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O sal da história

Crónicas da história. Aventuras, curiosidades, insólitos, ligações improváveis... Heróis, vilões, vítimas e cidadãos comuns, aqui transformados em protagonistas de outros tempos.

O sal da história

Crónicas da história. Aventuras, curiosidades, insólitos, ligações improváveis... Heróis, vilões, vítimas e cidadãos comuns, aqui transformados em protagonistas de outros tempos.

O iminente naufrágio do Vera Cruz com milhares de tropas a bordo

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Lá fora ouve-se gritaria. Percebe-se que há muita agitação. A qualquer momento espera-se ordem para abandonar o navio. Receia-se ver o oceano invadir os corredores e os camarotes. Às 4h30 de uma noite sem sono, temeu-se pela vida. A bordo, regressaram do Ultramar três mil militares portugueses.

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"Quase quatro anos de tropa, dois de Ultramar, sem incidentes. Será que vou morrer a caminho de casa?". Este era o pensamento que pairava na cabeça de muitos dos cerca de três mil militares que, na madrugada do dia 26 de maio de 1970, tentavam, a bordo do Vera Cruz, passar incólumes o Cabo das Tormentas. Foi quando, pelas 4h30, uma onda sísmica apanhou o paquete que os trazia de regresso a Lisboa, onde as famílias e as suas vidas os esperavam, para um recomeço, após tão longo interregno a "lutar pela pátria", em paragens africanas.

 

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"Percebia-se que o navio vinha a grande velocidade. Ninguém dizia nada, mas estávamos todos acordados, até que se deu aquele incrível sarrabulho. O navio não tinha levantado a proa da água, ouviram-se estrondos. Saímos dos beliches e fomos espreitar. Havia gente vestida e com a bagagem, havia soldados em calções. Estavam todos agitados, sem saber o que fazer ou esperar. Ninguém percebia bem o que se passava, embora todos tivéssemos noção que era grave. Eu estava num grupo de seis do laboratório militar e era o mais velho. Pediram-me que tomasse uma decisão. Não tive dúvidas e fui claro: 'prefiro morrer afogado, a ser espezinhado nos corredores. Quem quiser sair, pode fazê-lo já. Por mim fecho tudo e esperamos todos aqui'. Assim foi. Ninguém dormiu, mas ali ficámos, em silêncio, alertas".

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Na manhã seguinte era notório que o perigo maior tinha passado, mas os mais curiosos queriam ver para crer e entender o que se tinha passado. Nos porões, a água chegou à cintura dos militares que ali se encontravam. À superfície, havia vidros partidos, estilhados do que haviam sido as vidraças da cabine de comando; muitos ferros amolgados e retorcidos, guinchos e outros apetrechos arrancados pela raiz.


Mas, sentia-se a bonança no ar. Os militares apressaram-se a pôr a secar ao sol tudo o que as águas marinhas tinham encharcado: da roupa de cama, à farda, passando pelas coloridas almofadas e tecidos chineses muito em voga no Moçambique daqueles tempos.


Aos mais perspicazes não escapou um pequeno grande pormenor: o Vera Cruz tinha mudado de rumo e navegava de volta a Lourenço Marques. Soube-se mais tarde que os danos no paquete a isso tinham obrigado.
Houve alguma desilusão, claro, mas de regresso à cidade onde tinham passado os últimos anos, houve oportunidade para gastar os "tostões" moçambicanos que restavam nos bolsos, reaver dívidas que não haviam sido cobradas, pagar umas rodadas aos companheiros de armas e festejar com um belo bitoque na Cervejaria Portugalia.

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O reembarque foi dois ou três dias depois, sanadas que estavam as questões de segurança, mas ninguém esperava que novo contratempo os prendesse ao Vera Cruz ainda mais do que o esperado.


