A criação de bichos-da-seda é, hoje, pouco mais que uma brincadeira de crianças, mas tempos houve em que o Estado teve a pretensão de obrigar as populações a plantar amoreiras e produzir aqueles curiosos insetos. A indústria da seda, que em Portugal tinha condições ótimas para progredir, foi mais uma oportunidade perdida, desde logo porque a Inquisição perseguia com especial empenho os artesão e negociantes daquele produto.
E se o Governo obrigasse a população… a plantar amoreiras? E se o Estado entendesse a produção de bichos-da-seda como um verdadeiro desígnio nacional em que todos se deviam envolver? Parece estapafúrdio, mas foi isso mesmo que aconteceu em diversos momentos da história de Portugal. No entanto, nem as ameaças, os incentivos, os abundantes tratados escritos sobre o tema; as excelentes condições do nosso território para estas atividades ou a proibição de comprar tecidos estrangeiros fizeram com que a sericicultura nacional tivesse mais que breves momentos de sucesso e euforia.
Pode pensar-se que isso é algo de tempos muito remotos e, efetivamente, esta é uma história que teve início há mais de mil anos, com a chegada dos árabes à península Ibérica, mas que se prolonga até século XX. Em 1930, estava Salazar no poder quando se lançou a última legislação específica para o fomento da produção de seda, nomeadamente, com a “distribuição gratuita de amoreiras e de sementes de bichos-da-seda”. Sem grandes resultados, de resto, porque o interesse do Estado sobre este tema foi sempre assim: fugidio e pouco empenhado, mais para impressionar, do que para concretizar.
Ao longo dos séculos, aliás, terão sido entregues milhares de pequenas árvores daquela espécie*, que acabaram ao abandono ou destruídas sem que chegassem a produzir as tão desejadas folhas para alimentar os insetos fazedores daquele que é um dos mais cobiçados e ricos tecidos do mundo.
Só para dar alguns exemplos, foi D Afonso V, em 1438, que lançou a “moda” de obrigar à plantação, neste caso de 20 pés de amoreira por vizinho. A ideia é reiterada por D. Manuel I, nas cortes de 1495, e por D. José que, graças à visão do Marquês de Pombal, tem os primeiros resultados relevantes, porque, avisadamente, sabendo que o dinheiro é a essência de toda a motivação, Sebastião de Carvalho e Melo preconiza, em 1762, incentivos fiscais e privilégios tentadores para os que se dedicassem àquela cultura.
Este êxito dura pouco, diga-se. Tanto é assim, que, já no reinado de D. Maria II, se voltou ao mesmo problema.
Em 1836, a rainha apelava “ao zelo e patriotismo” das câmaras municipais do distrito de Lisboa, para que promovessem “a formação de viveiros e o plantio de amoreiras próprias para a criação de bicho da seda”.
Aparentemente, não foi ouvida, porque, seis anos depois, volta à carga, admitindo que “a maior parte das camaras municipais” não tinha satisfeito as recomendações que lhes haviam sido feitas. Lança novo apelo, rogando que se usem quaisquer terrenos públicos, como os contíguos a estradas, “quarteis, praças e fortalezas”, explicando que “este é um ramo da indústria e do comércio para o qual só é mister empregar muita perseverança, algum trabalho e pouca despesa, para provir imensas vantagens ao País”.
Este é um desejo que, no entanto, peca por tardio: surge já após a extinção da Real Fábrica das Sedas do Rato e da fábrica de Chacim, em Macedo de Cavaleiros (Trás-os-Montes), esta especialmente relevante pela introdução do método piemontês (Itália) em Portugal.
Demais, a indústria da seda no nosso país dependeu sempre dos conhecimentos importados de França e Itália. Robert Rodin implantou a famosa fábrica de sedas do Largo do Rato – originalmente na Fonte Santa, depois na rua de São Bento - e a família Arnauld montou em Chacim um centro de fiação ao estilo de Piemonte.
A Inquisição, a concorrência de tecidos de outros países, as invasões francesas, a instabilidade política, um constante desfasamento em relação às necessidades do mercado e da indústria, as doenças que afetaram o inseto e, em grande parte, a incúria e o pouco interesse que a produção de sirgo (bicho-da-seda) suscitou aos agricultores nacionais - porque a atividade não lhes era familiar e os casulos eram mal pagos, e, por isso, frequentemente desviados para artesanato local em vez de entregues à indústria – ditaram esta inconstância no sector que tinha tudo para dar certo, mas nunca fez jus às esperanças em si depositadas.
À margem
Já no século XII, quando é conquistada aos mouros por D. Afonso Henriques, Lisboa é referenciada pelas suas confeções em seda. De lá para cá, muitas foram as experiências em solo nacional para a produção daqueles preciosos fios, mas nenhuma foi tão constante e relevante como a sericicultura em Trás-os-Montes. Foi uma atividade que trouxe considerável fortuna e prosperidade a Bragança e ao Nordeste Transmontano, algo até desconcertante, pois foi numa região pobre, rural e isolada que se fixou uma indústria de luxo, destinada a servir as ricas classes sociais emergentes das cidades.
