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O sal da história

Crónicas da história. Aventuras, curiosidades, insólitos, ligações improváveis... Heróis, vilões, vítimas e cidadãos comuns, aqui transformados em protagonistas de outros tempos.

O sal da história

Crónicas da história. Aventuras, curiosidades, insólitos, ligações improváveis... Heróis, vilões, vítimas e cidadãos comuns, aqui transformados em protagonistas de outros tempos.

O “rei” que transformou lixo em dinheiro e poder

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Manuel Martins Gomes Júnior fez fortuna com o que os outros deitavam fora. Era um autodidata colecionador de palácios; republicano e ateu declarado que fez as pazes com a religião; negociante implacácel com preocupações sociais. Figura misteriosa, poderosa, contraditória e polémica, construiu um império, mas no final foi impedido de gerir os seus bens. Esta é a história do “rei do lixo”, o homem que mandou erigir a Torre do Diabo, tão alta quanto necessário para avistar as suas fragatas a atravessar o rio e todas as suas terras, de Lisboa ao Seixal; do Barreiro a Alcácer do Sal.

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Nascido em 1860, numa família modesta residente em Santo António da Charneca, na margem sul do Tejo, filho de um vendilhão proveniente de Arganil, Manuel Martins Gomes cedo terá percebido que queria outra vida para si e que os dotes para o negócio, que inegavelmente possuía, seriam a chave para esse futuro promissor.

Desconheço como reuniu o dinheiro necessário, mas terá conseguido comprar uma padaria em Coina, não longe do local onde viviam seus pais. Para não depender de ninguém, adquiriu o moinho de maré situado nas imediações, moendo a sua própria farinha.

 

As más línguas, talvez invejosas do sucesso alheio, garantem que o passo seguinte foi ludibriar a companhia de seguros e receber uma boa quantia pela destruição do moinho a que ele próprio terá ateado fogo. Certo é que, em pouco tempo, terá começado a investir em terras e a emprestar dinheiro a juros nada amigáveis aos proprietários vizinhos, tendo chamado a si ainda mais terrenos, dos que não conseguiam pagar os créditos firmados.

 

 

Dedicou-se então à agricultura e à criação de porcos, após conseguir um contrato com um grande exportador de Lisboa, que morreria em breve, deixando-o a liderar sozinho.  Fundou a Companhia Agrícola de Portugal, com extensas herdades, um êxito considerável e centenas de trabalhadores a quem não perguntava origem e fazia questão de pagar sempre um suplemento em géneros, para que não passassem fome, criando também uma escola, onde os filhos pudessem aprender as primeiras letras.

descarga de lixo de lisboa arquivo muniicpal lisbo

 

É em 1907 que surge a oportunidade que vai transformar a sua vida.

Vence a arrematação da recolha do lixo da cidade de Lisboa, o que iria ser fundamental para consolidar tudo o resto.

 

 

descarga de lixo de lisboa arquivo muniicpal lisbo

 

Os detritos eram transportados até Coina nas suas fragatas. Aí, em carros de bois, fazia-se chegar a matéria orgânica à exploração suinicola, onde servia de alimento aos animais. As lamas em decomposição eram usadas para adubar as terras, tendo até servido de arma política.

 

 

descarga de lixo de lisboa arquivo muniicpal lisbo

Efetivamente, quando o seu irmão concorreu à vereação da Câmara da Moita, Manuel Martins Gomes ameaçou deixar de fornecer quem não o apoiasse, algo muito penalizador, pois toda a região dependia sobretudo da lavoura.

Escusado será dizer que o irmão foi eleito e ele próprio também faria uma incursão na política local, como regedor de Santo Antonio da Charneca.

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O negócio do lixo seria extremamente rentável, e talvez por isso, terá tentado arrematá-lo noutros concelhos vizinhos, mas o contrato com a Câmara de Lisboa tinha o atrativo de também lhe dar acesso a entulho em grandes quantidades, resultante de obras em igrejas e conventos, entretanto abandonados com a extinção das ordens religiosas.

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Isto explica que o palácio e restantes construções da Quinta da Trindade*, no Seixal - entre as quais o “castelinho” que mandou erigir - tenham sido adornados com elementos arquitectónicos e paineis “representativos dos mais diversos géneros e tendências decorativas de azulejaria, trazidos de vários locais” e ali expostos por aquele a quem já todos já chamavam “rei do Lixo” ou “Martins das carnes”.