Efetivamente, o paquete avistou Lisboa em noite de Marchas Populares, não tendo, por isso, autorização para atracar em Alcântara. Feliz com a chegada, mas saturados de tantos atrasos, os militares resolveram manifestar o seu desagrado lançado borda fora as enxergas em que tinham dormido nas últimas semanas. Como a maré estava a encher, na manhã seguinte o Tejo parecia uma imensa cama, coberta por milhares de colchões que durante muitos dias foram dando à costa, do cais Rocha do Conde de Óbidos, até Cascais.

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Escusado será dizer que nenhum eco se fez das atribulações da viagem ou do tremendo risco pelo qual passaram cerca de três mil jovens de regresso do Ultramar. A guerra e o regime já enfrentavam oposição que chegasse no início dessa década de setenta, a ultima do Estado Novo.


À margem

 

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Segundo se sabe hoje, o Vera Cruz, um belo e robusto navio com 186 metros de comprimento, pertencente à Companhia Colonial de Navegação, foi apanhado por uma onda sísmica, causada pela confluência das correntes atlânticas, com as provenientes do Indico e ainda pela proximidade da costa na desembocadura do canal de Moçambique e o movimento das placas tectónicas na região. A vaga gigantesca não deixou o navio levantar a proa e explodiu contra a ponte de comando, a uns 25 metros acima do nível do mar. Os estragos foram muitos, nomeadamente, numerosas janelas, inclusive algumas com vidro de dois centímetros de espessura, os quadros elétricos dos motores e do radar, instrumentos de navegação; danos estruturais, escadas e varandas arrancadas, rebordos exteriores amolgados, camarotes alagados. O perigo da ocorrência destas ondas demolidoras é tal na zona da África do Sul, que havia muito que os ingleses, por exemplo, já tinham traçado rotas mais afastadas da costa, para evitar tamanha concentração de factores de risco, decisão que os portugueses só tomaram depois do incidente que aqui se conta, porque até esse momento falava mais alto a poupança de combustível obtida pela trajetória mais curta e "à boleia" da corrente do canal de Moçambique. Muitos e de variadas nacionalidades terão sido os navios que, ao longo dos séculos, ali se perderam, mas foi especialmente dramático o naufrágio do paquete Waratah, que regressava a Inglaterra depois da sua viagem inaugural por terras da Austrália. Na longínqua noite de 27 de junho de 1909, desapareceu misteriosamente, com 211 passageiros a bordo, precisamente na mesma latitude onde ocorreu a experiência do Vera Cruz.

Mas isso é outra história...

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O testemunho na primeira pessoa é do cabo

Joaquim Fernando Madeira Martins,

o querido meu pai, a quem agradeço a partilha.

 

 

 

 

 

 

 

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As imagens são meramente ilustrativas do navio e da época, não da viagem relatada.

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Fontes

Relato de Joaquim Fernando Madeira Martins


Texto de Luís Filipe Morazzo, Revista da Marinha 941 dez. 2007-jan 2008 (não encontrei o original no citado nº da revista). Disponível em:

https://fdocumentos.com/document/o-vera-cruz-a-um-passo-do-abismo-por-luis-filipe-in-revista-marinha.html

 

Imagens

https://arquivos.rtp.pt/conteudos/chegada-do-navio-vera-cruz/

https://ccm.marinha.pt

http://ww3.aeje.pt/avcultur/Secjeste/Arkidigi/VeraCruz001.htm
imagens fornecidas por:

Postal da época - Col. José Bregieiro

Casimiro Simões Calafate

José Baleiras - Janeiro de 1971

Álvaro Jesus Vinagre

http://passengersinhistory.sa.gov.au/node/938852

https://www.reddit.com/r/UnresolvedMysteries/comments/6dnqmy/the_ss_waratah_vanished_in_1909_with_211_souls_on/

 

 

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Obrigada pelas visitas e pelas leituras dos textos que vou divulgando.
Obrigada sobretudo pelas perguntas, pelos comentários, pelos elogios e também pelas críticas: é fundamental saber a opinião de quem está “do outro lado”.
Obrigada pelas reações e pelas partilhas dos links no Facebook e em outras plataformas, que contribuem para que os meus posts cheguem a mais gente.
Obrigada pelas sugestões, pelas dicas, pelas ideias e informações que me foram chegando e que já deram origem a pesquisas e posts e às outras que ainda poderão ter esse desenvolvimento.


