Em Portugal ninguém pareceu ter dado por nada. Os jornais falavam de caçadas, visitas oficiais, eventos de gala e princesas pretendentes ao lugar de rainha de Portugal, mas em Paris El rei D. Manuel II só tinha olhos para a sua escandalosa mais recente amiga. O jovem monarca tinha-se apaixonado logo na primeira viagem ao estrangeiro e a culpa era da Gaby.
Assim que D. Manuel II assumiu o trono, com uns tenros 18 aninhos, reuniram-se todos os alcoviteiros do reino para lhe arranjar uma mulher condicente com sua idade e condição. Nada menos que uma nobre donzela de tiara na cabeça e proveniente de uma qualquer casa real europeia. Mas o desafio era espinhoso: Portugal não estava em condições de regatear condições; o ambiente tumultuoso não era propício a histórias encantadas e o rei, para além de juventude, beleza e culta inteligência, pouco mais tinha para oferecer.
Mesmo assim, não faltaram putativas noivas a que os jornais lusos deram destaque nos escassos dois anos e meio que durou o reinado do nosso último monarca. No estrangeiro, no entanto, eram os encontros com a brilhante estrela dos palcos que dominavam as parangonas.
Por cá, D. Manuel foi apontado como prometido a Vitória Luísa da Prússia (ao lado).
A única filha de Guilherme II da Alemanha, no entanto, sonhava com mais altos voos e acabaria por casar, em 1913, com Ernesto Augusto de Brunsvique, líder de uma casa real inimiga, o que, para além de romântico, acabaria por ser a aliança política mais conveniente. Protagonizaram uma história ao estilo de Romeu e Julieta, mas com final feliz.
A louríssima e gélida Alexandra de Fife (na imagem em baixo acompanhada pela irmã Maud), neta dos reis ingleses, foi outra noiva que quiseram arranjar a D. Manuel, mas o compromisso acabaria por ser rapidamente desmentido. Casaria, dois anos depois, com Artur de Connaught, curiosamente irmão de mais uma alegada pretendente a cara-metade do nosso rei.
Esta outra menina casadoira era Vitória Patrícia. Nascida no palácio de Buckingam, era também irmã da então princesa consorte da Suécia e chegou a ser apresentada na imprensa como futura rainha de Portugal.
O facto de ter estado em Lisboa quatro anos antes dava credibilidade ao enredo, que não passou disso mesmo. É que, tal como outros elementos da sua família, Vitória Patrícia (em baixo) provaria não ter interesse em ser alteza, em Inglaterra, Portugal ou qualquer outro país, porque casou com um plebeu e abdicou de todos esses pesados títulos a que, por berço, tinha direito.
O que os jornais portugueses pouco falavam, mas toda a gente bem informada comentava e a imprensa estrangeira alardeava, era que o reizinho recentemente aclamado demonstrava mais curiosidade por artistas do que por cabeças coroadas ou assuntos de Estado.
No final de 1909, na sua primeira viagem ao estrangeiro – com passagem por Espanha, Inglaterra e França - conheceu a bela e espampanante Gaby Deslys e não mais a largou.
Para os inimigos da monarquia, que tinham primeiro tentado fazer passar a imagem de um D. Manuel frouxo, política e sexualmente, o romance com a vedeta, conhecida pela beleza, as atuações atrevidas e os chapéus exuberantes, era o pretexto ideal para apontar o jovem rei como um playboy, que gasta o seu dinheiro e o do País em presentes para a sua amante dominadora e suspeita de ser uma perigosa espia a mando de quem queria o mal de Portugal.
Efetivamente, a atriz francesa era a personagem perfeita para uma história que se queria sórdida e sumarenta. Tinha mais oito anos que o monarca, eram-lhe conhecidas diversas e aventuras e fazia questão de se apresentar sempre carregada de aparatosas joias, que rapidamente se disse terem sido oferecidas pelo real namorado.
Este, acossado pelos opositores políticos, gerindo dificilmente as quedas dos "seus" governos – seis durante o reinado - criticado até pela própria mãe – a quem tinha chegado um libertino na família: o seu próprio marido - viu nos braços da artista o alívio celestial para tanto stress.
Não perdia qualquer oportunidade de a visitar e chegou a recebê-la em Portugal. Gaby terá acompanhado D. Manuel num retiro terapêutico que este fez no Buçaco e as más línguas dizem mesmo que chegou a pernoitar diversas vezes no Paço das Necessidades, residência oficial do soberano.
