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O sal da história

Crónicas da história. Aventuras, curiosidades, insólitos, ligações improváveis... Heróis, vilões, vítimas e cidadãos comuns, aqui transformados em protagonistas de outros tempos.

O sal da história

Crónicas da história. Aventuras, curiosidades, insólitos, ligações improváveis... Heróis, vilões, vítimas e cidadãos comuns, aqui transformados em protagonistas de outros tempos.

Instantâneos (60): o navio que tinha medo da água

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Os navios são construídos para navegar. Alguns, no entanto, desafiam essa afirmação aparentemente indesmentível. Em 1920, o vapor Lordelo surpreendeu tudo e todos ao recusar-se a enfrentar as águas, mesmo tendo sido repetidamente empurrado e puxado.

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A embarcação em madeira, de 204 pés de comprimento*, foi concebida nos estaleiros do Ouro e os acontecimentos que rodearam a sua estreia teriam feito corar de vergonha todos os extraordinários construtores navais e lobos-do-mar que passaram por aquela zona do Porto que também deu nome a este azarado vapor da Companhia de Navegação Portuense.

 


Tudo terá decorrido normalmente até ao grande dia em que o Lordelo deveria ter sido lançado à água, cumprindo o propósito para o qual havia sido criado.

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Aí, perante mirones que sempre aparecem nestes momentos e gente importante convidada para a ocasião solene, o Lordelo negou-se. Não se mexeu quando lhe cortaram os cabos principais de amarração; nem quando lhe aliviaram as escoras. Quedou-se mesmo quando um rebocador, chamado em desespero de causa, o puxou vigorosamente, só conseguindo rebentar os seus próprios cabos e amarras.
Esgotadas as alternativas, os trabalhos só recomeçaram no dia seguinte, mas em vão. Nos três dias que se seguiram, todas as tentativas de colocar o Lordelo nas águas do Douro foram em vão. Só depois, talvez já cansado de tanta teimosia, é que o vapor se dignou deslizar para o seu meio “natural”, onde se finalizaram os aprestos necessários para que entrasse no ativo.
Este começo titubeante foi prenúncio do que se seguiria, porque, ao que foi possível apurar, o Lordelo não teve uma vida longa e fulgurante.
A informação recolhida dá conta que, dois anos após o seu atribulado lançamento às águas, voltou a parar, desta vez nas Canárias. Esteve muitos meses no porto de Las Palmas porque as suas máquinas não tinham força para o fazer navegar satisfatoriamente.

A partir daí, perde-se-lhe o rasto, embora tenha encontrado informação dando conta que o Lordelo só terá efetuado uma grande viagem, aos Estados Unidos da América, o que não consegui confirmar em documentação da época
É caso para dizer: o que nasce torto…tarde ou nunca se endireita.
Quanto ao estaleiro de Lordelo do Ouro, a sua reputação de cerca de cinco séculos na construção das mais imponentes naus não seria minimamente beliscada por esta embarcação degenerada e continuaria em atividade até 2005.
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*Cerca de 60 metros.
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Fontes
Hemeroteca Digital de Lisboa
http://hemerotecadigital.cm-lisboa.pt
Illustração Portugueza
II série; nº 746 – 7 jun 1920

O Paiz
http://memoria.bn.br/pdf/178691/per178691_1922_13854.pdf
Ano XXXVIII; nº13854 – 25 set 1922

https://aviagemdosargonautas.net/2016/12/01/uma-carta-do-porto-por-jose-magalhaes-158/

Porto - A construção de um espaço marítimo no início dos tempos modernos, de Amândio Jorge Morais Barros; Academia de Marinha, 2016. Disponível em: https://academia.marinha.pt/pt/academiademarinha/Edies/Porto_Constru%C3%A7ao%20de%20um%20espa%C3%A7o%20maritimo.pdf

 

Mil caras e estratagemas do “Físico-mor”

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Nunca feriu ou agrediu alguém. O modo de operar deste vigarista dandy era outro. Vestido com aprumo, fazia-se passar por alguém com nome sonante ou profissão influente, vidas imaginadas ao ínfimo pormenor e contadas com um arrojo nunca visto. Assim, ganhava a confiança das vítimas que se esforçavam por lhe colocar avultadas somas nas mãos.