É em 1910 que vai levar a cabo aquela que é a obra mais ostensiva do seu poder, a “Torre do Diabo” – assim batizada pelo próprio - na antiga quinta do Manique, em Coina**. 

 

 

A construção apresenta-se imponente parecendo espreitar os campos em volta e essa seria mesmo a ideia: quereria avistar todas as propriedades, até a mais distante, em Alcácer do Sal (ver à margem).

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Provocador, chamou a estas terras de Coina “Quinta do Inferno”, trasformou a antiga capela em estábulo e, para as suas fragatas “lixeiras”, escolheu os sugestivos epítetos: Mafarrico, Mefistófeles, Demo, Diabo, Satanás e Belzebu.

Nem a família escapou a esta fúria criativa.

 

 

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As filhas foram batizadas com nomes de deusas pagãs: Proserpina, Flora, Ceres e Cibele. Aos afilhados chamou Libertino e Rodas Nepervil – anagrama de Livre Pensador, o nome escolhido, mas não autorizado.

Não faltaram pois ostensivas afrontas à Igreja, embora, no final, Manuel Martins Gomes Junior parecesse ter sentimentos diversos, pois legou uma fortuna considerável a “Misericórdias” e verba para a reconstrução da capela de Nossa Senhora dos Remédios, em Coina.

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Não deixa de ser irónico que o homem que fez fortuna do lixo, que ergueu um império, comprou e rebatizou propriedades, no fim da sua vida tenha ficado legalmente interditado de gerir os seus bens, talvez porque já tivesse perdido o tino para o negócio que norteou a sua vida ou porque a família não deixou que distribuísse mais um tostão que fosse.  Deixou mais de 34.552.370 contos ***, morrendo discretamente em 8 de novembro de 1943, na sua Quinta da Alfarrobeira (Lisboa)****.

 

À margem

A mais longínqua propriedade de Manuel Martins Gomes Júnior seria a Herdade da Barrosinha, no alentejano concelho de Alcácer do Sal, onde se experimentaram novas técnicas de cultivo de arroz e se plantaram sobreiros alinhados que ainda lá estão. Com a morte de Manuel Martins Gomes Júnior, os bens foram distribuídos pelas filhas e pelos três sobrinhos órfãos que criou. Foi Libertino Martins, o mais velho, a ficar responsável pela gestão destas terras. A sociedade acabaria por se desfazer já muito depois da morte do seu fundador e grande parte da família rumou ao Brasil, para onde chamaram 60 famílias de Alcácer do Sal, que ali se fixaram, trabalhando as terras do clã, em Itaguaí, Estado do Rio de Janeiro, tal como tinham feito a centenas de milhares de quilómetros de distância, em Portugal. Já a Quinta do Inferno, cairia nas mãos do conhecido urbanizador da Margem Sul do Tejo, António Xavier de Lima. Em 1988 a torre seria alvo de um incêndio rodeado das mesmas suspeitas e mistérios do fogo inicial, que destruíra o moinho do “rei do lixo”.

Mas isso é outra história…

 

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* A Quinta da Trindade (imagens 7 e 8), junto ao Tejo, no Seixal, tinha pertencido a uma sobrinha de D. Nuno Álvares Pereira e foi adquirida pelo “rei do lixo” em 1908. É em terrenos da antiga propriedade que hoje está também o Centro de Estágios do Sport Lisboa e Benfica, o Instituto Hidrográfico da Marinha Portuguesa e o Eslateiro Naval do Seixal.

 

** A Quinta de São Vicente, em Coina, já pertencia a Manuel Martins Gomes Junior em 1897. Foi fundada por Joaquim de Pina Manique, irmão mais novo do célebre Intendente-Geral de Segurança Pública que esteve na origem da Casa Pia de Lisboa. Com a morte do “rei do lixo”, a propriedade passa para o genro, António Zaolete Ramada Curto, que manteve a exploração agrícola até vender ao industrial de curtumes Joaquim Batista Mota, que por sua vez a vendeu ao conhecido “urbanizador” António Xavier de Lima. Atualmente, o edifício encontra-se em ruínas.

