Uma super estrela à escala mundial, com vitórias em concursos internacionais, obras em museus e aclamação global, a começar pelas principais cortes europeias. Constantino conseguiu a glória criando flores ainda mais radiantes e coloridas que as oferecidas pela natureza.
Como é que um transmontano indigente se transforma num dos mais aclamados artistas plásticos do seu tempo, com casa aberta em Paris, consagração em exposições internacionais e obras expostas em seletos museus*? Século e meio antes de Joana Vasconcelos brilhar em Versalhes, já este português fascinava as casas reinantes europeias, que embelezavam os palácios com a suas criações. Esta foi a vida de Constantino, o homem que superava a própria natureza, ao criar flores ainda mais belas e surpreendentes.
Constantino, o rei dos floristas. Assim ficou para a história aquele que percorria montes e vales em busca de inspiração e, depois - sempre sentado no chão, como vira as artesãs da sua terra - com os seus dedos ágeis, uma incrível minúcia e inexcedível atenção ao pormenor, transformava delicadas penas de ave em portentosas flores. As suas só diferiam das autênticas, porque tinham a enorme virtude de não murchar, disse-o Amélia das duas Sicílias (na imagem), à época rainha dos franceses e a primeira a coloca-lo a um nível quase divino, dando-lhe o primeiro “bilhete” para o sucesso.
Parece hoje estranho que se considere esta uma arte maior, mas em meados do século XIX, as flores artificiais eram imensamente apreciadas. Em Paris, a atividade envolvia mais de 30 mil pessoas.
Foi neste mercado altamente competitivo que o português se impôs e revolucionou.
Chegou a França sem nada, mal sabendo ler ou escrever, corria o frio inverno de 1834.
Em cinco anos já fornecia a corte francesa; numa década conseguiu a proeza inédita de as flores artificiais serem admitidas na classe superior das exposições internacionais. Participou em três, sempre arrebatando público e júri, que chegou a quebrar alguns exemplares para se convencer da sua artificialidade.
Quem quer que tivesse poder económico e posição social almejava possuir as suas criações, preferindo as “constantinas” às mais radiantes espécies que os requintados jardins ou as longínquas montanhas fossem capazes de produzir. Constantinas? Sim! Constantino passou a ser adjetivo para os seus primores floridos, mas também para cores e materiais que inventou para melhor alcançar a perfeição, que sempre buscava.
O enlevo era geral: poetas de gabarito enalteceram-no; uma das princesas reais da Prússia quis aprender a sua arte; D. Maria II e D. Fernando receberam-no com pompa em Lisboa; Isabel II de Espanha homenageou-o; Vitória de Inglaterra elogiou-o publicamente; as futuras rainhas de Portugal, D. Estefânia e D. Maria Pia, usaram bouquets constantinos nos seus enlaces matrimoniais.
O caminho até chegar à aclamação global foi, no entanto, o mais espinhoso que se possa imaginar.
Constantino José Marques nasceu a 18 de agosto de 1802, em Torre de Moncorvo, Bragança. Órfão de pai e mãe, foi entregue a uma ama para criação.
A partir daqui, as teorias divergem, pois, por muito que se tenha labutado para dar ao artista uma vasta ascendência nobre, que ele se ufanava de ter, nunca se dissiparam as suspeitas de tal ser mera efabulação.
No entanto, todas as versões convergem na passagem de Constantino pelo convento de São Francisco de Moncorvo, onde despontou o seu amor pelas flores, que se entretinha a imitar com papel e cera. Aos 14 anos, não lhe surgindo vocação para continuar vida religiosa, teve que fazer-se ao mundo ainda mais sozinho. Trabalhou como criado, alistou-se e lutou nas hostes liberais, acabando deportado na ilha Terceira. De regresso, combateu pelos absolutistas e foi dos poucos partidários de D. Miguel que com ele embarcou rumo ao exílio, em Génova.
Estava visto que o destino seria longe da sua terra, onde só voltaria duas vezes, sendo recebido como a celebridade internacional que era.