 

senhor a cavalo 1.JPGImaginação prodigiosa, descaramento sem limites e um enorme talento para a representação. Estavam reunidas as características para formar um artista amplamente admirado. Em vez disso, criou-se um burlão cuja identidade nem a polícia conseguiu alguma vez determinar com certeza, tantas foram as personagens inventadas por aquele que, na Galeria dos Criminosos Célebres (ver à Margem), ficou conhecido como o “Físico-mor”.
Nenhum crime de sangue, desacato ou desobediência mancham o seu currículo impecável de vigarista dandy, que impressionava pelo fino trato, elegância e educação com que, habilmente, manipulava as suas vítimas de forma a extorquir-lhes avultadas somas sem elas darem por isso, antes, oferecendo-se para as entregar ao cativante homem.

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Profissões teve muitas, todas pomposas, mas só na sua lábia, porque, efetivamente, que se saiba, apenas houve uma ocupação legal, a de corretor num hotel de Viana do Castelo, cidade onde terá nascido, presumivelmente em 1858. Aí, observando atentamente quem o rodeava, terá aprendido a forma de estar, falar e agir das classes dominantes, com as quais obviamente se identificava.


Munido de tão preciosa formação, aos 25 anos, rumou a Lisboa – em 1ª classe, claro. Fato irrepreensível, monóculo insinuante, cabelo bem aparado, olhar expressivo e gestos desenvoltos, a combinar com a vivíssima inteligência.

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Começou por passear-se demoradamente a cavalo pelos locais onde a alta sociedade flanava o seu ócio, granjeando rapidamente um conjunto de conhecimentos circunstanciais que lhe seriam úteis no futuro.

 

A fama de distinto sports man assentava-lhe bem e era fundamental para os pequenos ardis que começou por montar, enganando aqui e ali, obtendo produtos luxuosos e favores caros que se tornaram o seu modo de vida.


O truque era sempre criar na vítima a vontade incontrolável de lhe colocar à disposição o bem que pretendia e que depois, claro está, nunca pagava ou restituía. O método, então pouco documentado em Portugal – o Físico-mor foi, assim, um visionário - tinha já “escola” em França, onde estes indivíduos eram conhecidos como escroques.

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Passou a ser presença assídua à chegada dos paquetes vindos do Brasil. Em cada viagem, o passageiro com ar mais abastado era a sua presa de eleição, facilmente conseguindo ganhar a sua confiança e até amizade.
Falava com desenvoltura de locais onde nunca havia estado, de pessoas que jamais vira, de atributos profissionais apenas conhecidos de ouvido, mas que ele conseguia petulantemente “embrulhar” como se neles fosse especialista, apresentando-se com tal arrojo que a todos enganava, obtendo valores mais ou menos significativos, dependendo da história que conseguia urdir.

 

 

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Quando receava ser reconhecido num determinado circuito, mudava de poiso de “caça”, entrando com enorme desplante em instituições públicas e casas abastadas, participando com distinção em soirées cultas e eventos ilustrados.

Apesar de analfabeto, a todos impressionava com a sua erudição.


Como tinha um medo terrível de ser apanhado, quando suspeitou que corria risco em Lisboa, rumou à província, onde usou os mesmos estratagemas.

 

 

 

 

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Médico, diretor clínico de hospital; lavrador; advogado; comissário de polícia; engenheiro; estudante de medicina; chefe de bombeiros…..Doutor Felgueiras de Amorim; Alfredo de Sousa, Alfredo Frederico Fernandes; Jorge Frederico de Brito Viriato…. Ninguém sabe bem quem foi o Físico-mor, embora se pense que o seu nome verdadeiro terá sido Luís Augusto Pereira, já que foi o que usou mais tempo e no final da vida, quando, depois de ter sido apanhado em Lisboa, começou a andar de cadeia em cadeia, sem conseguir fugir nem sequer à tuberculose, que já o consumia e impedia que se apresentasse com o alinho que lhe era habitual, principal característica para ser bem-sucedido nas suas manhas.