*** Aproximadamente 1 271 189.92 euros. Montante calculado a valores de 1953, no site https://fxtop.com/pt/conversao-no-passado.php?A=34552370%2C80&C1=PTE&C2=EUR&DD=01&MM=01&YYYY=1953&B=1&P=&I=1&btnOK=Pesquisar

**** A Quinta da Alfarrobeira, em Lisboa, foi construída e habitada pelo conhecido arquiteto do reino e ourives João Frederico Ludovice, em 1727. É atualmente a sede da Junta de Freguesia de São Domingos de Benfica. Ainda em vida de Manuel Martins Gomes Júnior, foi ocupada pelos Serviços de Saúde do Exército Português, que pagavam à mulher e depois viúva, Maria Belo Martins Gomes, a renda mensal de 2.620$00.

 

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O meu agradcimento a Vítor Manuel Adrião, pela generosidade com que me autorizou a utilizar o publicou, e a Rui Pires que, originalmente, disponibilizou a documentaçáo que permitiu o trabalho de Vítor Adrião.

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Fontes

 

https://lusophia.wordpress.com/2012/04/02/a-torre-do-inferno-do-rei-do-lixo-coina-por-vitor-manuel-adriao/

 

A revolução Republicana na Moita, investigação e elaboração de textos de Maria Clara Santos e Vítor Pereira Mendes; Câmara Municipal da Moita; setembro 2010. Disponível em:

https://webcache.googleusercontent.com/search?q=cache:uet018-zxjUJ:https://issuu.com/dirp.cmmoita/docs/revolucaorepublicanamoita+&cd=5&hl=pt-PT&ct=clnk&gl=pt

 

 

https://www.mun-montijo.pt

Jornal a Razão – Órgão do Partido Republicano Português

Ano III, nº132 – 11 jul 1918

 

 

Caracterização material e conservação e restauro de um painel de azulejos do séc. XVII do Ecomuseu do Seixal, Portugal, dissertação para obtenção do Grau de Mestre em Conservação e Restauro, Especialização em Cerâmica e Vidro, de Shari Carneiro de Almeida; Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa; dezembro 2011. Disponível em:

https://run.unl.pt

O passado nunca passa – catélogo da coleção de José Santos Fernandes, Câmara Muniicpal de Cascais; 2010. Disponível em: https://biblioteca.cascais.pt/bibliotecadigital/dg26/DG26_item1/DG26_PDF/DG26_PDF_24-C-R0150/DG26_0000_Obracompleta_t24-C-R0150.pdf

 

Arquivo Municipal de Alcácer do Sal

Jornal «O Setubalense», suplemento de 4 de Agosto de 1934.

www.tombo.pt

https://memoriaparatodos.pt/portfolio/quinta-da-alfarrobeira/

 

https://pt.wikipedia.org/wiki/Jo%C3%A3o_Frederico_Ludovice

 

https://www.portugalnummapa.com/castelo-do-rei-do-lixo/

http://www.monumentos.gov.pt

 

http://zonasabadonadasemportugal.blogspot.pt/2009/03/castelo-da-bruxa-coina.html

https://arquivos.rtp.pt/conteudos/incendio-no-palacio-de-coina/

 

https://pt.wikipedia.org/wiki/Quinta_da_Trindade

https://fxtop.com/pt/conversao-no-passado.php?A=34552370%2C80&C1=PTE&C2=EUR&DD=01&MM=01&YYYY=1953&B=1&P=&I=1&btnOK=Pesquisar

 

https://dre.pt/web/guest/legislacao-consolidada/-/lc/106490492/201703020000/73398854/diploma/indice

 

Outras imagens

Arquivo Fotográfico Municipal de Lisboa

http://arquivomunicipal.cm-lisboa.pt/pt/

Ferreira Cunha

PT/AMLSB/CMLSBAH/PCSP/004/FEC/000217

PT/AMLSB/CMLSBAH/PCSP/004/FEC/000218

Eduardo Portugal

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https://www.europeana.eu/pt/

 

 

A mãe de todas as cheias

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A “cheia grande” de 1876, a maior registada até agora, permanece na memória coletiva de muitas vilas e aldeias de Portugal. De norte a sul, a devastação foi assustadora, não deixando pedra sobre pedra e matando sem piedade.

Vários dias de chuva torrencial resultaram numa cheia nunca vista, com consequências devastadoras em todo o País. Em dezembro de 1876, os grandes rios que atravessam o nosso território galgaram as margens, cobriram os campos e ameaçaram as casas. Deixaram povoações isoladas, arrastaram animais e pertences, ditaram o cancelamento de serviços essenciais, transformaram a paisagem e as vidas de todos. Vários navios naufragaram à vista de terra.

