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O sal da história

Crónicas da história. Aventuras, curiosidades, insólitos, ligações improváveis... Heróis, vilões, vítimas e cidadãos comuns, aqui transformados em protagonistas de outros tempos.

O sal da história

Crónicas da história. Aventuras, curiosidades, insólitos, ligações improváveis... Heróis, vilões, vítimas e cidadãos comuns, aqui transformados em protagonistas de outros tempos.

A surpresa de Alcácer

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O tiroteio durou mais de cinco horas. Havia militares rebeldes nas ruas e em cima dos telhados, tentando conquistar o quartel das forças governamentais, que resistiam. É um vivo episódio da Guerra da Patuleia, que teve lugar na estratégica vila de Alcácer do Sal.

 

Catorze indivíduos muito maltratados, alguns dos quais moribundos, deram entrada no Hospital da Santa Casa da Misericórdia, corria o dia 8 de fevereiro de 1847. O acontecimento que deu origem ao misterioso grupo ficou conhecido como “Surpresa de Alcácer” e causou enorme polvorosa e temor entre as gentes da pacata vila alentejana, confrontadas com um tiroteio que demorou mais de cinco horas na zona alta daquela localidb4.JPGade, já então conhecida como “Açougues”.
As tropas revoltosas, comandadas por Joaquim Mendes Neutel, tinham chegado a Santa Susana (a cerca de 18 kms) na véspera. Mandaram recolher toda a população e deixaram piquetes ali e na ponte de Rio Mourinho, para que ninguém fosse avisar que o inimigo estava a caminho. Depois, avançaram durante a noite para Alcácer.
Em silêncio, os homens foram divididos em três grupos e distribuídos pelos pontos estratégicos da terra. O líder apressou-se a acorrer ao quartel onde sabia estar a força afeta ao Governo, mas nesse momento já haviam sido detetados por sentinelas dos opositores, que sobre eles dispararam.

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Os movimentos dos invasores, no entanto, foram rápidos e apanharam de surpresa os militares aquartelados, comandados pelo Major Ilharco, que mal tiveram tempo de recolher-se entre quatro paredes e começaram a ripostar com “um vivíssimo fogo por todas as janelas”.

 

Os visitantes indesejados ocuparam “todas as embocaduras das ruas” e as casas próximas, carregando sobre o quartel, a partir das janelas e do telhado.

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O tiroteio foi longo, sem que os cercados depusessem as armas, os atacantes desistissem ou conseguissem entrar. Por várias vezes, Neutel gritou a Ilharco que se rendesse, ameaçando incendiar as instalações. A rendição só surgiu quando Neutel pegou em “sete feixes de lenha e mandando-lhes lançar água-raz”, lhes pegou fogo para que ateasse ao edifício.


Perderam-se dois soldados da força rebelde, que teve o mesmo número de homens com ferimentos. As tropas afetas ao Estado contaram com 15 atingidos e 17 mortos imediatos. Foram alguns feridos de ambas as partes que acabaram no Hospital da Santa Casa da Misericórdia de Alcácer do Sal.

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Os perdedores que se salvaram rumaram como prisioneiros a Évora, num total de 126 praças e sete oficiais, entre os quais, o Major Bernardino António Ilharco.


As autoridades locais fugiram e todo o Alentejo – à exceção de Elvas, Estremoz e Setúbal, ficou então à mercê dos guerrilheiros “patuleias”, comandados pelo Conde de Mello, ali representado por Joaquim Mendes Neutel.


O contingente governamental derrotado em Alcácer era de grande importância para proteger a Capital a partir da Margem Sul do Tejo. Talvez por isso, os militares que mais se distinguiram neste combate foram condecorados com o 1º grau da Ordem da legião Nacional, criada pela Junta Provisória do Governo Supremo do Reino, que então governava parte do País, a partir do Porto.
Estávamos em plena guerra civil. Mal refeito das guerras entre liberais e absolutistas, Portugal enfrentava novo conflito generalizado, com as forças de D. Maria II a não conseguir controlar os tumultos populares que rebentavam no País inteiro e que logo foram apoiados e “cavalgados” pelas várias oposições – de miguelistas* a setembristas** - unidos numa estranha aliança de antigos inimigos. Entre 1846 e 1847 multiplicaram-se confrontos que só terminaram com intervenção estrangeira e a convenção de Gramido, em junho desse mesmo ano.

