Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

O sal da história

Crónicas da história. Aventuras, curiosidades, insólitos, ligações improváveis... Heróis, vilões, vítimas e cidadãos comuns, aqui transformados em protagonistas de outros tempos.

O sal da história

Crónicas da história. Aventuras, curiosidades, insólitos, ligações improváveis... Heróis, vilões, vítimas e cidadãos comuns, aqui transformados em protagonistas de outros tempos.

A misteriosa ilha dos Cães

 

ilha dos caes 1710.GIF

 

Era uma vez uma ilha com extensos areais banhados por águas transparentes. Foi poiso de pestilentos, contrabandistas, pescadores e…peludos de quatro patas. Talvez por isso, desde tempos imemoriais, esta nesga de território entre o oceano e terra firme aparecesse nos mapas como ilha dos Cães. É ali, no cabo de Santa Maria, que termina Portugal.

 

Hoje é difícil afirmar com total certeza qual a localização exata deste lugar. É, certamente, uma das ilhas barreira que protegem, a sul, a costa algarvia e os baixios da Ria Formosa, mas qual delas?

carta sec xvi ilha dos caes.GIF

Quem conhece a zona, sabe que a calma ali é aparente. Aqueles volumosos bancos de areia modificam-se ao sabor das marés e dos ventos, moldam-se, transformam-se continuamente. As barras que separam as ilhas (à exceção da de Armona) deslocam-se lentamente de oeste para este, assoreando.

ilha dos caes 1700.GIF

É esta dinâmica a explicação para que as peças de defesa do litoral existentes, fortins e outras estruturas, tenham desaparecido, arrasadas pela inconstância dos solos e a inclemência do mar, ali enganadoramente pacífico.

Como se não bastasse, a onda gigante que sucedeu ao terramoto de 1755 causou grande devastação em todas as ilhas, mudando a sua face para sempre.

cabo de santa maria 1730.GIF

reino de portugal 1658.GIF

E, já no século XX, com a abertura da denominada Barra Nova, facilitando o tráfego marítimo nos portos de Faro e Olhão, a outrora ilha do cabo de Santa Maria, o ponto mais a sul do nosso território continental, seria dividida em duas: Barreta (ou Deserta) e Culatra.

A primeira referência à presença humana na ilha dos Cães, também conhecida como ilha dos Leprosos, data de 1522.

Foi paragem obrigatória de quarentena para um grupo de viajantes vindos de Arzila, em Marrocos. Suspeitava-se que trouxessem consigo peste bubónica e, assim, evitava-se que a maleita entrasse em solo nacional povoado.  

barra e canais de olhao.GIF

As condições de vida eram manifestamente inóspitas, tanto pelas forças da natureza, como pelas incursões de piratas que, amiúde, assolavam aquelas terras apartadas das leis gerais.

Mas, em meados do século XIX já existiam cabanas e armações de pesca, porque todos os braços eram poucos para alimentar a florescente indústria conserveira da região.

Paulatinamente, os homens, provenientes de Tavira, Faro e Olhão, foram criando condições de permanência para além da época da faina, levando depois as suas famílias.

Foi assim que nasceram os núcleos habitacionais hoje existentes, sendo o de Culatra o mais expressivo.

Mas, como se explica a alusão aos mamíferos de quatro patas no batismo destas terras?

cao de agua em embarcacao de pesca.webp

Talvez a resposta esteja nos outrora amigos inseparáveis dos pescadores algarvios e, em particular, dos olhanenses, “considerados os melhores de todo o reino e mui destros na pescaria de alto mar”.

Na pesca, o cão de água era companheiro de todas as horas, dividindo a labuta, ajudando a encaminhar os cardumes para as redes e na recolha destas. Um animal em cada bordo, ficava de vigia, saltando em busca do peixe escorregadio. Mergulhavam velozmente e traziam-no intacto na boca, sendo pagos por tal serviço.

Mareantes experientes e destemidos, os olhanenses também arriscavam muito no transporte para Gibraltar e vários pontos do mediterrâneo, bem como no inevitável contrabando. Os cães de água acompanhavam-nos, mostrando-se muito úteis levando mensagens entre embarcações ou destas para terra, assim como guardando os aprestos e outros pertences.

cao de agua corte leao.webp

Eram - e são – animais especiais, exímios nadadores, extremamente inteligentes, resistentes à fadiga e reconhecidos pela longa, frisada e lustrosa pelagem.

Todas estas qualidades não escaparam também ao rei D. Carlos, que possuía dois exemplares a bordo do iate Amélia, contando com a sua ajuda nas campanhas oceanográficas.

Quem não sabe, pensa estar perante uma estranha espécie de leão, pois o corte mais comum no cão de água português deixa-o com o focinho e a parte posterior do tronco tosquiados, uma juba frondosa da cabeça e uma bola de pelo na ponta da cauda.