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Foi a maior cheia medida e documentada no Tejo. Uma semana depois do pior, ainda as gentes de Valada do Ribatejo recebiam refeições e outros bens necessários, que chegavam de barco, porque continuavam isoladas. Em Vila Velha de Rodão, a água atingiu cerca de 26 metros, as populações de Vila Franca, Benavente, Salvaterra, Reguengo do Alviela e muitas outras tiveram que se refugiar em verdadeiras ilhas criadas nas zonas mais altas.
No Vale de Santarém só se avistava, aqui e ali, uma chaminé mais altaneira e as copas das árvores.
Em Torres Vedras, o rio Sizandro “que muitas vezes seca completamente na estiagem, cobriu todas as várzeas das suas margens”. As casas “na baixa da vila, foram abandonadas. A gente pobre foi recolhida no hospital, onde lhe deram alimento e agasalho”.

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Coelhos e lebres encontraram abrigo em cima das árvores e muitas cobras, levadas à força dos campos, apareceram em locais impensáveis, como os vapores atracados em Lisboa ou na Cova da Piedade.
Em Alcochete, deram à costa bois e cavalos mortos, pipas de vinho e muitos destroços.

As linhas de telégrafo ficaram inoperacionais durante dias em que igualmente não houve correio entre o norte e o sul do País.

 

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A linha férrea teve a circulação condicionada e até suspensa em vários locais. As pontes de caminho-de-ferro de Xabregas e sobre o rio Vouga estiveram em risco de derrocar. Em Alenquer, duas travessias colapsaram. Em Elvas, ruiu uma ponte sobre o Caia e muitas outras vias ficaram intransitáveis um pouco por todo o lado. O Guadiana chegou à praça principal de Mértola e destruiu muitas construções no Pomarão.

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O Douro também fez das suas, subindo cinco metros, inundando inúmeras ruas e chegando ao primeiro andar das casas, em Miragaia. O Porto, aliás, esteve vários dias às escuras, porque o circuito de gás da iluminação pública foi interrompido.
O Mondego submergiu toda a zona baixa de Coimbra, obrigando muitas pessoas a procurar acolhimento no antigo convento de São Francisco.
O rio Ave matou um moleiro que tentava salvar alguns sacos de milho e até em Guimarães, ribeiros transformaram-se em rios com um caudal que não coube nas margens.

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Com graves prejuízos, na ria de Aveiro, que se “converteu num oceano”, em Alcochete (Tejo) e em Alcácer do Sal (Sado) dissipou-se toda a produção de sal armazenada, tal como se perderam todos os moinhos e engenhos das margens dos rios Âncora e Este. Desapareceram muitas cabeças de gado e culturas agrícolas. A azeitona que ainda não havia sido colhida, desapareceu.

 

Em Alcoutim, no Algarve, a situação era “medonha”, tal o grau de destruição

Caíram muros, árvores e casas, deixando centenas desalojados e um número indeterminado de mortos, arrojados pelas águas, afogados ou soterrados.

A fome depressa surgiu, porque numerosos foram os celeiros e armazéns arruinados com o que tinham no interior.
No meio de tanta devastação, os jornais davam conta de pequenos sinais de esperança porque, como sempre acontece em épocas desesperadas, algumas pessoas revelam-se verdadeiros heróis, com uma coragem e uma presença de espírito que ajudam a salvar quem está em perigo e dão alento quanto ao que o futuro trará.
O trauma, no entanto, permanece na memória coletiva de algumas povoações e em certas localidades ergueram-se depois lápides que lembram a “cheia grande”… e como foi possível superá-la.

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À margem
Se a história guarda registo das grandes cheias, também não ignora os mais severos períodos de seca, cada vez mais frequentes, em especial no sul de Portugal. Há 80 anos que no nosso País se sistematizam os dados sobre precipitação, temperatura e percentagem de água no solo, permitindo saber que as maiores secas recentes se verificaram entre 1943 e 1946 e de 2004 a 2006. Quando a seca se prolonga, mais do que a informação científica reunida, para o cidadão comum são outro os sinais inequívocos dessa triste realidade. Antigas construções como as pontes de Rio Mourinho (Santa Susana, Alcácer do Sal) e Oriola (Portel); uma antiga aldeia no concelho de Ourique ou a aldeia comunitária de Vilarinho das Furnas, no Gerês, há muito cobertas pelas águas e quase esquecidas, emergem à vista de todos, testemunhas fantasmagóricas de uma outra vivência que já não volta.
Mas isso é outra história…..