À margem

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A guerra da Patuleia, nome pelo qual ficou conhecido este conflito que colocou do mesmo lado da barricada guerrilheiros e outros populares, ombro a ombro com militares e elementos da nobreza não satisfeitos com o rumo da política nacional, com frequentes mudanças de fação e movimentações de tropas, deverá o seu nome à expressão “pata ao léu”, já que muitos dos que engrossavam as hostes revoltosas eram pessoas do povo que andavam descalças. Entre os populares que, em todo o País, se sublevaram contra as políticas de D. Maria II e dos seus ministros houve alguns que se destacaram pela longevidade e capacidade de mobilização de tropas. O Alentejo era o território do Galamba (na imagem), ao qual inicialmente foi atribuído o ataque que ficou conhecido como a “Surpresa de Alcácer”. Este curioso e intrépido farmacêutico de Serpa, transformado em guerrilheiro, reunia as suas tropas nas margens do Sado e tanto lutava pela liberdade e a justiça, como assaltava propriedades para angariar cavalos e provisões para a causa.
Mas isso é outra história...

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*Partidários do absolutista pretendente ao trono, D. Miguel.
**Fação liberal mais à esquerda, defensores da soberania popular.
……………
aqui falei neste período bastante atribulado da história de Portugal
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Os meus agradecimentos a Baltasar Flávio da Silva, que me lançou o desafio de descobrir o que teria levado tantos feridos ao Hospital da Santa Casa da Misericórdia de Alcácer do Sal, nesse recuado ano de 1847.

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As imagens são meramente ilustrativas, não correspoindendo ao combate relatado

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Fontes
Harvard College Library
Jornal O Espectro
Nº23, 13 fev 1847
Nº 27, 26 fev 1847
Disponível aqui:
https://books.google.pt/books?id=BpYDAAAAYAAJ&pg=PA7-IA1&lpg=PA7-IA1&dq=%228+de+fevereiro+de+1847%22+Alc%C3%A1cer&source=bl&ots=nEjZ0I_ARW&sig=ACfU3U0OD7LLGqxS32xVtXaVLwmXSHvNqQ&hl=pt-PT&sa=X&ved=2ahUKEwjfoeWnzMrrAhWGlxQKHd90Ag4Q6AEwA3oECAEQAQ#v=onepage&q=alcacer&f=false

The Library of the University of California – Los Angeles
Jornal O Progressista
Nº36, 15 fev. 1847
Nº52, 5 mar.1847
Disponível aqui:
https://books.google.pt/books?id=LmAvAQAAMAAJ&pg=RA3-PA45&lpg=RA3-PA45&dq=%228+de+fevereiro+de+1847%22+Alc%C3%A1cer&source=bl&ots=ovWoVmIRiH&sig=ACfU3U0ZVUxjwECAwthE05Hi4NGCud-XoA&hl=pt-PT&sa=X&ved=2ahUKEwjfoeWnzMrrAhWGlxQKHd90Ag4Q6AEwBHoECAIQAQ#v=onepage&q=%228%20de%20fevereiro%20de%201847%22%20Alc%C3%A1cer&f=false

Bodleian Library
Documentos históricos relativos aos últimos acontecimentos políticos de Portugal que não veem contemplados no livro azul, Typographia de Borges, Lisboa, 1848. Disponível aqui:
https://books.google.pt/books?id=R3MIAAAAQAAJ&pg=PA21&lpg=PA21&dq=%228+de+fevereiro+de+1847%22+Alc%C3%A1cer&source=bl&ots=XFOcGDul6h&sig=ACfU3U3rvzai3lYDSTb_V7Q_q0yuKITjCA&hl=pt-PT&sa=X&ved=2ahUKEwjfoeWnzMrrAhWGlxQKHd90Ag4Q6AEwBXoECAMQAQ#v=onepage&q=%228%20de%20fevereiro%20de%201847%22%20Alc%C3%A1cer&f=false

O Archeologo Português
Série 1, vol. 25
Medalhas e condecorações concedidas pela Junta do Porto em 1847, de Henrique de Campos Ferreira Lima.
Disponível aqui:
http://www.patrimoniocultural.gov.pt/pt/recursos/o-arqueologo-portugues/o-arqueologo-portugues/

