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O sal da história

Crónicas da história. Aventuras, curiosidades, insólitos, ligações improváveis... Heróis, vilões, vítimas e cidadãos comuns, aqui transformados em protagonistas de outros tempos.

O sal da história

Crónicas da história. Aventuras, curiosidades, insólitos, ligações improváveis... Heróis, vilões, vítimas e cidadãos comuns, aqui transformados em protagonistas de outros tempos.

A Rainha Pamplona fugiu à morte duas vezes

 

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Isabel escapou duas vezes. A última mulher condenada à morte em Portugal teve sorte. A sua vida, em paralelo com a do marido, parece uma montanha russa, que oscila entre momentos de extraordinário poder e destaque, sempre seguidos de grandes perigos e provações. Num tempo em que as mudanças políticas e ideológicas eram excecionalmente rápidas e drásticas, não há inocentes nem culpados, porque as circunstâncias também eram invulgares.

Sentenciada por crime de lesa-pátria, algo raro entre as mulheres, Isabel de Roxas e Lemos* deveria ter morrido “de morte natural de garrote”, tendo a sua cabeça decepada e todo o corpo queimado, no cadafalso do Cais do Sodré, para que o povo pudesse ver o castigo, por ter sido “sócia dos delitos e horrorosos crimes” do seu marido, Manuel Inácio Martins Pamplona**. Este, alvo de idêntica condenação, seria dificilmente defendido, quer por liberais, quer por absolutistas, com anticorpos em ambas as fações, como é usual entre os moderados.

conde subserra.JPGO tenebroso veredito parece primitivo e remoto, mas tem pouco mais de 200 anos.
De facto, o casal, herdeiro de extraordinária riqueza e títulos sonantes, foi, em 1811, condenado com pena capital por ter alinhado com os exércitos franceses, que semearam a devastação quando invadiram Portugal e nos quais Pamplona teve papel proeminente. Isabel, longe da figura submissa e recatada da mulher de então, acompanhou-o em marchas e batalhas, isto com tal satisfação que a soldadesca a alcunhou de “Rainha Pamplona”.
Os muitos contactos que possuíam não impediram o confisco dos bens, mas ajudaram-nos a fugir ao patíbulo que lhes estava destinado. Durante anos, por convicção ou conveniência, andaram pela Europa fora combatendo nas tropas de Napoleão, até ao desaire na Rússia.

p55265_2.jpgA revolta liberal (1820) traria a amnistia de todos os condenados por motivos políticos e abriria a porta para o regresso de Pamplona ao seu País, onde não tardou a subir na hierarquia, como ministro de várias pastas e conselheiro de Estado, sendo agraciado com o título de Conde de Subserra, por D. João VI.
O êxito não perdurou - para os fracos não é conveniente ter por perto quem pense pela sua cabeça – e, pressionado, o rei acabaria por remetê-lo para Espanha, como embaixador.
Com a morte do monarca e todas as manobras de sucessão, novos ventos de mudança não se fizeram esperar e, quando os absolutistas chegaram ao poder, foram implacáveis para com o casal Subserra.

farol do bugio.JPGO governo de D. Miguel começou a perseguir e prender todos os que pudessem ter alguma ligação ao liberalismo ou à carta constitucional.
Corria junho de 1828 quando Pamplona e Isabel foram levados e, por entre maus tratos e insultos, fechados, primeiro na torre de São Lourenço do Bugio; depois em São Vicente de Belém e, finalmente, às mãos do tenebroso Teles Jordão, em São Julião da Barra, onde Isabel foi a única mulher encarcerada.

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Como as tropas inglesas entraram Tejo dentro exigindo a libertação dos prisioneiros daquela nacionalidade, os presos mais ilustres foram arrastados numa penosa caminhada para novas paragens: o forte da Graça, em Elvas.

00674_004455.jpgPara o conde foi o destino final, não porque se fizesse cumprir a pena anteriormente traçada – para tal não tiveram ousadia - mas porque a sua saúde não resistiu às condições dos calabouços. Finou-se a 16 de outubro de 1832, acontecimento comemorado com foguetório por parte dos miguelistas.


