ano – 12 jul. 1912

Nº703, 3º ano – 13 jul. 1912

Nº704, 3º ano – 14 jul. 1912

Nº705, 3º ano – 15 jul. 1912

Nº706, 3º ano – 16 jul. 1912

Nº707, 3º ano – 17 jul. 1912

 

Illustração Portuguesa

Nº334 – 15 jul. 1912

 

O Occidente

35º ano, XXXV volume, nº 1207 – 10 jul. 1912

35º ano, XXXV volume, nº 1208 – 20 jul. 1912

 

Armando Ribeiro, A revolução portuguesa

https://archive.org/stream/revoluoportu04ribe/revoluoportu04ribe_djvu.txt

 

Miguel Dias Santos, A contra-revolução na I República 1910-1919, Imprensa da Universidade de Coimbra

https://books.google.pt/books?id=n3M6EdVIZXsC&pg=PT43&lpg=PT43&dq=%22alberto+soares%22+rep%C3%BAblica+monarquic&source=bl&ots=uj_GFDbLOF&sig=GwmEUUa5pIvYypdIwY_fn3L98wY&hl=pt-PT&sa=X&ved=0ahUKEwjMoer0gLLbAhVFwBQKHTppA8UQ6AEISDAH#v=onepage&q=%22alberto%20soares%22%20rep%C3%BAblica%20monarquic&f=false

 

 

http://casacomum.org/cc/arquivos?set=e_10988/o_Pasta/t_Correspondencia

 

Arquivo Fotográfico Municipal de Lisboa

Joshua Benoliel

PT/AMLSB/CMLSBAH/PCSP/004/JBN/001690

 

PT/AMLSB/CMLSBAH/PCSP/004/JBN/001691

 

 

*In - Couceiro o Capitão Phantasma, Joaquim Leitão, Edição do Autor, Porto 1914, p. 106, citado em https://pt.wikipedia.org/wiki/Henrique_Mitchell_de_Paiva_Couceiro

 

 

 

 

(4) Pela imprensa: seios invejáveis em apenas dois meses

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Mulheres deste mundo, esqueçam o silicone e outras intervenções de cirurgia estética! As Pilules Orientales são a solução para as que nasceram mal providas de busto e com formas menos arredondadas nessa área. Em apenas dois meses, está assegurado o desenvolvimento e a firmeza do peito, sem qualquer dano ou risco, o que é mais uma vantagem em relação a soluções quiçá mais modernas, mas não tão infalíveis como esta.

Desenvolvidos, reconstituídos, aformoseados, fortificados…enfim, seios com que sempre sonhou, mas que pensava apenas estarem ao alcance das estrelas de cinema.

E, não há que enganar: um peito com tais características, para além de ser “um dos maiores atrativos que tem a mulher”, é um “indício geral de uma saúde florescente”, privilegiada pela atenção masculina, pois “as preferências instintivas ou racionais dirigem-se sempre para aquelas a quem a natureza favoreceu com esse dom”.

Como se não bastassem estes benefícios todos, um extenso texto com testemunhos de fêmeas agradecidas e publicado noutra revista, diz que as Pilulas Orientales dão ao rosto uma frescura de tez inigualável e vêm acompanhadas por um “elegante livrinho”, onde se pode saber tudo sobre estes comprimidos.

Bem, tudo, tudo, não será, porque em nenhum local consegui saber mais pormenores sobre um tal J. Ratié, farmacêutico de Paris, que vendia as famosas pilulas pelo menos desde 1880, em diversos países e com enorme sucesso. Nada é perfeito.

 

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Fontes

Hemeroteca Digital de Lisboa

http://hemerotecadigital.cm-lisboa.pt/

Illustração Portugueza

Nº 122 – 22 jun. 1908

Nº337 – 05 ago. 1912

 

 

 

(16) Instantâneos: o veraneio dos remediados na outra banda

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Mudar de ares, “desencalmar-se nos subúrbios, enchendo os pulmões de ar tonificante, deliciar-se na contemplação sonhadora dos extensos horizontes e refazer as energias que o contacto com a natureza apura e exalta”. Era isto que o português remediado do início do século XX procurava ao domingo, único descanso semanal*.

aguardando passagem sodre.JPGNo verão, buscava-o ainda mais sofregamente, aos magotes, de comboio, para os lados de Cascais e Sintra ou, melhor ainda, pelo pitoresco e a aventura da travessia, desejava descomprimir na margem sul. Queria sair do calor da capital, que lhe lembrava a morosa semana nas fábricas, nas oficinas ou no comércio.

Os vapores “baratos” chegavam a transportar entre 12 e 18 mil pessoas em apenas um dia. Famílias inteiras, munidas de farnel, que passariam umas horas vagueando por Cacilhas, admirando Lisboa a partir das ameias do castelo de Almada, apreciando as sombras na zona do Alfeite, refrescando-se em banhos na Trafaria ou deleitando-se com os retiros da Cova da Piedade, onde - extrema informalidade! - se comia e bebia em mangas de camisa.

0001_M.jpgEra o possível “saneamento do corpo e do espírito” para os que não tinham tempo ou dinheiro para se deslocar em vilegiatura a “estâncias consagradas pelo bom tom”.

É que, para estes, o devaneio seria sempre breve.

No dia seguinte, apresentar-se-iam nos seus postos para mais uma semana de árduo labor, já a pensar no domingo seguinte.

 

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…………..

*O dia de descanso semanal obrigatório foi decretado apenas em 1911.