Duas palavras ao author do esboço histórico de José Estevão ou Refutação da parte respetiva aos acontecimentos de Setúbal de 1846-1847 e outros que com aquelles tiveram relação, por João Carlos d’Almeida Carvalho; Typographia Universal, Lisboa, 1863. Disponível aqui:
http://catalogobib.parlamento.pt/ipac20/ipac.jsp?session=15YM5064A3555.320117&profile=bar&uri=link=3100027~!435590~!3100024~!3100022&aspect=basic_search&menu=search&ri=1&source=~!bar&term=Duas+palavras+ao+auctor+do+esbo%C3%A7o+historico+de+Jos%C3%A9+Estev%C3%A3o+ou+refuta%C3%A7%C3%A3o+da+parte+respectiva+aos+acontecimentos+de+Setubal+em+1846-1847%2C+e+a+outros%2C+que+com+aquelles+tiveram+rela%C3%A7%C3%A3o&index=ALTITLE

http://maltez.info/respublica/portugalpolitico/grupospoliticos/1846%20Patuleia.htm
http://adbja.dglab.gov.pt/3250-2/
http://pagus.pt/pagus/quem_ficha.aspx?idq=6361&idt=156&lang=PO&ti=

 

Imagens
https://proxy.europeana.eu/10501/bib_rnod_32921?viAntónio Manuel Soares Galambaew=http%3A%2F%2Fpurl.pt%2F6756%2Fservice%2Fmedia%2Fjpeg&disposition=inline&api_url=https%3A%2F%2Fapi.europeana.eu%2Fapi

http://iseelittletinpeople.blogspot.com/2016/02/

https://pt.wikipedia.org/wiki/Patuleia

 

Instantâneos (68): a mais pequena pianista do mundo

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Era assim, “com todo o aspeto de sensacional” que, em 1951, se apresentava uma menina com apenas cinco anos, que pouco tempo antes tinha dado o seu primeiro concerto, no Conservatório Nacional, e logo com “notável êxito”. A mais pequena pianista conhecida no mundo, indiscutível “prodígio” português, havia surgido no panorama musical e imediatamente arrebatado o público.

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Quem para ela olhava apenas via uma garota bonita com olhos castanhos e penetrantes, caracóis âmbar e vozinha de rouxinol, segundo a descrição do Século Ilustrado.

 


Mal se sentava ao piano – e embora nem chegasse com os pés ao chão - parecia agigantar-se. Daí o jornal não lhe poupar elogios.

 

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E tinha toda a razão para tal!

Embora na época não se pudesse adivinhar, esta jovem pianista não seria mais uma criança-fenómeno que só brilha na infância e depois se apaga por falta de talento consistente ou orientação.


A menina é Maria João Pires, a nossa maior pianista, com uma fulgurante carreira que já chegou às sete décadas e continua ativa e radiosa.

Atua nos mais importantes palcos do mundo, sozinha e com as mais reputadas orquestras; gravou numerosos trabalhos e venceu alguns dos prémios mais relevantes da sua arte, como intérprete e também pelo seu empenho no ensino da música.

 

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Curiosamente, no dia em que recebeu o galardão Martha de la Cal/Personalidade do ano 2019, da Associação da Imprensa Estrangeira em Portugal, em janeiro último, reencontrou o instrumento presente nestas imagens antigas e que revelou ter sido o primeiro piano de cauda que viu na vida.

O interesse foi tal que se pôs em pé sobre o banco para espreitar para o interior, provocando o riso da assistência. A reação do público desagradou-lhe e, como criança que se preza, decidiu fazer das suas: ao contrário do previsto, tocou tudo sem intervalo. Ao que consta, ninguém reclamou…

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*na imagem3, pela mão do professor, Campos Coelho.
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Fontes
Século Ilustrado
Ano XIV; nº682 – 27 jan. 1951
https://pt.wikipedia.org/wiki/Maria_João_Pires
https://www.rtp.pt/noticias/cultura/maria-joao-pires-reencontra-piano-da-infancia-na-entrega-do-premio-personalidade-do-ano_n1200377

Imagem atual
Nelson Garrido em
https://www.publico.pt/2020/03/26/culturaipsilon/noticia/maria-joao-pires-festival-on-line-celebrar-dia-piano-1909697

