Ao longo de mais de 500 anos, os jardins, as paredes e o largo fronteiro a este edifício assistiram a todo o tipo de acontecimentos que, para o bem e para o mal, marcaram a história do País.
Conspirações, tumultos, ocupações, greves, manifestações, rendições, tiroteios, cerimónias oficiais…Dificilmente um outro edifício assistiu a mais movimento e animação durante tantos séculos. Não admira também que, ao longo dos tempos, vários tenham sido os nomes pelos quais foi conhecido: palácio Almada; do Rossio, de São domingos; da Independência ou da Restauração, epíteto este último com que foi batizado para as grandes comemorações de 1940, mas que não pegou. Pretendia-se que aquele espaço fosse símbolo dos festejos, mas, curiosamente, nem pertencia ao Estado, pelo que, uns anos antes, foi lançada uma subscrição pública – hoje chamar-se-ia, muito modernamente, crowdfunding – para adquirir este verdadeiro catálogo do passado do nosso País.
A Sociedade Histórica da Independência de Portugal, que ali tem a sua casa desde 1861, tentou por diversas formas angariar dinheiro para a aquisição, conseguindo uma verba considerável com a receita de venda de selos e com a tal subscrição lançada a nível nacional, nomeadamente junto das autarquias locais.
No final, o imóvel seria comprado pela comunidade portuguesa no Brasil, que o doou à “inquilina” de longa data, e os valores angariados foram aproveitados para restaurar o imóvel.
Como seria de esperar num edifício tão disputado e em pé há mais de 500 anos, pouco resta do original, para além de quatro portas e duas monumentais chaminés, semelhantes às do Palácio da Vila, em Sintra - com a pequena grande diferença destas (na imagem) serem sobretudo decorativas, pois ficam sobre duas acanhadas divisões e não sobre enormes cozinhas.
Muitas foram as transformações e, já no século XX, precisamente no âmbito das comemorações dos centenários da independência de Portugal (1140 – 1640), foram-lhe acrescentadas as arcadas viradas para a rua de Santo Antão, desenhadas pelo conhecido arquiteto Raul Lino.
O palácio, que é “Almada” por ter sido mandado construir por D. Fernando de Almada, lá por meados do século XV (1467). É da “Independência” porque, reza a história, foi ali que, com o apoio do então senhor da casa, D. Antão de Almada, se reuniram diversas vezes os conjurados que estiveram na base do golpe de Estado que retirou o poder aos “Filipes”, devolveu a autonomia a Portugal e o trono a um rei português, D. João IV - precisamente em 1640.
Obviamente, é do Rossio e de São Domingos, porque se localiza entre estes dois centrais e movimentados largos da cidade, paredes meias com o local onde se alojaram reis e se instalou a Inquisição.
Mas os acontecimentos não se ficaram por aí, quer no exterior –palco de numerosas movimentações populares e militares - quer no interior do palácio.
Como é bom de ver, sobreviveu ao terramoto de 1755 e, por isso, serviu de hospital nesse período negro para Lisboa e foi ocupado noutro período tenebroso, que foi o das lutas liberais que arrastaram Portugal para uma guerra civil fratricida.
Acolheu o supremo tribunal do reino – Casa da Suplicação – os depósitos públicos da corte e de Lisboa; o senado e o arquivo municipal, tendo servido igualmente de morada a Almeida Garrett.
Por aquelas salas passaram até estabelecimentos comerciais, como uma peixaria ou uma empresa de transportes, e múltiplos organismos, casos do centro promotor dos melhoramentos das classes laboriosas; o Museu Agrícola e Florestal de Lisboa; o Liceu Francês; uma divisão militar que se rendeu no 5 de outubro de 1910 e a Mocidade Portuguesa.
Nova invasão deu-se no pós 25 de abril, que ali impôs a sede da Associação dos Deficientes das Forças Armadas. Ainda hoje, a Sociedade Histórica da Independência de Portugal partilha o espaço com um restaurante e com uma mão cheia de entidades, relacionadas, de alguma forma, com a história e a expansão da cultura portuguesa.
À margem
Os jardins por onde os conjurados entravam para as traseiras do palácio, descendo a muralha fernandina à qual está adossado e reunindo num pequeno compartimento, foram embelezados com painéis de azulejos que relembram os acontecimentos desses dias decisivos. O problema é que a obra foi encomendada cerca de um século após a restauração e o artesão que a executou não era versado em história. As imagens têm, por isso, algumas curiosas incongruências, como as empoadas cabeleiras, roupas delicadas dos conspiradores e as cadeiras ornamentadas onde se sentam, muito ao gosto do século XVIII, mas não usadas em 1640. Também retratado está o ataque ao Paço da Ribeira, durante o qual ficou célebre a morte de Miguel de Vasconcelos. Este português, secretário de Estado da Duquesa de Mântua, que governava o nosso território em nome dos reis espanhóis, foi atirado de uma das janelas para a rua, onde a populaça o despedaçou e deixou à mercê dos cães vadios, para que se percebesse o tremendo ódio que por ele nutria. O episódio é muitas vezes erradamente referido como tendo ocorrido no Palácio da Independência. Por uma vez, a ação teve lugar noutras paragens.
Mas isso é outra história...
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Fontes
A restauração de 1640, de Crescêncio Ferreira, História de Portugal Moderno 2002-2003, disponível em
https://www.academia.edu/4223101/A_Restauração_de_1640
https://pt.wikipedia.org/wiki/Pal%C3%A1cio_da_Independ%C3%AAncia
http://www.patrimoniocultural.gov.pt/pt/patrimonio/patrimonio-imovel/pesquisa-do-patrimonio/classificado-ou-em-vias-de-classificacao/geral/view/70366
O Brasil colonial e a Exposição do Mundo Português de 1940, de Rosana Andrade Dias do Nascimento; Universiade Fedeal da bahia – Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas - Salvador da Bahía, 2008. Disponível em https://repositorio.ufba.br/ri/handle/ri/11231
Hemeroteca Digital de Lisboa
http://hemerotecadigital.cm-lisboa.pt/
Portugal Colonial – Revista de propaganda e expansão colonial
nº55, 56, 64
A Regeneração – Semanário defensor dos interesses dos concelhos do norte do Distrito de Leiria, n~385, ano XI – 30 nov. 1935
O comércio da Ajuda – Quinzenário anunciador, literário noticioso e defensor dos interesses da Freguesia da Ajuda, nº 108, ano V – 7 dez. 1935
Arquivo Histórico Municipal de Alcácer do Sal - Fundo JFS – Junta de Freguesia de Santiago - Correspondência
Visita guiada ao Palácio da Independência
Imagens
Arquivo Fotográfico Municipal de Lisboa
http://arquivomunicipal.cm-lisboa.pt/pt/
PT/AMLSB/CMLSBAH/PCSP/004/SAG/000012
PT/AMLSB/CMLSBAH/PCSP/004/SAG/000013
José Artur Leitão Barcia -
PT/AMLSB/CMLSBAH/PCSP/004/BAR/000182
Domingos Alvâo -
PT/AMLSB/CMLSBAH/PCSP/004/ALV/000027
Joshua Benoliel -
PT/AMLSB/CMLSBAH/PCSP/004/JBN/002701
PT/AMLSB/CMLSBAH/PCSP/004/JBN/001613
Vasques -
PT/AMLSB/CMLSBAH/PCSP/004/VAQ/000282
PT/AMLSB/EFC/000057
Eduardo Portugal -
PT/AMLSB/POR/019113
António Novais -
PT/AMLSB/ANV/000832