Importantes de Alcácer foram pedir uma nova ponte ao rei
A travessia caiu cinco anos após a construção e só voltaria a ser erguida quase duas décadas depois. Foram anos difíceis, que muito prejudicaram a economia de Alcácer e do resto da região.
Alcácer do Sal é facilmente reconhecida pelas imagens das várias pontes que, na atualidade, ali unem as duas margens do Sado. Agora imagine aquela cidade alentejana sem estas ligações e pense no que isso implicava de incómodos e dificuldades. Foi assim durante muitos séculos, até que, em 1879, se ergueu uma travessia que se desmoronou passados cinco anos de uso. Face ao atraso na reconstrução, em 1888, alguns dos mais influentes alcacerenses uniram-se para reivindicar ao Rei e ao Governo essa obra tão necessária. Organizaram comícios e manifestações, escreveram cartas e até foram a Lisboa expor a situação.
“Senhor, os habitantes do concelho d’Alcácer têm sempre dado provas de muita cordura; pacientes e sossegados, nunca incomodaram os poderes públicos com solicitações mal cabidas; amantes das instituições, (…) têm sempre pago regularmente as suas contribuições”, podia ler-se na apresentação endereçada a D. Luís, onde se pedia, em nome das gentes desta terra, que “do muito que têm contribuído para os melhoramentos de todo o país”, fosse “extraída uma pequena parcela e aplicada na construção de uma ponte sobre o rio Sado, a qual”, asseguravam, “se mais de perto interessa a esta vila, interessa também a uma boa parte do Alentejo”.
A situação tinha, de facto, graves consequências para toda a região, como também se argumentava na missiva publicada na imprensa. Aí, lembrava-se que a passagem ligava três estradas reais e uma distrital, sendo fundamental para também os concelhos de Grândola e Santiago do Cacém escoarem os seus cereais, cortiça e gado. “Não havendo uma ponte, a travessia do rio tem de ser feita em barcos, do que provêm demoras que prejudicam, baldeações dispendiosas, que vão aumentar o (…) custo dos produtos” e provocam “deteriorações” dos mesmos, explicava-se.
A então vila de Alcácer do Sal, que já havia sofrido com o desvio de mercadorias verificado após a construção da linha de caminho-de-ferro do Alentejo, estava então “quase paralisada” pela falta da ligação entre as suas duas margens.
Em Lisboa, os “grandes” do concelho, entre lavradores e comerciantes, contavam com a influência de António de Campos Valdez, também ele alcacerense e na época deputado pelo círculo de Santiago do Cacém, que se movimentava em prol das questões que preocupavam a sua terra, com a ponte no topo das prioridades.
É também à intermediação de Valdez que é atribuída a audiência que o então ministro das Obras Públicas dispensou, em 8 de novembro de 1888, a João Alves de Sá Branco; Francisco da Silva Brito; José Vieira d’Abreu e José Godinho Jacob. No final, estes manifestaram-se esperançosos e satisfeitos com a receção de que foram alvo.
“Coitados, como são crédulos!” comentava um jornalista não identificado n’O Alcacerense, dias depois da reunião, vaticinando que a ponte só seria reconstruída quando alguém que tivesse voto na matéria quisesse, a não ser que, entretanto, houvesse eleições para as quais os votos de Alcácer fosse necessários. “De outro modo nada se faz e são inúteis os comícios e representações…”alvitrava a mesma opinião.
Quem quer que fosse, estava certo, porque a passagem só foi reerguida a partir de 1902, quase vinte anos após ter abatido parcialmente a partir do encontro Norte a original travessia, construída pela câmara local, segundo iniciativa do visconde de Alcácer do Sal, António Caetano de Figueiredo.
À margem
José Vieira d’Abreu - um dos “notáveis” de Alcácer do Sal que compunha a comissão recebida pelo ministro - era o farmacêutico da terra, posição de grande destaque e influência naqueles tempos. Três anos depois, casado com a alcacerense Maria Rosa Esteves d’ Abreu, e já em Setúbal, onde abrira nova farmácia, na rua Antão Girão, seria pai de Galiano Esteves Vieira d’ Abreu. Este foi um dos fundadores do Núcleo da Cruz Vermelha de Setúbal. Como médico, serviu na I Grande Guerra e, no regresso, foi chefe de uma enfermaria do Hospital da Santa Casa da Misericórdia local, concluindo depois a especialidade como médico radiologista, na Universidade da Sorbonne, em Paris. Voltaria a exercer em hospitais de Lisboa e Setúbal e em consultório próprio, nesta cidade, que o homenageou atribuindo o seu nome a uma rua. Resta dizer que casou com Maria Esperança Soeiro de Almeida, filha do reitor do Liceu Municipal de Setúbal, Manuel Neves Nunes de Almeida, por sua vez homenageado na toponímia de Setúbal e do Montijo.
Mas isso é outra história…
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Fontes
https://issuu.com/osetubalense/docs/edi____o_311_16-03-2016
Jornal O Setubalense
Nº 311, ano III, 4ª série – 16 mar. 2016
Texto de Diogo Ferreira
Mestre em História Contemporânea, Investigador no Instituto de História da Faculdade de Ciências Socais e Humanas da Universidade de Lisboa.
Arquivo Municipal de Alcácer do Sal
Jornal o Alcacerense
1º ano, nº 4, 19 fev. 1888
PT_AHMALCS_CMALCS_JJR_01_01_01_001
1º ano, nº 6, 04 mar. 1888
PT_AHMALCS_CMALCS_JJR_01_01_01_003
1º ano, nº37, 28 out. 1888
PT_AHMALCS_CMALCS_JJR_01_01_01_029
1º ano, nº 38, 04 nov. 1888
PT_AHMALCS_CMALCS_JJR_01_01_01_030
1º ano, nº 39, 11 nov. 1888
PT_AHMALCS_CMALCS_JJR_01_01_01_031
1º ano, nº 40, 18 nov. 1888
PT_AHMALCS_CMALCS_JJR_01_01_01_032
Imagens
PT/AHMALCS/CMALCS/BFS/01/01/01/226
PT/AHMALCS/CMALCS/BFS/01/01/01/227
http://memoriarecenteeantiga.blogspot.com/2017/04/
Registos paroquiais Portugueses para Genealogia