Dois anos de blog é muito pouco tempo, mas tem sido francamente bom.
Tenho um público pequenino, mas fiel e em expansão, o que é sempre reconfortante.


O principal é que tenho aprendido muito e me dá imenso prazer trabalhar esse conhecimento e partilha-lo com quem tiver interesse, através da minha forma de expressão preferida: a escrita.
E é por isso que agradeço.


Vou sem rumo ou tema definido. Sigo, ao correr do que, a cada dia, me vai despertando a atenção e espicaçando a curiosidade.
Obrigada por vir comigo.

Instantâneos (49): gigantes e sabonetes

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Em 1934, na I Exposição Colonial Portuguesa, uma das marcas nacionais mais conhecidas pensou em grande. Querendo destacar-se das demais apresentações de produtos daquele Portugal "do Minho a Timor", contratou um "gigante" que fez furor no certame. O regime queria ostentar todas as facetas do grande império português, os seus povos e paisagens, usos e costumes mas, contrariamente ao que se poderia pensar, dado o contexto, o elemento principal da apresentação da Ach. Brito não tinha origem em qualquer parte desse imenso território dividido por vários continentes., antes, tinha sido contratado na Alemanha.

A atração de que se fala era Heinrich Gleiser que, empoleirado numas andas que aumentavam a sua já considerável estatura e o erguiam a quatro metros acima do solo, percorria os jardins do Palácio de Cristal, divulgando os produtos da empresa portuense. A mesma companhia, aliás, também tratou de mostrar portentosas reproduções dos seus cheirosos sabonetes, com dimensão adequada ao "colosso" que os acompanhava e patrocinou autênticas "chuvas" perfumadas, ao lançar sabonetes a uma multidão ávida de novidades e "borlas".
Distribuídos foram também cartões para mais tarde recordar (como o que aqui se reproduz), onde a Ach. Brito, para que não restassem dúvidas, apregoava a "maior e mais completa fábrica de sabonetes e perfumarias do País", revelando que o seu segredo é a "massa finíssima que se transforma com a maior facilidade e doçura em leve e abundante espuma", garantindo que, com tais predicados, a marca só podia "fabricar inalteravelmente bom e sempre melhor".

A longevidade e o sucesso alcançados até hoje parecem comprovar que, nessa longínqua exposição de 1934, a Ach. Brito falava verdade.

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Pena que um outro gigante, esse legítimo e português – de Moçambique – só tivesse nascido dez anos após a iniciativa que aqui se relata. Gabriel Estêvão Monjane, media 2,65m, pesava 180 quilos e foi, no seu tempo, o homem mais alto do mundo. Na metrópole, onde chegou em 1969, causou grande curiosidade, apresentando-se em insólitos espetáculos onde a sua altura pouco usual era contemplada. Morreria cedo, vítima de um traumatismo resultante de uma queda, em 1989. Certamente, se já tivesse nascido no ano da I Exposição Colonial Portuguesa, teria sido o melhor embaixador da estratégia comercial da Ach. Brito e, simultaneamente, da imagem de um Portugal uno na sua diversidade, que o Estado Novo pretendia "vender".