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aqui falei de tempestades devastadoras em Portugal, como a Cheia de Marrocos
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As imagens presentes são meramente indicativas da sitiuação, mas não correspondem à época relatada.

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Fontes
Biblioteca Nacional de Portugal em linha
www.purl.pt
Diário Illustrado
5º ano; nº1410 – 08 dez 1876
5º ano; nº1411 – 09 dez 1876
5º ano; nº1412 – 10 dez 1876
5º ano; nº1413 – 12 dez 1876
5º ano; nº1414 – 13 dez 1876
5º ano; nº1415 – 14 dez 1876
5º ano; nº1416 – 15 dez 1876
5º ano; nº1418 – 17 dez 1876
5º ano; nº1419 – 19 dez 1876
5º ano; nº1422 – 22 dez 1876
5º ano; nº1423 – 23 dez 1876


Tágides – Rio tejo, as grandes cheias 1800-2007 de João Mimoso Loureiro; Administração da Região Hidrográfica do Tejo S.A.; Ministério do Ambiente, do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional – 2009. Disponível em https://apambiente.pt/_zdata/Divulgacao/Publicacoes/Tagides/TAGIDES_01.pdf

https://www.ipma.pt/pt/oclima/observatorio.secas/pdsi/apresentacao/evolu.historica/

https://www.omnia.ie/index.php?navigation_function=2&navigation_item=%2F2022075%2F11002_fms_dc_115095&repid=1
https://nationalgeographic.sapo.pt/natureza/actualidade/2450-secas-mais-longas-e-intensas-em-portugal
https://sicnoticias.pt/pais/2017-12-13-Seca-revela-antiga-aldeia-de-Ourique-abandonada-ha-45-anos
https://www.dn.pt/arquivo/2005/seca-extrema-revela-aldeia-submersa-de-vilarinho-das-furnas-610236.html
Imagens
Fundação Mário Soares
http://www.fmsoares.pt/
http://www.prociv.pt/pt-pt/RISCOSPREV/RISCOSNAT/CHEIAS/Paginas/default.aspx
http://ruadealconxel.blogspot.com/2008/02/cheias-do-guadiana-horrvel-tenebrosa-e.html
https://vedrografias2.blogspot.com/2017/01/a-cheia-grande-de-7-de-dezembro-de-1876.html?m=0
https://recordeuropa.com/noticias/portugal/cheias-no-mondego-com-diminuicao-do-grau-de-risco-23-12-2019/
Arquivo Histórico Municipal de Alcácer do Sal
Arquivo Municipal do Porto

Pela imprensa (19): um sono reparador e fortificante

 

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Quem vê esta bela mulher dormindo profundamente, aconchegada em fofos lençóis não imagina qual o segredo de tão sereno repouso. Não foi um chá calmante, nem uma boa leitura. Há cerca de 90 anos, a chave para um sono descansado era Ovomaltine! Precisamente algo que as pessoas da minha geração conheceram na infância como o mais estaladiço dos achocolatados, aquele que se sentia esmagar entre os dentes e depois ficava colado ao céu da boca e que era substancialmente melhor comido à colherada do que misturado com leite (pelo menos para mim!).

Umas décadas antes, a ideia da marca era outra: a sugestiva publicidade garantia que o sono se tornava “calmo e natural, bebendo antes de se deitar uma chávena da deliciosa Ovomaltine”, pois não havia “nenhuma bebida alimentar de mais fácil digestão ou rica em qualidades nutritivas e restauradoras do cérebro, nervos e corpo”.

Quem diria que o que parecia um simples achocolatado se revelava tão especial?

O produto vendia-se em todas as farmácias, drogarias e boas mercearias, até porque, quando chegou ao mercado, o Ovomaltine era visto como um fortificante para crianças débeis, já que assim havia sido criado pela família suiça Walter. O pai, Georg queria desenvolver um produto à base de malte para combater a subnutrição e o filho, Albert, teve a ideia de lhe juntar ovo, leite e cacau. O Ovomaltine seria lançado em 1904 e rapidamente fez sucesso em praticamente todo o planeta, associando-se ao desporto e aos desportistas. Em 2002,  a Walter e os seus produtos foram comprados pela Associated British Food (ABF), mas o Ovomaltine continua presente em quase todo o mundo.