 

 

O seu último furto foi um guarda-chuva. Morreu na cadeia de Évora, a 9 de abril de 1886. Teria apenas 28 anos.

 

À margem

O Physico-mor – como então se escrevia - é o primeiro da Galeria de Criminosos Célebres, uma obra constituída por sete volumes escritos entre 1896 e 1908 por vários autores em que são passadas em revista as vidas e “proezas” dos maiores criminosos portuguecatch-featured ultima.jpgses dos finais do século XIX, sob o ponto de vista jornalístico e científico.
Depois de encerrado este trabalho, muitas outras figuras do crime teriam certamente logrado impressionar os editores o suficiente para poder integrar o elenco, até porque, comparados com alguns dos criminosos modernos, os antigos são uns verdadeiros anjinhos.
Por esse mundo fora, certos burlões ficaram para a história tanto pelo volume do que conseguiram “desviar”, como pelo inusitado dos esquemas inventados. Como Víctor Lustig, que ficou conhecido por ter vendido a Torre Eiffel, por duas vezes; ou Charles Ponzi ao qual é atribuída uma das maiores fraudes do século XX, no valor de 50 milhões de euros, num esquema ainda hoje usado em versões online.

 

Comum é a invenção de identidades falsas. Nessa “arte” há os que acabam mal, como o Físico-mor, e os que singram, conseguindo transportar para uma vida relativamente honesta os conhecimentos obtidos do outro lado da lei. Esse é o caso de Frank Abanagle Jr., sobre o qual até já se fez um filme*. Criou pelo menos oito personagens diferentes para si próprio e desviou cerca de três milhões de euros em 26 países. Depois de apanhado, cumpriu pena e fundou a Abagnale & Associates, uma empresa de consultoria especializada em fraudes, que foi um sucesso e lhe permitiu manter a vida de milionário que sempre desejou.
Mas isso é outra história….


……
*“Catch me if you can”, com Leonardo Di Caprio

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Fontes
Do crime e da loucura; de A.Victor Machado; Henrique Torres-Editor: Lisboa-1933. Disponível em: https://archive.org/stream/DoCrimeEDaLoucuraMachado/Do%20crime%20e%20da%20loucura%20Machado#page/n1/mode/2up
Infâmia e Fama – O mistério dos primeiros retratos judiciários em Portugal (1869-1895), de Leonor Sá; Edições 70, maio 1918.

https://melhorde10.com/10-mentirosos-burloes-famosos-que-ficaram-para-a-historia/
https://www.2oceansvibe.com/2019/11/15/real-catch-me-if-you-can-con-artist-says-you-should-never-post-these-three-things-on-social-media-video/
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Fotografias
Arquivo Fotográfico Municipal de Lisboa
http://arquivomunicipal.cm-lisboa.pt/pt/

PT/AMLSB/PEX/001293
PT/AMLSB/CMLSBAH/PCSP/004/LSM/000452
Joshua Benoliel
PT/AMLSB/CMLSBAH/PCSP/004/JBN/002738
PT/ PT/AMLSB/CMLSBAH/PCSP/004/ACU/001861
Alberto Carlos Lima
PT/AMLSB/CMLSBAH/PCSP/004/LIM/000742
PT/AMLSB/CMLSBAH/PCSP/004/LIM/001557
…………….
À exceção dos retratos do Físico-mor, as imagens presentes são meramente ilustrativas da época e situação.