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Fontes
Imagem
Arquivo Municipal do Porto
http://gisaweb.cm-porto.pt/
Cartão produzido pela Litografia do Bohão
Cota: D-EPH/A1-105

Industria Portuense de Sabonetes e Perfumaria – As Emblemáticas Fábricas
Claus & Schweder e Ach. Brito, de Sónia Couto. Disponível em https://www.academia.edu/35913773/Industria_Portuense_de_Sabonetes_e_Perfumaria_As_Emblemáticas_Fábricas_Claus_and_Schweder_e_Ach._Brito_-_só_texto


http://hemerotecadigital.cm-lisboa.pt/EFEMERIDES/exposicaocolonial/exposicaocolonial.htm

https://arquivos.rtp.pt/conteudos/gigante-de-manjacaze-regressa-a-mocambique/

Texto de Rui Ochôa: Setembro de 1989 A queda do gigante. Disponível em:

https://expresso.pt/blogues/blogue_um_olhar/setembro-de-1989-a-queda-do-gigante=f538929

O irmão Gentil esquecido

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Foi um dos mais importantes cirurgiões do seu tempo e a ele se deve o salvamento de muitas vidas. Apesar do inegável valor, José Gentil ficou sempre na sombra do irmão Francisco, mais sociável e diplomático.

Todos conhecem Francisco Gentil, o ilustre médico alcacerense fundador do Instituto Português de Oncologia. José, outro Gentil da mesma criação, foi igualmente importante na medicina, só que nunca fez questão de destacar-se. É quase desconhecido e, embora tenha sido um dos maiores cirurgiões do seu tempo, permaneceu na sombra do irmão mais novo, a quem não se rogaram homenagens.

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José Maria Branco Gentil esteve na vanguarda da medicina e dedicou a vida à sua profissão, no ensino, mas sobretudo no maior serviço de urgência do País, no movimentadíssímo Hospital de São José, em Lisboa. Foi nesse espaço que em 1937 se inaugurou – sem a presença do homenageado - uma lápide com o seu perfil em bronze, como agradecimento por todo o empenho.
Não admira, pois foi ali, pela sua mão enquanto diretor do “banco”, que se abriu uma nova página na cirurgia em Portugal.
Foi assim que a urgência do Hospital de São José, em vez das habituais cirurgias simples executadas por médicos pouco experientes, vulgares até ali, passou a acolher intervenções complexas e de praticamente todas as áreas, levadas a cabo por pessoal muito qualificado, nomeadamente médicos que haviam servido o País na I Grande Guerra e, por isso, estavam familiarizados com medicina de “combate”, com grande competência técnica, versatilidade e capacidade para decisões rápidas e eficazes.

Com isso, salvaram-se muitas vidas, como ficou provado nas estatísticas, que José Gentil foi o primeiro a publicar, em 1924.
Pioneira foi também a total reorganização do serviço, dotado de um anatomo patologista permanente e de um laboratório exclusivo, bem como a elaboração de meticulosos registos de todas as observações e intervenções efetuadas nos doentes, para que se aprendesse com os erros e com os exemplos.

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Ali se fizeram numerosos progressos, como as primeiras transfusões de sangue, um “ato de ousadia e inovação” para a época e em que Lisboa foi uma das primeiras cidades europeias a estrear-se. Tal espelhava a temeridade de um homem que, em vez de ocupar-se a escrever os progressos que ia obtendo, para garantir que mais tarde seria reconhecido, preferia arregaçar as mangas e trabalhar em contacto direto com os doentes e com os numerosos alunos que aprenderam com as suas demonstrações ao vivo.

 

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Em paralelo, devotou muito do seu tempo às “doenças das mulheres”. A enfermaria feminina de Santa Maria Ana transformou-se num “verdadeiro centro de aprendizagem e educação” sobre problemas ginecológicos, dando origem ao primeiro curso desta especialidade na Faculdade de Medicina de Lisboa.
E tudo isto com o mínimo de custos para os cofres públicos, com máxima dedicação, sem qualquer alarde, antes parecendo despreocupado e seco. A sua postura, nobre e honrada, obstinada em prol dos doentes, era, no entanto, pouco dada a diplomacias ou ao cumprimento cego das regras instituídas. Talvez isso explique o seu apagamento e a ingrata demissão do cargo de diretor do banco hospitalar de São José, de que foi alvo em 1930, classificada como uma “página infelicíssima da história” daquela unidade de saúde.