Já agora, a textura característica, crocante, terá resultado de um erro que impedia que o os flocos se dissolvessem, mas acabaria por ser um dos trunfos que tornam o Ovomaltine inconfundível em qualquer lado.

 

Este anúncio português é de 1933 e apresenta uma das muitas abordagens que a marca fez ao longo da sua tão longa história. Na época, o único representante para Portugal era a Alves e Cª (irmãos), com sede na rua dos Correeiros, 4, em Lisboa. Quase tão antiga como o Ovomaltine (1919), esta empresa portuguesa ainda existe e dedica-se hoje à representação, venda e assistência técnica de dispositivos, equipamentos e materiais médicos, fornecendo e prestando assistência técnica.

 

 

Fontes

Hemeroteca Digital de Lisboa

hemerotecadigital.cm-lisboa.pt

Illustraçáo Portuguesa

8º ano; nº 14 (182) – 6 jul. 1933

 

https://www.wander.ch/fr/entreprise/histoire

https://alves.pt/

A extraordinária fuga do ladrão contorcionista

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Foi o primeiro - e durante muito tempo o único - a conseguir escapar da Cadeia Penitenciária de Lisboa. Estava no terceiro andar e esgueirou-se por entre as grades. Esta é a audaciosa evasão do larápio com alma de gato.

Nunca ninguém tinha conseguido fugir da Cadeia Penitenciária de Lisboa, poucos até tinham-no tentado, porque o imponente edifício ganhara fama de invencível. Até que um homem franzino conseguiu a arriscada e extraordinária proeza. Chamava-se José Maria Tavares e, para além de reconhecido amigo do alheio, chegou a trabalhar como acrobata ambulante.

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Foi na noite de 22 de julho de 1888. Enquanto os outros presos dormiam, o jovem larápio estava em plena atividade. Primeiro tentou arrombar a porta, conseguindo apenas empenar o postigo por onde costumava receber comida.
Não desistiu. Em vez disso, voltou-se para a altaneira janela e, com a pá do lixo que tinha na cela, terá conseguido desaparafusar o caixilho. Entre ele e o ar fresco da madrugada apenas as grossas barras de ferro, com um distanciamento de 15 centímetros entre si.

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Pois foi pelo diminuto espaço entre o varão superior e o arco de alvenaria que conseguiu primeiro enfiar a cabeça e depois o corpo.
Como homem prevenido que mostrou ser, o Tavares levava consigo uma espécie de corda que fez com as tiras que rasgou dos lençóis em que tinha dormido nos últimos quinze dias.

Conseguiu atá-la a uma estrutura metálica existente na parede exterior e dependurou-se sobre o pátio da penitenciária a uma altura de mais de 12 metros. Com a mesma estratégia, piso a piso, conseguiu chegar ao chão sem ser detetado. Saiu do pátio por um portão aberto(!) e escalou o primeiro muro, com dez metros de altura, usando equipamento e ferramentas (uma escada e um formão) que foi encontrando. Deslizou para o outro lado com a ajuda das cordas de um estendal.