 

Instantâneos (59): brio e gente para homenagear o mais ilustre médico

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Meninas vestidas de branco com imaculados laços prendendo os cabelos; rapazes fardados, empunhando a bandeira da Mocidade Portuguesa; bandas de música tocando pelas ruas, orgulhosas dos seus uniformes e estandartes; campinos vindos das maiores casas agrícolas do concelho; senhores de fato domingueiro, damas com os seus mais vaporosos vestidos, pois que desfilar em pleno mês de junho não é nada fácil no Alentejo. Flores, faixas laudatórias, danças e cantares, discursos, descerramento de lápides e até uma “merenda regional” servida no cineteatro local…Alcácer do Sal encheu-se de brio e de gente nas ruas para prestar uma homenagem inolvidável a um dos seus mais ilustres filhos, Francisco Gentil, insigne médico a quem devemos a criação do Instituto Português de Oncologia (IPO).

 

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Foi a 28 de junho de 1953, um glorioso domingo em que o “filho pródigo” (na imagem, de chapéu) regressou a casa. Meses antes, uma comitiva alcacerense havia-se deslocado a Lisboa comunicando a intenção de organizar tal comemoração. À frente deste grupo estava outro médico, Acácio Abreu Faria, que chamou a si a congregação de todas as vontades com o objetivo de enaltecer Francisco Gentil na terra que o havia visto nascer, 75 anos antes.

Um grupo de senhoras das “melhores” famílias da terra uniu-se para tratar de todos os pormenores que só a atenção homenagem a francisco gentil 3.jpgfeminina consegue abarcar.

Os homens trataram dos contactos institucionais e das verbas necessárias, claro está.

Veio o Governador Civil, o Arcebispo de Évora e muitas outras figuras locais e regionais dignamente recebidas nos Paços do Concelho pelo então presidente do município, José Fernandes Lince.

 

 

 

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Depois foi a romagem ao largo onde ainda hoje se ergue a casa-berço de Francisco Gentil e que, desde esse dia, deixou de ostentar o nome de outro distinto alcacerense (João Aragão Mascarenhas) ali também nascido, cuja importância se perdeu no pó do tempo, quiçá injustiçado, pois que, com a opção de homenagear o talentoso médico, “apagou-se” o outrora eminente deputado.

Houve ainda tempo para uma exibição de danças e cantares regionais, com mondinas e mondadeiras de Alcácer; ceifeiras do Torrão e tocadores de gaitas-de-beiços, em que também não faltou o som mais genuíno destas terras à beira-rio: o Ladrão do Sado, que certamente Francisco Gentil não ouvia nos salões internacionais que então frequentava.

 

 

 

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Fontes
Biblioteca Municipal de Setúbal
Jornal O Distrito de Setúbal
1953

Imagens
Arquivo Histórico Municipal de Alcácer do Sal
PT/AHMALCS/CMALCS/BFS/01/01/09/001-011
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Os meus agradecimentos a Maria Antónia Lázaro, pelos “recortes de jornal”.

Heróis do acaso 7 (especial): galeria de crianças notáveis

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Dezenas de pequenos grandes heróis desfilaram pelas cerimónias de entrega dos Prémios Vale Flor, herança de uma mãe amargurada, que converteu a dor na homenagem a crianças tão valentes quanto pobres, em nome dos filhos que perdeu.

 

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Pobres, corajosos, altruístas e jovens. Assim eram os “moços heróis” que a Fundação Vale Flor homenageava anualmente, escolhendo entre dezenas de candidaturas que atestavam outros tantos atos destemidos e abnegados. Os prémios, entregues em cerimónias públicas por este país fora, cheias de entidades oficiais, discursos um tanto paternalistas e formalidades estranhas à esmagadora maioria dos agraciados, haviam sido criados por uma mãe amargurada pela morte dos seus também jovens filhos.

 

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Delfina da Silva Cerqueira e Celso Campilho Ferreira foram os primeiros a receber o galardão pelos seus feitos, corria o ano de 1950. As suas histórias deram o mote para as crianças que se lhes seguiram nesta galeria de notáveis desconhecidos.

 


Delfina, órfã, natural de Viana do Castelo, desde os 11 anos que carregava nos ombros o sustento da família – cinco irmãos – vendendo peixe pelas ruas da cidade. Celso não venceu pelo esforço, mas pela honestidade, porque, embora proveniente de lar paupérrimo – com sete irmãos e “ganhos reduzidíssimos” – devolveu, intacto, um sobrescrito recheado de dinheiro, que encontrou perdido.