A Alcácer do Sal, José Gentil voltou muitas vezes e até muito próximo do fim da vida (em 1941), havendo ainda quem se lembre de o ver, já alquebrado pela idade, com dificuldade em sair do carro e conduzido por um motorista, passando longas horas na loja do senhor Quita-Quita, junto à sede da Calceteira (Sociedade Filarmónica Amizade Visconde de Alcácer).
Na terra que o viu nascer, o seu nome foi dado a uma estreita rua no bairro do Olival Queimado e a um colégio encerrado no pós 25 de abril de 1974. Honras bem diferentes das dadas ao seu irmão Francisco, que da nome a várias artérias da cidade e de outras localidades daquele concelho.

À margem

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Eram quatro os irmãos filhos de António Maria de Faria Gentil e de Maria Augusta Soares Branco: José Maria Branco Gentil, o mais velho (1870-1941); Maria da Glória Soares Branco Gentil; Francisco Gentil e António Soares Branco Gentil. A medicina corre-lhes nas veias. Tudo terá começado com Francisco Soares Franco, deputado, professor e médico da Real Câmara, bisavô desta prole nascida em Alcácer do Sal. Destes, apenas o filho António não seguiu medicina, tornando-se capitão de fragata. Na descendência do mais ilustre dos irmãos – Francisco - há também variados exemplos de profissionais de saúde do mais alto gabarito.
O mais conhecido é, muito provavelmente, o neto António Gentil Martins, conhecidíssimo cirurgião plástico e pediátrico, celebrizado pelas operações de separação de gémeos siameses, irmão de outro cirurgião, Francisco Gentil da Silva Martins.
O desporto ao mais alto nível também está presente no clã, destacando-se os nomes de Mário Gentil Quina, igualmente neto de Francisco Gentil, médico e velejador medalhado em conjunto com o irmão José Manuel, nos Jogos Olímpicos de Roma (1960). O genro (na imagem), António Augusto da Silva Martins (pai de António Gentil Martins), participou em dois Jogos Olímpicos (Antuérpia, 1920 e Paris, 1924), em provas de tiro e lançamento de disco. A sua carreira desportiva, no entanto, era muito mais vasta: no tiro foi campeão em todas as categoias desportivas que então existiam e “foi recordista na­cional em várias modalidades - peso, disco, dardo, salto em altura, salto em comprimento, salto em largura”. Há até quem o considere o atleta português mais completo de todos os tempos.
Mas isso é outra história...
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Já aqui antes falei da família Branco Gentil
O dia em que mataram o administrador do concelho

A primeira montada do Califa era um burro dado a coices

Marginal Ribeirinha era enorme lixeira

O escultor alcacerense que homenageou os outros mas quis passar incógnito

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Fontes
O professor doutor José Maria Branco Gentil, de Henrique de Vilhena, Instituto de Anatmia; Faculdade de Medicina de Lisboa - 1944.
A biblioteca pessoal de Albert Mac-Bride – História, medicina e organização da informação; dissertação para a obtenção do grau de mestre em Ciências de Documentação e Informação de Maria do Rosário Tavares Diniz Ferreira e Germano Perez Seara; Universidade de Lisboa - Faculdade de Letras – 2018. Disponível em https://repositorio.ul.pt/handle/10451/33576

https://www.yumpu.com/pt/document/view/15270937/professor-jose-maria-branco-gentil-faculdade-de-medicina-da-

http://www.seleccoes.pt/1/antonio_augusto_da_silva_martins_2427641.html

https://geneall.net/pt

 

Imagens com outras origens
Arquivo Municipal de Alcácer do Sal
José Maria Branco Gentil – jornal O Imparcial - 1926

Arquivo Fotográfico Municipal de Lisboa
http://arquivomunicipal2.cm-lisboa.pt

PT/AMLSB/NEG/000159
José Artur Leitão Barcia
PT/AMLSB/CMLSBAH/PCSP/004/BAR/000219
Joshua Benoliel
PT/AMLSB/CMLSBAH/PCSP/004/JBN/001139
https://toponimialisboa.wordpress.com/2014/06/23/a-rua-do-olimpico-antonio-martins-o-3o-desportista-da-toponimia-de-lisboa/

 

As escandalosas noites no palácio do conde de Magalhães

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Filmes pornográficos, danças indecorosas, jogo ilegal…tudo isto no centro da Capital, em instalações onde, anos antes, se reunia a fina flor do jet set lisboeta. A história do verão quente de 1912.