 

Instantâneos (67): na Moita, a tradição ainda é o que era, mas pouco

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“A bela imagem apareceu e, como é de uso, veio até às escadas do cais, ficando voltada para os botes, como a abençoá-los. Então, ao mesmo tempo, rompeu de todas as embarcações uma porção enorme de foguetes que se cruzavam no ar formando como uma abóbada que estralejava e gerava um louco entusiasmo entre aquela gente do mar”. Esta descrição da chegada da imagem de Nossa Senhora da Boa Viagem tem mais de cem anos, mas poderia ser da infância da minha mãe ou da minha. Não poderia ser do último domingo, embora a benção às embarcações tenha sido das poucas cerimónias das “festas da Moita” mantidas em ano de pandemia.

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Em vez de vir acompanhada por uma procissão imponente e milhares de pessoas, a santa protetora dos marítimos veio praticamente sozinha, mas cumpriu-se a tradição tão cara às gentes daquela vila da margem sul do Tejo há centenas de anos.

 

O estado de alerta quanto a incêndios eliminou o lançamento de morteiros, a que alude a descrição das festas em 1904.

 

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Nesse ano ainda não se conhecia a “tarde do fogareiro*, mas já havia tourada, claro! Apenas uma – embora “magnifica” - durante os três dias de festividades, que “foram cheias de deslumbramento”, havendo um imponente arraial.


Como desde o início, “tanto pelo negócio, como pela diversão”, muita “gente das imediações” foi ali, havendo uma enorme animação, apesar do tempo “estar pouco seguro”.

 

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As embarcações tradicionais engalanaram-se em honra da padroeira, houve feira franca e, como então era hábito, realizou-se nesses dias “grande número de casamentos e batizados” de povo que, assim, uniu as suas festas familiares às da sua terra, a vila da Moita.

 


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*Iniciativa que junta milhares de pessoas na avenida Dr. Teófilo Braga, em torno de centenas de fogareiros onde se grelha o que cada um traz, se bebe e se convive.
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Fontes
Hemeroteca Digital de Lisboa
http://hemerotecadigital.cm-lisboa.pt/
Illustração Portuguesa
1º ano, nº46 – 19 set. 1904

https://www.cm-moita.pt/
https://7maravilhas.pt/portfolio/festas-em-honra-de-nossa-senhora-da-boa-viagem/

Heróis do acaso (8): afinal, quem salvou os náufragos do Nathalie?

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A madrugada do dia 23 de outubro de 1880 foi de grande terror e heroísmo. À vista da costa da Torreira, o navio francês Nathalie encalha, deixando 18 pessoas à mercê das enormes vagas que, a cada investida, ameaçam despedaçar totalmente a embarcação, puxando para a morte as vidas ali suspensas entre a meia noite e o raiar do dia. À exceção de dois tripulantes, que arriscaram alcançar terra com um dos poucos botes salva-vidas não arremessados borda-fora, todos são salvos. Mas quem é o corajoso que os resgata do mar? Dois homens foram homenageados pelo mesmo feito, mas um deles nem esteve presente.

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Gabriel Ançã e Manuel Firmino d´Almeida Maia foram medalhados, receberam honrarias e elogios; viram ser erguidas estátuas com a sua imagem e ruas batizadas em seu nome. Ambos tiveram vidas cheias, onde o bem do próximo esteve, muitas vezes, em primeiro lugar, mas não poderiam ter percursos mais diferentes.

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Só um participou no complexo e dramático salvamento dos náufragos do Nathalie.


Manuel Firmino d’Almeida Maia, originário de família burguesa aveirense, foi oficial de cavalaria, jornalista*, político e, genericamente, homem público ao qual se devem numerosas obras e iniciativas com significado para o progresso da sua região. Foi presidente de câmara, deputado, conselheiro e armador de pesca.


Gabriel Ançã nasceu em Ílhavo e seguiu as pisadas do pai, tornando-se pescador. Nadador exímio desde cedo, antes dos 20 anos já era arrais**, destacando-se em ações de salvamento. Terá libertado de águas revoltas mais de cem pessoas.


Seria de esperar que fosse ele o herói do Nathalie…mas assim não foi.

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O seu nome nunca é mencionado nas notícias que fizeram alarde daquele acontecimento, nem mesmo quando se referem, um a um, todos os cerca de sessenta marítimos, maioritariamente oriundos da Murtosa, que colaboraram na árdua tarefa.