Apesar do escândalo, que contribuiu para o sucesso mundial da "favorita" do rei e para a ruína deste, a verdade é que Gaby Deslys não precisava dos favores de um monarca pelintra como D. Manuel, pois os seus rendimentos seriam bem mais folgados do que os do homem com quem partilhou o leito entre o final de 1909 e meados de 1911.
Quando o rei já tinha sido derrubado e dos Estados Unidos surgiram contratos milionários para as suas apresentações, a diva não hesitou, virando as costas à Europa e ao seu amante, destronado e falido.
Mesmo no exílio e dando algum alento aos que ainda acreditavam no regresso da monarquia, D. Manuel acabaria por casar com uma "quase" princesa. Augusta Vitória de Hohenzollern-Sigmaringen não chegaria efetivamente a ser rainha, como o marido não voltaria a governar.
À margem
O casamento de D. Manuel II com Augusta Vitória de Hohenzollern-Sigmaringen, celebrado em setembro de 1913, foi tudo menos um conto de fadas,
Logo na lua-de-mel a noiva adoeceu e teve de receber tratamento hospitalar em Munique. O secretismo em torno da doença – que não terá passado de uma gripe – gerou logo o boato que se teria arrependido do enlace e queria abandonar o marido. No ano seguinte, a pressão sobre o casal intensificou-se com o eclodir da I Grande Guerra. Como seria de esperar, Augusta Vitória, uma germânica Hohenzollem de origem, era a favor das pretensões alemãs, enquanto que Manuel, pelas suas fortes ligações familiares e afetivas a Inglaterra e pela posição de Portugal no conflito, estava claramente do lado dos aliados, tendo até oferecido os seus préstimos aos exércitos deste eixo. Imagine-se como terá sido o ambiente caseiro durante os quatro anos de guerra...Anos depois, outro revés: a casa de Fulwell Park, onde viviam, foi assaltada, tendo os gatunos levado consigo pinturas, antiguidades, pratas e joias, no valor de milhares de dólares.
Apesar da vida relativamente confortável que, no conjunto dos anos, terão levado, confraternizando com a sociedade local e um grupo restrito de amigos fiéis, duas nuvens pairaram sempre sobre o casal real: a frequente falta de liquidez financeira que o rei deposto teve que enfrentar e, mais grave que tudo, o maior infortúnio nas uniões destinadas a assegurar dinastias: nunca tiveram filhos.
Quanto a Gaby, a estrela do cinema, dos palcos e dos cabarés, registaria um estrondoso sucesso por terras americanas, nomeadamente com o "mérito" de introduzir o streaptease na Broadway. No entanto, também não viveu feliz para sempre: morreu ainda mais jovem que D. Manuel. Complicações derivadas da Gripe Espanhola mataram-na há 100 anos (em 11 de fevereiro de 1920).
Mas isso é outra história...
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Fontes
Hemeroteca Digital de Lisboa
http://hemerotecadigital.cm-lisboa.pt/
Illustração Portugueza
II série; nº197 – 29 nov. 1909
II série; nº198 – 6 dez. 1909
II série; nº199 – 13 dez. 1909
II série; nº223 – 13 jun. 1910
II série; nº312 – 12 dez. 1912
II série; nº731 – 23 fev. 1920
Biblioteca de Portugal em linha
www.purl.pt
Diário Illustrado
39º ano; nº13.020 – 30 nov. 1909
39º ano; nº13.022 – 2 dez. 1909
39º ano; nº13.025 – 5 dez. 1909
The Downfall of a King: Dom Manuel II of Portugal, de Russell Earl Benton;
Louisiana State University and Agricultural & Mechanical College, disponível em https://digitalcommons.lsu.edu/gradschool_disstheses/2818
https://pt.wikipedia.org/wiki/Gaby_Deslys
https://pt.wikipedia.org/wiki/Vitória_Luísa_da_Prússia
https://pt.wikipedia.org/wiki/Alexandra,_2.ª_Duquesa_de_Fife
https://pt.wikipedia.org/wiki/Patrícia_de_Connaught
https://pt.wikipedia.org/wiki/Augusta_Vitória_de_Hohenzollern-Sigmaringen
https://bucaco.blogs.sapo.pt/9852.html
https://www.imdb.com/name/nm0221352/bio?ref_=nm_ov_bio_sm
Arquivo Fotográfico Municipal de Lisboa
http://arquivomunicipal2.cm-lisboa.pt
José Artur Leitão Barcia
PT/AMLSB/CMLSBAH/PCSP/004/BAR/001253
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PT/AMLSB/POR/053916
PT/AMLSB/BEK/001/000136