Um baile de subscrição organizado pelas “ilustres damas da nossa aristocracia”, onde se destacaram o aspeto “verdadeiramente deslumbrante“ dos salões e as “toilettes esplêndidas”. Um antro de depravação, onde se reúnem dezenas de pessoas “desregradas e imorais”, jogando e aplaudindo películas vergonhosas e danças obscenas Apenas cinco anos separam estas duas descrições do mesmo espaço. O que de tão drástico aconteceu para o Palácio Magalhães, em Lisboa, ter passado de poiso de ricos e famosos a espaço de entretenimento da ralé?

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Entre 1907 e 1912 tudo mudou. Um curto período de tempo, mas simultaneamente tão determinante, desde logo com a mudança do sistema político em Portugal. O magnífico Palácio Magalhães, no centro da Capital, onde se realizavam lendárias festas de beneficência (até 1910), transformou-se em espaço de atividades indecorosas, frequentado pela populaça, mas também por cavalheiros, comerciantes e até deputados da nação, com públicas virtudes e vícios privados.

A ocupação que o notável edifício teve nos anos de estreia da Primeira República (1910-1926) escandalizou as famílias honestas da cidade e deu origem a uma verdadeira campanha pelo seu encerramento, na qual o jornal A Capital teve um papel fundamental.

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No início do verão desse longínquo ano de 1912, o jornalista Victor Falcão, visitou incógnito o espaço e traçou uma imagem degradante do que ali se passava e de quem o frequentava. Ilegal ou não, o Grupo Luso Brasileiro, em outra reportagem também denominado Club Eritanha, que funcionava no Palácio Magalhães, fazia-se divulgar através de panfletos distribuídos pelas ruas. À entrada, pagava-se sete tostões, mais um vintém de imposto de selo, cobrado à parte, sinal que, antes, como hoje, o fisco é omnipresente, qual divindade pagã.

 


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O interior primava pela semiobscuridade, num percurso labiríntico entre salas com “fauna” e movimentações diversas, consoante o gosto dos frequentadores: um verdadeiro recinto multiusos, como hoje se designaria.
A primeira experiência era o animatógrafo só para homens. No ecrã, exibiam-se “peliculas vergonhosas”, “tudo o que de mais repugnante e imoral se possa imaginar”, para contentamento da assistência, que reagia “com gritos e outros tipos de manifestações de entusiasmo”, até mesmo os velhotes, habitualmente “cheios de gravidade”, e ali rejuvenescidos.

francis dov.jpgDepois começaram as danças lascivas, a cargo de uma espanhola com “feições cansadas dos prazeres mais lúbricos” e péssima cantora. Algo que, aparentemente, pouco importava à calorosa assistência, em especial quando a mulher descartava a “semicamisa”, com que tinha começado os seus ritmos inebriantes.
Outros salões do denominado “palácio do deboche” escondiam igual número de surpresas: uma fanfarra executando uma “valsa ligeira”; um bufete onde algumas fêmeas incitavam ao consumo e ainda uma roleta onde se jogava de forma desenfreada.
Ali estava a escória da sociedade, mas também “rendez vous elegantes” com políticos, “dos mais austeros costumes e rígida moralidade” e ainda oficiais do exercito, desde o general “rotundo e circunspecto”, cujo corpo é um “tição apagado”, ao alferesinho, que naquela “escola de todos os vícios” buscaria ensinamentos para “multiplicar os prazeres da carne até ao infinito”, intuía outro repórter, chocado com tanta devassidão e clamando uma intervenção do Governador Civil, a bem das famílias honestas e da inocência das suas crianças.