 

Fontes

Arquivo Fotográfico Municipal de Lisboa

http://arquivomunicipal2.cm-lisboa.pt/sala/online/ui/searchbasic.aspx?filter=AH;AI;AC;AF

Joshua Benoliel

PT/AMLSB/CMLSBAH/PCSP/004/JBN/000174

 

PT/AMLSB/CMLSBAH/PCSP/004/JBN/001794

 

Hemeroteca Digital de Lisboa

http://hemerotecadigital.cm-lisboa.pt/

Illustração Portuguesa

Nº334 – 15 jul. 1912

 

 

 

Meloas de Palma inspiraram poetas

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Talvez a especial doçura do fruto não tenha passado da imaginação de Joaquim Correia Baptista, um intelectual alcacerense do final do século XIX. Certo é que este garante terem as meloas de Palma inspirado versos de um reputado poeta setubalense.

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Palma, a meio caminho entre Águas de Moura e Alcácer do Sal, ali onde começa o Alentejo, é tradicionalmente conhecida pela sua extensa área de montado e campos de arroz; por ter sido uma das maiores propriedades privadas do país, sede de morgado e condado; por receber caçadas reais e possuir um belo palácio ou ainda pela criação de cavalos, que ali chegou a desenvolver-se. Poucos saberão, no entanto, que no final do século XIX, Palma terá igualmente ficado célebre pela produção de meloas. Tão doces, tão doces, que chegaram a inspirar uma quadra do conhecido vulto setubalense Manuel Maria Portela, esse mesmo que dá nome à movimentada avenida que habitualmente, e de forma simplificada, designamos “da Portela”.

“Eu não cria se não fosse

Cousa já por mim provada

Que de terra tão salgada

Viesse cousa tão doce”

Os versos são transcritos no jornal “O Século”, pela mão de [Joaquim] Correia Baptista. O respeitado alcacerense, fundador do Museu Municipal Pedro Nunes e da Sociedade Filarmónica Progresso Matos Galamba, terá oferecido aquele fruto ao poeta e jornalista da outra cidade do Sado. Nas mesmas páginas, afirma que inicialmente se produziam em Palma melões, mas que, com o passar do tempo, se diversificou para a cultura de meloas.

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Este fruto, originário de África e da Índia, só começou a ser semeado em 1700, com sementes trazidas da Arménia e na época ainda pouco conhecidas do grande público. Segundo Correia Baptista, rapidamente as meloas granjearam adeptos, tanto que se “exportavam” para Setúbal e Lisboa com grande sucesso.

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Desconheço se esta foi uma das muitas novidades que o grande lavrador José Maria dos Santos trouxe para Palma. É que esta propriedade era gerida pelo também detentor de Rio Frio desde 1868 e passaria de forma definitiva para sua posse exatamente no mesmo ano em que “O Século” publicava a história das meloas (1897). A transação resultou do facto de o conde de Óbidos e Sabugal não conseguir pagar os valores respeitantes à hipoteca que recaía sobre aquelas terras, nem os montantes contratados com aquele que seria seu futuro dono e que comprou a dívida do conde. Palma e Moncorvo custaram a José Maria dos Santos a quantia de 75 contos.

E, se a herdade de Palma já era colossal quando a adquiriu, trataria de expandir o território com a aquisição de fazendas confinantes, aumentando grandemente a área de lavoura e, tal como em outros territórios sob o seu domínio, experimentando técnicas, equipamentos e produtos (adubos, por exemplo), modernos e inovadores.

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Não seria, por isso, de espantar que a semeadura de meloas tivesse ali sido tentada por José Maria dos Santos, mas o curioso é que, em avaliação feita em 1878 aos bens ali produzidos, não é mencionado qualquer fruto, dando-se apenas destaque à produção de cereais, azeite e cortiça.

Talvez porque meloas não fossem a prioridade daquele que chegou a deter a maior vinha da Europa (Rio Frio); o maior olival do País (Machados) e a maior herdade de Portugal (Palma).

 

 

À margem

 

baptista e portela.jpgNão admira que Manuel Maria Portela e Joaquim Correia Baptista pudessem ter sido amigos, já que tinham muito em comum. Ambos exerceram, nas suas terras, diversos cargos, nomeadamente o de secretário das respetivas câmaras municipais. Ambos defenderam o património local, coligindo informação e objetos históricos, para que não se perdessem e pudessem ser apreciados pelas gerações vindouras. Ambos escreveram em jornais e estiveram também entre os fundadores de instituições de grande relevância. Manuel Maria Portela teria maior sucesso. Foi jornalista, escritor e poeta, com extensa obra publicada e musicada. Esteve na primeira linha no elogio público ao génio de Bocage e também ele tem sido reconhecido como grande vulto setubalense, homenageado no topónimo de uma importante avenida. Já o nome de Joaquim Correia Baptista, parece ter caído no esquecimento dos alcacerenses e poucos saberão o quanto lhe devem.

Mas isso é outra história...

 

Fontes

Arquivo Histórico Municipal de Alcácer do Sal

Jornal O Século

PT/AHMALCS/CMALCS/JJR/01/01/02/001

17º ano, nº 5:592 – 8 ago. 1897

PT/AHMALCS/CMALCS/JJR/01/01/02/002

17º ano, nº 5:606 – 22 ago. 1897

PT/AHMALCS/CMALCS/JJR/01/01/02/003

17º ano, nº 5:648 – 3 out. 1897

 

http://vcp.ul.pt/index.php?option=com_content&view=article&id=45&Itemid=122

Monografias alentejanas, de Pedro Muralha, Imprensa Beleza, Lisboa, 1945

Memórias da Herdade de Rio Frio, de Pedro Pereira Leite, 2009

José Maria dos Santos – O morgado da canita, de Conceição Andrade Martins, em https://www.academia.edu/1524452/José_Maria_dos_Santos_O_Morgado_da_Canita

https://pt.wikipedia.org/wiki/Meloa