Instantâneos (22): As operárias da Fábrica Confiança
As mais prendadas usavam avental branco sobre saia xadrez ou de cor escura, sem alarde, em tela barata e tosca, contrastante em tudo com a pureza, a suavidade e o requinte de acabamentos dos tecidos de que se ocupavam diariamente.
Costas curvadas sobre as máquinas, ou aproximando os olhos do intrincado bordado em execução por dedos ágeis, embora rudes, marcados pelas picadas frequentes.
Chegaram a ser mil, as mulheres que, laboriosamente, assim criavam os primorosos atavios e toilettes vendidos depois na luxuosa frente de loja da Fábrica Confiança, ali, em plena rua de Santa Catarina, hoje tão no centro da cidade do Porto, mas na época ainda um arrabalde em expansão.
A grande unidade fabril sucedeu à Bela Jardineira, e à primeira Camisaria Confiança, ambas fundadas por António José da Silva Cunha, um industrial vindo de Amarante com aspirações políticas, que ali levou por diante a “maior fábrica de roupas brancas da Península”, como orgulhosamente se afirmava na publicidade de prestígio que fazia publicar.
Na empresa, onde trabalhavam mais de uma centena de moderníssimas máquinas de costura com motor elétrico, - algo novo para a época - o mulherio labutava sob o olhar atento de quem mandava, para que a conversa não fervilhasse e a atenção não se perdesse num meio com tantas moças juntas, horas e horas a fio.
Mesmo assim, o ruído podia ser ensurdecedor.
A maioria estava nas oficinas de costura de onde saía de tudo um pouco: dos atoalhados aos lençóis, dos enxovais infantis às corbelhas de noiva; das camisas masculinas às apuradas toiletes de senhora, dos lenços de pescoço, às ceroulas....
Muitas outras distribuiam-se pelas restantes áreas de fabrico: da fiação (imagens 6 e 7) à lavandaria (imagem 8); da oficina de corte ao secador; dos brunis ao embalamento.
As contas, a papelada, a venda, ficavam à responsabilidade dos senhores, que teriam alegadamente maior vocação para isso e também para algumas tarefas que exigiam mais força que jeito.
De resto, era um mulherio que nunca mais acabava, a desfilar à hora da saída, rua de Santa Catarina abaixo, perante os mirones dos mancebos, que não perdiam oportunidade de fazer olhinhos a alguma costureirinha mais engraçada ou suficientemente audaz para retribuir o olhar.
Tão belo e movimentado espetáculo não escapou ao interesse dos entendidos em imagem.
Foi assim que, em 1896, estas operárias, se transformaram nas protagonistas involuntárias do primeiro filme português, quando Aurélio Paz dos Reis, amigo do patrão, as fixou para a posteridade com o seu aparelho cronofotográfico (pode ver a sequência aqui). Fez-se história!
A fábrica Confiança – que sucedeu às unidades mais pequenas, Bela Jardineira e Camisaria Confiança, instalou-se na rua de Santa Catarina, corria o ano de 1894.
No local onde antes tinha existido o Teatro de Santa Catarina, surgiram umas instalações com 4.800 m2.
O objetivo era claro: conquistar o mercado nacional, das colónias portuguesas e do Brasil.
O sucesso prevaleceu ainda pelo século XX adentro, com a loja a tornar-se ponto de encontro incontornável para quem visitava a baixa portuense, até porque passou, a partir de certa altura, a ter outras valências, como salão de chá.
Fontes
Arquivo Municipal do Porto
Foto Guedes
F-NV/FG/11/302; F-NV/FG/11/353; F-NV/FG/11/354; F-NV/FG/11/303; F-NV/FG/11/307; F-NV/FG/11/348; F-NV/FG/11/344; F-NV/FG/11/300; F-NV/FG/11/304; F-NV/FG/11/573; F-NV/FG/11/499; F-NV/11/347
Postais
Editor: Le Temps Perdu
D-PST/1649; D-PST/1636
Germano Silva, A camisaria Confiança, disponível em:
https://recursos.portoeditora.pt/recurso?id=10200612
Biblioteca digital luso-brasileira
Litografia Nogueira da Silva, Francisco Augusto, disponível em
http://bdlb.bn.gov.br/acervo/handle/123456789/272922?locale-attribute=en
https://www.youtube.com/watch?v=3G34fwIqqD4
http://restosdecoleccao.blogspot.com/2013/01/fabrica-confianca.html