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As suas vivências foram, como era exigido, atestadas por alguma entidade idónea da terra: o padre, o professor ou o presidente da câmara, por exemplo. Mesmo assim, muitos foram os relatos de façanhas dignas de nota que não foram atendidas pelo Montepio Geral, encarregue de administrar a fundação criada para atribuir os prémios, tantas eram as situações limite a que as crianças eram submetidas, obrigadas pelas circunstâncias a assumir decisões que nem os adultos seriam capazes de tomar, resoluções de vida ou morte.

E, a cada ano, apenas um menino e uma menina teriam a recompensa pelos seus feitos.


As raparigas tendiam a destacar-se enquanto mulheres à força, que garantiam opremios vale flor 5 novo.jpg sustento da família e o colo à numerosa prole, embora também se registassem ações de grande intrepidez da sua parte, ombreando com os rapazes no salvamento de outras crianças ou até adultos, resgatados da morte certa, prestes a afogar-se nas águas dos rios e na nossa extensa costa; presos em edifícios em chamas; à mercê de animais perigosos, a um passo do abismo.

 

 

Os enérgicos quadros em que os jovens se evidenciaram eram, aliás, minuciosa e coloridamente descritos nas cerimónias, assistidas pelo Chefe de Estado e até transmitidas na televisão.

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Os pequenos grandes heróis, dos 7 aos 17 anos de idade, tinham o seu momento de reconhecimento, acompanhado por uma recompensa monetária que não recebiam imediatamente, mas ficava a render juros na Caixa Económica de Lisboa, em conta que podiam liquidar assim que atingissem a maioridade ou fossem emancipados. Dada a miséria comum à maioria, uma pequena parte do prémio de 17 contos de reis – cerca de 8.500 euros* - era habitualmente entregue de imediato, para mitigar as necessidades mais prementes dos seus miseráveis agregados familiares.

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Tudo, em nome de Jenny e José Luís Vale Flor, que nada souberam destes valentes. As suas curtas vidas também nada tiveram que ver com esta realidade humilde, pois nasceram em lar farto e opulento. A sua morte prematura foi o pretexto para que a mãe, Maria do Carmo Dias Constantino Ferreira Pinto, marquesa de Vale Flor, amargurada pela perda e querendo converter a dor em algo útil, instituísse a fundação e os prémios**.

 

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Desconheço se este empurrão foi decisivo para que alguns destes heróis pudessem quebrar a sina de pobreza que parecia estar traçada desde o nascimento. Nas suas terras de origem, garantidamente foram famosos durante meses ou até anos... para depois voltarem a cair no esquecimento.

 

 

 

 

 

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*Valor atualizado, calculado com base na ferramenta disponibilizada pelo INE – Instituto Nacional de Estatística. Disponível em: https://www.ine.pt/xportal/xmain?xpid=INE&xpgid=ipc
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**Foi igualmente criado o Instituto Marquês de Vale Flor, vocacionado para o desenvolvimento e a cooperação, tendo iniciado atividade como ONGD em 1988 em São Tomé e Príncipe, território onde o 1º marquês de Vale Flor, José Luís Constantino Dias, fez fortuna.
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Imagem 1 Maria Alice de sousa e os irmãos Manuel Perfeito e Aquiles Jorge Verde, premiados em 1959.
Imagem 2 Delfina da Silva Cerqueira e Celso Campilho Ferreira, os primeiros premiados, em 1950, com o presidente Óscar Carmona e outros ilustres.
Imagem 3 Maria Isabel Ferreira e Abílio Mota Mendes Rosa, que receberam o prémio em 1951
Imagem 4 Entrega de prémios de 1952, a Maria de Lurdes Borrego Saragoça e Joaquim da Silva Vale.
Imagem 5 Os três premiados de 1954, Maria do Carmo Ramos, José Gualter dos Santos e Joaquina Ferreira da Costa.
Imagem 6 Irene da Costa Marques e José Fernando Gonçalves da Cruz, premiados em 1955.
Imagem 7 Os vencedores de 1957, Elisa Machado Teixeira e António Carlos Soeiro Fernandes.
Imagem 8 Premiados em 1958, Joaquim António de Sousa e Rolinda Martins da Silva.
Imagem 9 Rosalina de Jesus Marques e Jerónimo Vicente, vencedores em 1960.
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Fontes
A Fundação Vale Flor e a sua primeira galeria de moços heróis (1950-1960); Montepio Geral; Lisboa – 1960
Hemeroteca Digital de Portugal
http://hemerotecadigital.cm-lisboa.pt
Diário Popular
14 dez 1967