Estas características, diga-se, tornam-no fácil de identificar, mesmo em imagens onde não era suposto estar, mas sempre no seu elemento natural, a água. Aqui, no célebre quadro Chafariz d'El Rey, do século XVI, e numa gravura representando a chegada a Lisboa de D. Miguel, em 1828.

chafariz del rey.webp

Seriam estes os cães que deram nome à ilha que a maior parte das fontes aponta como sendo a antiga ilha de Santa Maria, embora outras defendam tratar-se de Armona?

Lisboa Desembarque do Augustissimo Senhor D. Migue

Fica aqui a interrogação, já que, a partir do século XIX, as cartas parecem ter esquecido para sempre a misteriosa ilha dos Cães.

reino do algarve bib nacional.GIF

Quanto ao cão de água português, que chegou a ser a raça mais rara do mundo (anos 70 e 80 do século XX), parece hoje recuperar o merecido prestígio de outros tempos.

 

À margem

São cinco as ilhas barreira – Barreta, Culatra, Armona, Tavira e Cabanas – e duas penínsulas – Ancão (praia de Faro) e Cacela.

Na outrora ilha do Cabo de Santa Maria situa-se o farol com o mesmo nome e os aglomerados de Culatra e Hangares. As restantes ilhas têm uma ocupação predominantemente turística e sazonal.

Estas denominações e a configuração do território, no entanto, foram evoluindo ao longo dos tempos, consoante a ocupação e a vontade dos homens.

Os mapas antigos apresentas topónimos totalmente caídos em desuso. Mas, nas cartas modernas, ressalta um batismo menos comum: Hangares.

Este núcleo da ilha da Culatra deve o seu nome à instalação, em 1918, de um centro de aviação naval, que se destinava a ser utilizado por hidroaviões franceses, para patrulha da costa e combate aos submarinos inimigos.

Pouco serviu, visto que o conflito terminaria esse mesmo ano. O local foi depois usado como centro de treinos para tiro e explosivos e, mais tarde, pela Guarda Fiscal. Não obstante esta utilização militar, foi crescendo um aglomerado populacional, cujo pioneiro, dizem os mais antigos, foi Ti Zé Lobisomem.

Mas isso é outra história…

………………….

Nota: Esta ilha dos Cães nada terá que ver com a Ilha dos Cães de que fala o filme luso angolano realizado por Jorge António e produzido por Ana Costa, que se estreou em 2017 e foi um dos últimos trabalhos do conhecido ator Nicolau Breyner.

……………………..

Fontes

José de Sande Vasconcelos, Mapa da Configuração de Todas as Praças, Fortalezas e Baterias do Reino do Algarve, c. 1790. Disponível em:

imprompto.blogspot.com/2008/11/fortalezas-e-baterias-do-algarve-em.htm

 

Academia de Marinha - Memórias 2008, Volume XXXVIII, coordenação: João Abel da Fonseca e Luís Couto Soares Data. Lisboa, Academia de Marinha, 2013,

Os Pescadores, Raul Brandão, 1923.

“Nós somos Ilhéus, juntos somos mais fortes”: Fluxos da construção de identidade e comunidade na Ilha da Culatra – Faro, Tese de doutoramento em Antropologia de Mariela Felisbino da Silveira, , ISCTE - Instituto Universitário de Lisboa, 2021.

 

Algarve (Portugal) Description Géographique et Géologuiquede Cette Province, par Charles Bonnet, Academie Royale des Sciences de Liebonne, 1850. Disponível em:

Algarve Portugal: Description géographique et geólogique de cette province - Charles Bonnet - Google Livros

Matriz PCI (dgpc.pt)

pjr152-XIII-1ª-1.pdf (sapo.pt)

Topónimos do Mapa Corográfico do Reino do Algarve PDF - ELIBRARY.TIPS

Paulo Perestrello da Câmara, Diccionario Geographico, Historico, Político e Litterario do reino de Portugal e seus Domínios, Tomo Primeiro, Rio de Janeiro, Publicado por Eduardo e Henrique Laemert, 1850. Disponível aqui:

Diccionario geográphico histórico polı́tico e litterário do reino de Portugal ... - Paulo Perestrello da Camara - Google Livros

 

Hangares, hidroaviões e pães de leite ou as memórias do Centro de Aviação Marítima do Algarve (sulinformacao.pt)

Hangares, terra de ninguém (expresso.pt)

Efeméride | Criação da Aviação Naval (marinha.pt)

Aviação Naval (momentosdehistoria.com)

Marinha de Guerra Portuguesa: A Conquista de Arzila-1471

João Coutinho, 2° Conde de Redondo (c.1480 - c.1548) - Genealogy (geni.com)

Cão de Água Português – Clube Português de Canicultura (cpc.pt)

Cão de água português – Wikipédia, a enciclopédia livre (wikipedia.org)

Ilhas barreira da Ria Formosa - Tavira - Natural.pt

 

Texto de Susana Jacobetty

História do Cão de Água Português - A MAGAZINE (amagazinept.org)

 

Imagens

Universidade de Coimbra

Biblioteca Geral Digital (uc.pt)