ballet  Carmona.jpg


Os meses seguintes foram pródigos em novidades: Victor Falcão prestou declarações na polícia; recebeu cartas insultuosas e ameaçadoras dos assíduos do espaço, mas também outras de residentes na rua, que corroboravam a luta contra a imoralidade. Finalmente, noticiou-se o encerramento do Palácio Magalhães, desmentido por referências noutro órgão de informação.

hermanas bermejo.jpg


Mais não sabemos, porque se seguiu um silêncio sobre o tema.
Certo é que esse foi um verão muito quente em Lisboa, porque não faltam relatos de imoralidades a cada esquina. Parece que, por cada antro encerrado, mais surgiam, para escândalo de uns e gaudio de outros, das “prostitutas meio despidas” que pululavam pelas ruas, ao Club Paris que, na rua da Glória, tinha uma oferta “em tudo semelhante” à do Palácio Magalhães; passando pela “tourada só para homens” que os dinâmicos e criativos promotores do mencionado club organizaram e onde toureiras despudoradas desafiavam bezerros de leite. Um espetáculo no mínimo inusitado e criativo!
Tudo apenas aperitivos para o que se seguiria, com os cabarets a “explodir” em Lisboa apenas na década seguinte.

À margem


palacio magalhaes.gifO célebre palácio da rua de São José pertenceu ao espanhol António José de Orta, 1º Visconde de Orta, com cuja filha – D. Antónia Maria – casou António Joaquim Vieira de Magalhães – 1º Conde de Magalhães - que daria ao edifício muito do seu esplendor e a denominação que prevalece. Este político, que chegou a ocupar o cargo de ministro dos Negócios e da Fazenda (1870) e presidente da Companhia Real dos Caminhos-de-Ferro Portugueses, quando morreu, em 1903, era também ministro de Estado honorário e comendador da Ordem da Conceição.

António_Joaquim_Vieira_de_Magalhães wikipedia.jp

Desconheço como o imóvel passou a estar ocupado pelas atividades indecorosas aqui retratadas, já que permaneceu na família até 1948, quando foi adquirido pelo Ministério da Guerra à filha e herdeira do Conde, Maria Antónia d’Orta Vieira de Magalhães. Ali funcionou a Cooperativa Militar, até 1998. Alberga o Centro de Apoio Social de Lisboa (CASL) e é possível agendar visitas guiadas gratuitas: pelo menos é o que se anuncia na Internet. O palácio do Conde de Magalhães é um dos três edifícios onde se perspetivava desenvolver um projeto de turismo militar, que suscitou logo imensa polémica, assim que foi anunciado, em 2016.
Mas isso é outra história…
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As imagens são todas dos anos 40, 50, ilustrativas de artistas de cabaret com apresentação em Lisboa. Da época, não encontrei.
Para saber mais sobre os cabarets em Lisboa a partir dos anos 20, aconselho este excelente trabalho do blog Restos de Colecção

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Fontes
Hemeroteca Digital de Lisboa
http://hemerotecadigital.cm-lisboa.pt/
Jornal A capital
Nº661 - 1 jun 1912 ao nº871 - 31 dez. 1912
Biblioteca Nacional de Portugal, em linha
www.purl,pt
Diário Illustrado
21º ano, nº6:898 – 11 jun. 1892
32º ano, nº10:965 – 10 set. 1903
37º ano, nº12:132 – 22 jan. 1907
40º ano, nº13:102 – 8 mar. 1910