Mais uma vez, Isabel teve sorte…e engenho. Um velho general, condoído da sua sina, fê-la libertar-se por uma porta secreta. À sua espera tinha a filha, Mância (estão ambas na primeira imagem), com quem calcorreou as áridas planícies alentejanas, até que chegaram as boas notícias: os liberais tinham tomado Lisboa.
Uma renovada esperança surgia para a Rainha Pamplona. Tinha então 53 anos e ainda muita vida pela frente – só morreria em 1856, aos 77 anos de idade.

À margem


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As mulheres são uma ínfima parte dos sentenciados à morte em Portugal, de resto um dos primeiros países do mundo a abolir a pena capital. Até 1757, todas as condenadas foram-no porque mataram, mas com o Marquês de Pombal, essa “tradição” seria alterada.
Nesse ano, cinco mulheres foram executadas por crime de lesa-majestade. Alegadamente, tinham encabeçado a revolta que se gerou na “cidade invicta” contra a criação da Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto Douro, que afetaria o negócio de taberneiros e pequenos armazenistas, impedidos, assim, de comercializar vinho do Porto. Ao todo foram executadas 26 pessoas.
Mas, a dureza da justiça pombalina não ficaria por aqui. Leonor Tomásia de Távora foi condenada pela implicação no atentado contra D. José, sendo decapitada em 1759, juntando-se a outras três desgraçadas mortas por crimes menores, como roubo, também nessa época.
Como já se tinha visto, Isabel de Roxas e Lemos foi a derradeira condenada, a única que conseguiu fugir, mas não foi a última executada. Esse “título” coube a Luísa de Jesus, uma jovem de 22 anos, ama dos expostos de Coimbra. Em 1772, foi julgada por ter posto fim à vida de pelo menos 34 bebés que lhe tinham sido entregues para criar, mediante pagamento por esse serviço. Antes de ser morta, foi supliciada, algo também raro entre o sexo feminino. Ficaria tristemente para a história como a única serial killer portuguesa.
Mas isso é outra história…

……………
*O nome completo era Isabel Antónia do Carmo de Roxas e Lemos Carvalho e Menezes
** O nome completo do 1º Barão de Pamplona e 1º Conde de Subserra era Manuel Inácio Martins Pamplona Côrte-Real

Fontes
O Conde se Subserra, de Rafael Ávila de Azevedo, in Boletim do Instituto Histórico da Ilha Terceira Volune XXXIX; União Gráfica Agrensa, Hangra do Heroísmo – 1981. Disponível em http://ihit.pt/codeigniter/assets/upload/pdf/ecacd69f0fc9dd6afb0fa20eea3fdbf3.pdf

As mulheres perante os tribunais do antigo regime na península ibérica, de Maria Antónia Lopes, Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra; coordenação de Isabel M. R. Mendes Drumond Braga e Margarida Torremocha Hernández, Imprensa da Universidade de Coimbra – 2015. Disponível em https://digitalis-dsp.uc.pt/bitstream/10316.2/37193/1/Capítulo%206-%20Mulheres%20condenadas%20à%20morte%20em%20Portugal.pdf


Imagens
Geneall net
https://www.google.pt/search?q=%22condes+de+subserra%22&source=lnms&tbm=isch&sa=X&ved=0ahUKEwjzgeS5mbbeAhXIVsAKHVaeA3oQ_AUIDigB&biw=1694&bih=947#imgrc=YDvuUWpL0nI3UM:&spf=1541178611183

Museu – Biblioteca Condes de Castro Guimarães
https://www.google.pt/search?q=%22condes+de+subserra%22&source=lnms&tbm=isch&sa=X&ved=0ahUKEwjzgeS5mbbeAhXIVsAKHVaeA3oQ_AUIDigB&biw=1694&bih=947#imgrc=8eDkI-onscBPJM:&spf=1541178611183

Biblioteca Nacional Digital
http://purl.pt/13357/1/index.html#/1/html

http://fortalezas.org/index.php?ct=fortaleza&id_fortaleza=674&muda_idioma=PT

Antonio Pisanello - The Yorck Project 10.000 Meisterwerke der Malerei. DVD-ROM, 2002. ISBN 3936122202. Distributed by DIRECTMEDIA Publishing GmbH., Domínio público, httpscommons.wikimedia.orgwindex.phpcurid=1