Jornal A Capital
2 fev 1954

https://www.imvf.org/

https://geneall.net/pt

 

Instantâneos (58): as bichas que não eram solitárias

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Bicha para o tabaco, para o elétrico. Bicha para o açúcar, para a manteiga, pão, batata, peixe fresco no mercado ou outro qualquer produto alimentar. Bicha até para comprar bilhete para um espetáculo. Só não havia a bicha-solitária, porque o que esses momentos de espera menos tinham era solidão, tal a companhia numerosa e indesejada que invariavelmente um cidadão encontrava a cada esquina. Assim era Portugal há exatamente 100 anos, longe de conceitos hoje tão em voga, como distanciamento social, mas enfrentando uma realidade não menos complexa, em que não se sabia bem o que se conseguia levar para por na mesa à hora do jantar.


Se, em Lisboa, as filas eram o mais certo do dia-a-adia - para além dos tumultos, das greves e da dança de cadeiras nos sucessivos governos - na província, as aglomerações não se justificavam até porque alguns produtos de primeira necessidade nem sequer lá chegavam. Por vezes, nem o pão, mesmo em zonas produtoras de cereais, porque o trigo era açambarcado para matar a fome nas cidades.

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Em 1920, se precisava de ir às compras, o cidadão devia munir-se de muita paciência, tempo, um bom livro ou conversa fiada, para partilhar com os companheiros de espera. Devia também ser flexível, porque, embora tivesse planos de levar para casa um determinado alimento, seria bom pensar numa qualquer alternativa, porque raramente as expetativas de compra eram correspondidas.


Acabado de sair do pesadelo da I Grande Guerra (1914-18) e da mortandade da Gripe Pneumónica - duas experiências tão traumáticas quanto dispendiosas, o País estava exaurido, económica e emocionalmente. Pouco havia que comer.

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Nas lojas faltava de tudo também porque havia quem retivesse em armazém o que existia e não o deixasse chegar ao público a não ser a preços que o povo não conseguia pagar, apesar dos esforços do Estado para tabular os bens essenciais.


E, por isso, novos e velhos, homens e mulheres, se acotovelavam para conseguir os primeiros lugares e almejar adquirir o que fazia falta à família.


Também havia os que faziam da bicha um negócio, porque marcavam posição e depois trespassavam-na a quem desse mais; porque aproveitavam para vender produtos a quem estava à espera; ou porque se entretinham a desviar as carteiras - e os poucos “cobres” que estas continham - dos bolsos de quem distraidamente aguarda sua vez.

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Frequentemente, regressava-se ao lar de mãos a abanar e algumas escoriações, de alguma escaramuça que explodiu entre os que esperavam ou da intervenção do cassetete da polícia, sempre oportuna para acalmar a turba, porque, como bem diz a sabedoria popular, em casa onde não há pão…há fome e revolta.

 

 

 

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aqui antes falei da forma tumultuosa como começaram os anos 20 do século passado no nosso País.

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Fontes
Hemeroteca Digital de Lisboa
Illustração Portugueza
II série; nº724 – 5 jan 1920
II série; nº730 –16 fev 1920
http://hemerotecadigital.cm-lisboa.pt/
www.fmsoares.pt/aeb/crono/ano.php?ano=1920


http://maltez.info/respublica/Cepp/anuario/secxx/ano1920.htm