Efetivamente, foi assim. No distrito de Bragança, instalaram-se fábricas, escolas de fiação, filatórios, investigação e inovação no sector, ainda que com desfasamento em relação a uma época que era já de revolução industrial em Inglaterra.
Mas, apesar da persistência na atividade, a sua prosperidade esteve sempre em risco. Raramente as sedas nacionais conseguiam competir em qualidade e preço com as inglesas – beneficiadas pelos acordos comerciais – e as chinesas. O pouco empenho do Estado na proteção da indústria e o desinteresse dos investidores contribuíram para o fim, mas as nefastas incursões da Inquisição da região também tiveram papel preponderante nesta morte anunciada: processaram, perseguiram e prenderam centenas de pessoas – tecelões, torcedores e negociantes de seda, por exemplo – levaram muitos outros a fugir, abandonando os seus misteres e depauperando um sector que era sobretudo suportado por judeus e cristãos novos.
Mas isso é outra história…
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* Só para dar um exemplo, em sequência do apelo de D. Maria II, em Alcácer do Sal plantaram-se mais de 300 amoreiras que, “logo depois da sua plantação, foram destruídas pelos rapazes, não obstante ter-se mandado fazer ‘engradiamentos’” para proteger aquelas árvores, justificava a câmara local em 1849. Esclarecia ainda que não possuía terrenos para mais tentativas, muito menos água para regar as árvores. Esta informação foi, aliás, o meu ponto de partida para este trabalho. CV
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Fontes
História da Sericicultura em Portugal desde o início do século VII até ao final do século XVIII, de Jorge M. T. Azevedo, Maria Alexandra Mascarenhas e Ana Mascarenhas, Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro; 1º encontro de história da ciência do ensino, disponível em
https://www.researchgate.net/profile/Jorge_Azevedo/publication/277404120_Historia_da_sericicultura_em_Portugal_Desde_o_inicio_do_seculo_VIII_ate_ao_final_do_seculo_XVIII/links/5569ffa108aeab7772212742/Historia-da-sericicultura-em-Portugal-Desde-o-inicio-do-seculo-VIII-ate-ao-final-do-seculo-XVIII.pdf?origin=publication_detail
História da Sericicultura em Portugal desde o início do século IXI até ao início do século XXI, de Jorge M. T. Azevedo, Maria Alexandra Mascarenhas e Ana Mascarenhas, Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro; 1º encontro de história da ciência do ensino, disponível em
https://www.researchgate.net/publication/277403978_Historia_da_sericicultura_em_Portugal_Desde_o_inicio_do_seculo_XIX_ate_ao_inicio_do_seculo_XXI/download
História da indústria das sedas em Trás-os-Montes, de Fernando de Sousa, Volume 1 e 2, CEPESE – Centro de Estudos da População, Economia e Sociedade, da Universidade do Porto, Câmara Municipal de Bragança, Viver Bragança – Programa Polis; Edições Afrontamento – julho 2006. Disponível em
http://www.cepese.pt/portal/pt/publicacoes/obras/historia-da-industria-das-sedas-em-tras-os-montes-volume-i
Real Fábrica da Seda in Artigos de apoio Infopédia [em linha]. Porto: Porto Editora, 2003-2018. [consult. 2018-10-27 15:17:04]. Disponível na Internet: https://www.infopedia.pt/apoio/artigos/$real-fabrica-da-seda
Associação Têxtil e Vestuário de Portugal – brochura comemorativa 50 anos – Breve história da indústria têxtil, da Idade Média à industrialização, coordenação de de Beatriz Sendin, 2015. Disponível em
file:///D:/AAhist/PESQUISA/amoreiras/ATP_Brochura_Comemorativa_50_Anos.pdf
Collecção de Legislação Portugueza – 1842, disponível em Arquivo Histórico Municipal de Alcácer do Sal - PT/AHMALCS/CMALCS/EXTERNO/01/06/006
Collecção de leis e outros documentos oficiais publicados desde o 10 de setembro até ao 31 de dezembro de 1836 5ª série – Lisboa 1836 – disponibilizado pela Universidade de Lisboa – Faculdade de Direito – Instituto da História do Direito e do Pensamento Público, em http://net.fd.vol.pt/legis/1836.html#
Arquivo Histórico Municipal de Alcácer do Sal
Livro de atas da Câmara Municipal de Alcácer do Sal - PT/AHMALCS/CMALCS/JJR/02/01/001
Imagens
Fios que nos envolvem, os têxteis e o vestuário no espaço grandolense
http://arquivo.cm-grandola.pt/_docs/Fios%20que%20nos%20envolvem%20-%202009.pdf
História da indústria das sedas em Trás-os-Montes, de Fernando de Sousa, Volume 1 e 2, CEPESE – Centro de Estudos da População, Economia e Sociedade, da Universidade do Porto, Câmara Municipal de Bragança, Viver Bragança – Programa Polis; Edições Afrontamento – julho 2006. Disponível em
http://www.cepese.pt/portal/pt/publicacoes/obras/historia-da-industria-das-sedas-em-tras-os-montes-volume-i