Já em França, sempre por acaso, conheceu as poucas pessoas que lhe ofereceram ajuda e conseguiu começar a produzir, para escárnio dos floristas parisienses, que inicialmente o rejeitaram e desprezaram.
O inegável génio e a admirável persistência fizeram calar todos!Imagina-se que alguns dos maldizentes seriam os mesmos que, já em 1851, exigiam para Constantino o colar da Legião de Honra, reservado aos maiores vultos.
Tal como os primeiros, os últimos anos de Constantino foram de sofrimento.
A saúde abandonara-o e as flores artificiais, que eram a sua vida, passaram de moda. Sem família, fixou-se numa pequena quinta rural em Tercis-lebains, onde terminou os seus dias, em 1873.
Até ao fim, continuou a criar para as igrejas das redondezas, como se ainda se encontrasse no prestigiado atelier de Paris, não imitando a natureza, mas igualando-a, na cor, na flexibilidade, na frescura e até no aroma.
Conta que até os pássaros nelas pousavam, também iludidos com tanta veracidade.
À margem
Já ninguém se lembra de Constantivo e da sua arte – a exceção é o município de Moncorvo, que homenageia este seu ilustre filho sempre que tem oportunidade. Em Lisboa, no entanto, há um jardim batizado em sua honra. O jardim Constantino fica no bairro da Estefânia, entre as ruas Passos Manuel, José Estevão e Pascoal de Melo, e já existia em 1889, altura em que foi assim batizado, por iniciativa do então presidente da câmara alfacinha, Rosa Araújo. Tem um lago, quiosque, duas árvores classificadas como de interesse público e uma estátua da autoria de Francisco Santos, que ali está desde 1925, representando Prometeu. Não consta que, no local, exista uma explicação sobre quem foi Constantino e, embora o orçamento participativo de Lisboa votado em 2016 tenha tido como segunda sugestão mais votada uma requalificação deste jardim, que incluía uma estátua de homenagem ao próprio florista, tal ainda não se concretizou. Diga-se que, em 1900, a mesma autarquia já tinha validado proposta nesse sentido, nunca executada. A área onde está implantado o jardim – nas imagens retratado nos anos 50/60 - pertencia à quinta velha da Bemposta, onde se instalou D. Catarina de Bragança após regressar de Inglaterra, onde foi rainha, aturou uma vida inteira de infidelidades e bastardos do marido, ao mesmo tempo que introduzia na corte hábitos que persistem até hoje. Lamentavelmente, só não conseguiu o que mais se esperava dela: dar um herdeiro legítimo a Carlos II.
Mas isso é outra história...
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*Museu Abade de Baçal, em Bragança; Louvre (Paris); Providence (museu de flores), nos Estados Unidos da América; Palácio Real de Estocolmo (Suécia).
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Fontes
Hemeroteca Digital de Lisboa
http://hemerotecadigital.cm-lisboa.pt/
Illustração Portugueza
nº 183 – 23 ago. 1909
Revista Municipal (Lisboa)
Ano XVII; nº69; 2º trimestre 1956
Ano XVII; nº70; 3º trimestre 1956
Occidente – Revista Ilustrada de Portugal e do Estrangeiro
225º ano; XXV volume; nº852 – 30 ago 1902
http://www.cm-lisboa.pt/equipamentos/equipamento/info/jardim-constantino
https://issuu.com/lelodemoncorvo/docs/dossier_constantino
https://www.dn.pt/sociedade/interior/constantino-o-rei-dos-floristas-vai-ter-uma-homenagem-no-seu-jardim-5428175.html
Dona Amélia das duas Sicílias, por Louis Hersent - chateauversailles.fr, Domínio público, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=32774659
Biblioteca Nacional Digital
http://purl.pt/998
Constantino, rei dos floristas, por João Anastácio Rosa; Lith. de Lopes & Bastos
Arquivo Fotográfico Municipal de Lisboa
Jardim Constantino, por:
Armando Maia Serôdio, 1959 - PT/AMLSB/CMLSBAH/PCSP/004/SER/003478
Artur Inácio Bastos, 1968 – PT/AMLSB/CMLSBAH/PCSP/004/AIB/002206