Jornal Diário de Notícias
https://www.dn.pt/portugal/interior/militares-querem-abrir-um-hotel-no-hospital-da-estrela-5029828.html
14 fev. 2016, consultado em 20 jan. 2019

https://geneall.net/pt/nome/40421/antonio-joaquim-vieira-de-magalhaes-1-conde-de-magalhaes/

http://www.iasfa.pt/lisboa.html

https://pt.wikipedia.org/wiki/António_Joaquim_Vieira_de_Magalhães
Imagens
Arquivo Municipal de Lisboa
http://arquivomunicipal.cm-lisboa.pt/pt/
Rua de São José
Armando Maria Serôdio
PT/AMLSB/CMLSBAH/PCSP/004/SER/S04906


https://www.iasfa.pt/lisboa.html

https://pt.wikipedia.org/wiki/António_Joaquim_Vieira_de_Magalhães

 

 

Instantâneos (48): à martelada

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O que é que um grupo de homens tão distintos, de chapéu alto e traje aprumado, faz de martelo na mão? Não estão com "cara de poucos amigos", por isso não será plausível que a cena seguinte seja desatarem à martelada uns aos outros. Também dificilmente parecem carpinteiros, com as indumentárias janotas que envergam. E quem é o mais destacado deste másculo comité, o único de vestimenta clara, ao centro?
O louro e jovem cavalheiro muito bem agasalhado para enfrentar o dezembro britânico é o príncipe real de Portugal. Em 1883, com apenas 20 aninhos, D. Carlos deslocou-se a Inglaterra e aproveitou para presidir à cerimónia de "bater da cavilha" de um navio português em construção nos estaleiros de Blackwall. É disso que trata essa imagem caída no esquecimento, tal como o ritual que retrata parece ter caído em desuso.
Na época, era comum os mais altos dignitários da nação, a começar pelos homens da família real, continuando com os seus conselheiros e ministros, participarem neste cerimonial simbólico, também habitualmente aberto ao público, aqui visivelmente na retaguarda, observando os "importantes" de longe, espreitando esta nesga de brilho nas suas vidas humildes.

O ato, também denominado de "bater o rebite" ou "cravar a cavilha mestra" ou na "caverna mestra" - em embarcações construídas em madeira - poderá ser comparável ao assentar a primeira pedra num edifício. Frequentemente, no momento da "martelada", gritava-se o nome com que o navio seria batizado.
Neste caso, o Thames Ironworks and Shipbuilding Company estava a laborar na corveta Afonso de Albuquerque, que seria lançada à água no verão do ano seguinte.
Tinha uma guarnição de 170 homens, pouco mais que 62 metros de comprimento, uma estrutura de ferro forrada a madeira e zinco, bem como propulsão mista, a vapor e à vela. Foi o primeiro navio de guerra português com iluminação elétrica a bordo.
Esteve no ativo até 1909, sobretudo em Angola e no Brasil, onde ainda participou na proteção aos cidadãos portugueses durante os tumultos que ali tiveram lugar aquando da revolta da Armada contra o governo, em 1893.

É claro que a expressão "bater a cavilha" se presta a variadas e imaginativas utilizações, que aqui não se podem reproduzir. Que o diga um dos maiores poetas de língua portuguesa, Gregório de Matos Guerra, que compreensivelmente ficou para a história como o "boca do Inferno", tendo usado esta e outras frases de forma bem mais "picante".

corveta afonso de albuquerque.JPG

 


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Fontes
http://www.forumdefesa.com/forum/index.php?topic=2621.0
https://arquivohistorico.marinha.pt/details?id=14634
http://alernavios.blogspot.com/2010/09/afonso-de-albuquerque.html
http://www.osdicionarios.com/c/significado/cavilha
https://pt.wikipedia.org/wiki/Afonso_de_Albuquerque_(corveta)

Jornal O Distrito de Aveiro
nº91; 2º ano - 16 mai. 1862
nº293; 4º ano – 3 mai. 1864

 

Metalinguagem Fescenina de Gregório de Mattos Guerra, de Ruy Magalhães de Araujo - Universidade Federal do Rio de Janeiro. Disponível em http://www.filologia.org.br/revista/14/08.pdf

Imagens
Museu de Marinha
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