Com a ajuda de 15 juntas de bois, arrastaram a embarcação de resgate pela areia, cerca de dois quilómetros, para a zona de costa em frente da qual se encontrava o vapor francês. Fizeram-na ir ao mar guiada por grossos cabos fixos em terra à força de braços, mas dando a necessária folga para que se pudesse aproximar e resgatar os náufragos, ante o aplauso de mais de duas mil pessoas que assistiam na praia.


À frente de todas estas movimentações, liderando, incitando os homens e, finalmente, assumindo o leme do Nossa Senhora da Arrábida, que perpetrou tão ousada manobra, estava Manuel Firmino d’Almeida Maia, que acolheu todos em sua casa, para um repasto reparador e ajudou como pôde os desafortunados franceses.

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Pelo feito, o governo francês agraciou-o com a Legião de Honra e a Medalha de Salvadores do Havre. Não recebeu a medalha de prata de mérito filantropia e generosidade entregue a todos os outros participantes no salvamento pelo governo português, porque rejeitou tal distinção.


Quanto ao arrais Ançã, que algumas narrativas fantasiosas colocam a salvar sozinho toda a tripulação e passageiros do Nathalie - para mais com uma senhora desesperada presa ao pescoço - só muito mais tarde aparece ligado a este naufrágio.

 


Condecorado várias vezes pelos seus serviços ao País, é já alquebrado por uma vida tão dura que reivindica uma pensão de sobrevivência, que será atribuída em 1907 e reforçada com fundos do Instituto de Socorros a Náufragos - recebia também um valor da Caixa de Proteção dos Pescadores Inválidos.

Já perto dos 80 anos, tendo três netos e a mulher a cargo, a tença sobe para valores menos miseráveis.

As recompensas governamentais são justificada pelos seus maiores feitos, entre os quais se conta, erradamente, o salvamento do Nathalie.


Tristemente, as mortes no mar também mancharam a sua vida dedicada a salvar outros das ondas, pois foi aí que perdeu os seus três filhos.


…………………….
*Fundador do jornal Campeão das Províncias
**Patrão de barco costeiro ou fluvial. Comandante de uma embarcação.

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Já aqui antes falei de outros naufrágios:

O dia em que as obras-primas portuguesas foram por água abaixo

 

Instantâneos (20): o naufrágio do anjo

 

O Ville de Victória afundou-se de madrugada nas águas do Tejo

 


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Fontes
Biblioteca Nacional de Portugal em linha
www.purl.pt
Diário Illustrado
Nº2675 – 26 out. 1880
Nº2676 – 27 out. 1880
Nº2678 – 29 out. 1880
Nº2679 – 30 out. 1880

PASTOR, Francisco, 1850-1922
Manuel Firmino d'Almeida Maia / Pastor. - Aveiro : [s.n.], 1881. - 1 gravura : madeira, p&b

Cota do exemplar digitalizado: e-232-v

Campeão das Províncias
Ano 65º nº6476 – 8 abr. 1916
Ano 65º nº6479 – 29 abr. 1916

Hemeroteca Digital de Lisboa
www.hemerotecadigital.cm.lisboa.pt

Illustração Portugueza
1º ano; nº14 – 8 fev. 1904

Diário do Governo nº285 – 14 dez. 1880
Diário da Câmara dos Deputados – Sessão nº122 – 2 ago. 1922

Ministério das Finanças
http://purl.sgmf.gov.pt/404979/1/404979_item1/index.html
Código de referência
PT/ACMF/DGCP/16/001/2647


https://ahcravo.com/o-naufragio-do-nathalie-e-o-arrais-anca-que-nao-esteve-la/
https://ahcravo.com/o-naufragio-do-nathalie-e-o-arrais-anca-que-nao-esteve-la-1/

"arrais", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2020, https://dicionario.priberam.org/arrais [consultado em 10-08-2020].