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Trepou também a derradeira muralha usando uma caleira de rega e, como percebeu que morreria se saltasse de tão alto, circulou sobre ela – no mesmo percurso supostamente vigiado por sentinelas a cada 200 ou 300 metros - até se deparar com um candeeiro que lhe permitiu amparar a descida.
Nessa estranha noite de luar, ninguém viu, ouviu ou pressentiu este homem com vinte anos e alma felina.
Estava finalmente na rua. Correu pela estrada da Circunvalação (hoje rua Marquês de Fronteira) em direção ao rio, mas às cinco horas da manhã, o guarda 110 da 1ª divisão, de serviço no Terreiro do Trigo*, fez mais que todas as sentinelas e guardas da Cadeia Penitenciária de Lisboa.
Interpelando José Maria Tavares, facilmente percebeu que algo não batia certo, o que também não era muito difícil, pois o desgraçado apresentava-se vestido da cabeça aos pés com o reconhecido uniforme da prisão, pardo, como todos os gatos em noite de lua cheia.
As desculpas esfarrapadas de nada serviram e foi levado para a esquadra do “Cais dos Soldados”**, onde o interrogatório resultou no seu encaminhamento para o local de onde tão afanosa e audazmente tinha conseguido escapar, contra todas as possibilidades. Às 9 da manhã estava de volta.
José Maria Tavares, provavelmente nunca teria ouvido falar de Houdini - até porque, por aquela altura, o célebre mestre das fugas tinha apenas 14 anos - mas, mesmo sem saber, eram almas gémeas no que às evasões dizia respeito, pois o jovem ladrão já tinha no seu currículo três bem-sucedidas e outras tantas tentativas frustradas.
A vida de crime de José Maria Tavares começou cedo. A primeira condenação foi aos 16 anos. Sempre que fugia ou acabava de cumprir pena, voltava ao roubo, de cavalos e objetos de pequena valia, a avultadas quantias. Roubava a pessoas, mas também a instituições: a secretaria da comarca de Sever do Vouga, a administração do concelho e a estação telegráfica, por exemplo. Tudo servia para alimentar o vício e a barriga.
Tão rocambolesca história não podia acabar bem. Foi solto em 19 de abril de 1890, mas pouco depois regressou àquela casa que bem conhecia. Provavelmente não voltou a ver a sua aldeia natal, Nespereira, na freguesia de Rocas do Douro, porque morreu tuberculoso, na Cadeia Penitenciária de Lisboa, de onde não mais conseguiu fugir.

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À margem

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“Poucos edifícios haverá em Portugal com uma construção e vida mais acidentadas do que a Cadeia Penitenciária”, hoje Estabelecimento Prisional de Lisboa, que recebeu os primeiros presos em 1885, culminando um processo muito polémico e dispendioso com quase vinte anos.
Por ali passaram milhares de presos, mas apenas um número muito reduzido*** tentaram escapar, porque a disposição das celas, o largo fosso e os altos muros, para além da rede de sentinelas, eram suficientes para demover esse impulso.
Até 1913, vigorou um regime de isolamento e silêncio, em parte responsável pela loucura de 513 dos 4.303 presos e pelo suicídio conseguido de 32 homens, a que se juntam largas centenas de outros que, tal como José Maria Tavares, ali morreram de tuberculose.
Algumas tentativas de fuga ficaram famosas, como a do contrabandista espanhol Manoel de Sousa e Silva – Manoelinho que, em 1908, conseguiu arrombar a parede exterior da cela, mas só chegou ao muro, pois foi detetado e capturado. Já no ano passado (2019), um recluso inglês tentou escapar por entre as grades, besuntando-se com óleo e munido dos tradicionais lençóis.
Mas isso é outra história…

……………..

*Na confluência entre a avenida Infante Dom Henrique, a rua do Cais de Santarém e a rua do Terreiro do Trigo, foi o antigo Campo de Lã, onde se faziam execuções capitais. Deve o nome ao celeiro público onde se armazenavam cereais e que aí se localizava.
**Corresponde à estação ferroviária de Santa Apolónia, construída junto ao denominado Cais dos Soldados, e ao extinto Convento de Santa Apolónia.

***Não consegui apurar quantos tentaram e quantos conseguiram. Até 1933, José Maria Tavares tinha sido o único bem-sucedido.
…………………
Já aqui falei da Cadeia Penitenciária de Lisboa e de como os presos eram obrigados a usar um capuz que lhes omitia a cara.

………..
Fontes
Do Crime e da Loucura, de A. Victor Machado; Henrique Torres – editor; 1933 – Lisboa

Biblioteca Nacional em linha
www.purl.pt
Diário Illustrado
17º ano; nº5491 – 23 julho 1888

Hemeroteca Digital Brasileira
http://memoria.bn.br/hdb/periodico.aspx
Jornal da Noite
18º ano; nº5419 – 22 julho 1888
18º ano; nº5420 – 23 julho 1888
18º ano; nº5425 – 28 julho 1888

Diário de Notícias – Rio de Janeiro
Ano IV nº1164 – 20 agosto 1888

https://toponimialisboa.wordpress.com/2015/06/15/o-largo-do-terreiro-do-trigo/

https://maislisboa.fcsh.unl.pt/proxima-paragem-estacao-de-santa-apolonia/

https://sol.sapo.pt/artigo/668523/recluso-tenta-escapar-de-prisao-em-lisboa-utilizando-lencois-e-oleo-

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