http://ww3.aeje.pt/avcultur/Secjeste/Recortes/FigIlustres/Arrais001.htm

https://www.cm-ilhavo.pt/viver/cultura/gentes-e-costumes/a-nossa-gente/gabriel-anca

http://ww3.aeje.pt/avcultur/avcultur/aveirilustres/Manuel%20Firmino.h

Instantâneos (66): milagre, milagre já não temos

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Se perguntarmos às dezenas de comerciantes com banca montada no Sítio da Nazaré se têm lembranças do milagre, a resposta é quase sempre a mesma. “Um porta-chaves, um íman de frigorífico, uma t’shirt, alguma coisa para pendurar ao pescoço ou na parede? Milagre… milagre já não temos, não se usa”. Nada ou quase nada alude à lenda que deu origem à ocupação do local onde nos encontramos: praticamente tudo o que ali se vende evoca o surf, que suplantou a história com mais de 800 anos. D. Fuas Roupinho deve dar voltas na sepultura.


Conta a lenda que aquele companheiro de armas do nosso primeiro rei andava à caça em dia de nevoeiro cerrado. Apesar da bruma, avistou um veado que perseguiu desenfreadamente.

 

O animal, que depois se entendeu ser a encarnação do diabo, terá conduzido o cavaleiro à beira do precipício sobre o mar, local onde Nossa Senhora da Nazaré intercedeu para o salvar, pois estacou o cavalo a tempo de não cair atrás do veado. Tudo devido a uma imagem muito antiga da Santa que se encontrava numa gruta ali perto.

Acreditando ter assistido a um milagre, D. Fuas terá dado ordem para ali construir um templo – a ermida da Memória – que ainda existe e à qual sucedeu, cerca de dois séculos depois, o santuário, sucessivamente alargado e embelezado com o apoio e o aval reais, que hoje persiste como local de romaria devota e muita curiosidade ateia.

IMG_20200818_164654.jpgO alegado milagre terá ocorrido a 14 de setembro de 1182 e o relato do mesmo, boca a boca, escrito e, sobretudo, em registos iconográficos foi repetido milhares de vezes, estando presente em inúmeros painéis de azulejo, pinturas, desenhos e, até recentemente, nas diversificadas lembranças que os visitantes tinha à sua disposição para comprar no Sítio da Nazaré.

Na última década, tudo mudou.


As extraordinárias ondas desta costa são, efetivamente, ainda mais antigas que D. Fuas Roupinho.

Já ali se surfava pelo menos desde os anos 60, mas foi em 2010 que se deu a viragem: chega à Nazaré Garret Mc Namara que, no ano seguinte, ali bate o recorde mundial da maior onda surfada.

Tinha 24 metros, era resultado do célebre canhão da Nazaré – um fenómeno geológico que produz ondas de grandes dimensões – e o feito correu mundo com uma rapidez nunca imaginada por D. Fuas Roupinho.

Passou veloz na televisão e sobretudo na Internet, onde se tornou viral.

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Depois disso, muitos outros surfistas destacados já levaram o nome desta vila aos sete cantos do planeta, perpetuando o fenómeno que hoje parece reunir as preferências dos turistas.

E, no entanto, o visitante encontra referências oficiais ao milagre praticamente em cada esquina do Sítio, painéis explicativos e informação sobre a candidatura a Património Imaterial da Humanidade, até porque o culto a Nossa Senhora da Nazaré está disseminado por todo o mundo… só que não chegou com a força e a celeridade de uma onde gigante.

 

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A última imagem é de uma escultura oferecida pela artista Adália Alberto à Narazé que, embora tenha suscitado alguma polémica e divergência de opiniões, espelha bem a mudança de memórias no Sítio da Nazaré.

 

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Fontes
https://www.culturacentro.gov.pt/museu-dr-joaquim-manso/agenda/milagre-de-nossa-senhora-da-nazare/

 

http://www.matriznet.dgpc.pt/MatrizNet/Objectos/ObjectosConsultar.aspx?IdReg=285885

 

https://www.passaronoombro.com/entretenimento/nazare-terra-de-ondas-gigantes-de-d-fuas-roupinho-a-garret-mc-namara/

https://www.cmjornal.pt/sociedade/detalhe/estatua-de-veado-surfista-gera-polemica

 

Imagem 1
Registo de Santo
"Milagre de Nossa Senhora da Nazaré", não datado (séc. XVII?)
Gravura a buril, colorida
Pergaminho, 13,7 x 9,4 cm
Cedência do Museu Nacional de Arqueologia, 1973
Museu Dr. Joaquim Manso inv. 267 Grav.