 

Regnorum Hispaniae et Portugalliae: tabula generalis jam nuper edita nunc denuo revisa, autra e ad Usum Scholarumm, Ioh. Bapt Hommano, 1710 (pormenor).

http://hdl.handle.net/10316.2/43189

 

Regnum Castellae Novae, Andalusiae, Granadae, et Algarbiae, nec non Maxime partis Portugalliae et Extremadurae, ex Officina Justi Danckerts, 1680.

http://hdl.handle.net/10316.2/43178

 

Reyno do Algarve, Granpré, 1730.

http://hdl.handle.net/10316.2/43482

 

Biblioteca Nacional de Portugal (em linha)

www-purl.pt

Reino do Algarve, Sculp. Laurent, ca 1760 (?)

https://purl.pt/1384

 

História do Cão de Água Português - A MAGAZINE (amagazinept.org)

   Reino do Algarve Desembarque do Augustissimo Senhor D. Miguel no Caes de Belém… , António Patrício Pinto Rodrigues (edit.)

   Chafariz del Rey

  Cadela d’àgua – erguida soabre a amurada, guarda o barco, atracado ao cais, qual sentinela vigilante…., Revista de Medicina Veterinária do Algarve, 1936

   O Leão, o Cão de Água Português que viria a ser o modelo para o estalão da raça, descoberto por Vasco Bensaúde no Algarve em 1936.

 

Instantâneos (96): congresso molhado, é turista amuado

 

congresso maritimo internacional recolhidos da chu

Portugal tem um clima ameno. As nossas primaveras são quentes, secas e luminosas…Mas, que é dessa atmosfera temperada quando a queremos mostrar a um importante grupo de estrangeiros, potenciais clientes dessas apregoadas maravilhas climáticas? S. Pedro, simplesmente, recusa-se a colaborar e faz desabar chuva e vento sobre as ilustres cabeças, para sempre traumatizadas com a estadia. Foi assim durante o Congresso Marítimo Internacional de 1904…tudo por culpa dos padres.

congresso maritimo internacional sessao solene vis

Bem, pelo menos foi essa a opinião de alguma comunicação social, inconsolável com o mau tempo com que recebemos as muitas dezenas de participantes nesta iniciativa organizada pela Liga Naval Portuguesa, com o apoio da Sociedade Portuguesa de Geografia e da Casa Real. Estávamos na última semana de maio e a seca – já então – ameaçava a agricultura e o comércio, para além dos estômagos vazios dos portugueses.

Então não é que os padres católicos cometeram a imprudência de, em uníssono, lançarem aos céus as suas preces por água...

E foram atendidos, precisamente durante a aguardada iniciativa, apenas a terceira a nível europeu, depois das realizações, no Mónaco e em Copenhaga.


congresso maritimo internacional passeio no tejo2.

congresso maritimo internacional passeio no tejo.G

Assim, lutando contra desígnios superiores, os programados períodos de lazer do Congresso foram um verdadeiro tormento.

O passeio no Tejo pautou-se por um rio encapelado, propenso a enjoos, céu cinzento e ameaçador, aragem fresca e desagradável.

Na visita a Sintra, os forasteiros mal puderam sair dos cerca de 50 trens que os levaram da estação de caminho-de-ferro aos palácios da Vila e da Pena, apenas vislumbrando o Castelo dos Mouros, tal o diluvio que se manifestou logo desde a chegada.

congresso maritimo internacional um dos poucos mom

Não viram verde, nem as escarpas de cortar a respiração, apenas as belezas interiores – também de monta, mas incomparáveis às estonteantes paisagens. O mesmo em Cascais e no Estoril.

Tiveram de se improvisar toldos e refeições indoor e à pressa, que isto de comer em tendas assoladas por tempestades não é muito agradável.

 

congresso maritimo internacional refeicao em pleno

Que terão dito os convivas de regresso aos seus países? Que danos se terá então infligido à nacional reputação com consequências para o turismo dos anos seguintes?

São perguntas que ficaram sem resposta. No entanto, se fora de portas foi o que se viu, no decorrer do dos trabalhos do congresso tudo parece ter corrido de feição: a visita ao Aquário Vasco da Gama, a exposição oceanográfica – em grande parte com exemplares recolhidos nas campanhas do rei D. Carlos - os banquetes para mais de 300 talheres, a elegância dos cavalheiros, as garbosas fardas militares, as sofisticadas indumentárias das (poucas) senhoras presentes e as sessões nas belas instalações da Sociedade Portuguesa de Geografia…

congresso maritimo internacional sessao solene pre

Quanto aos temas debatidos, pouco ou nada se registou nos jornais, talvez porque os assuntos fossem insondáveis para o público comum, talvez porque a trágica situação em que então se encontravam as nossas frotas mercante e de guerra fosse suficientemente esclarecedora e gritasse bem alto que, por muitos encontros internacionais que se fizessem, o denominado ressurgimento marítimo português, que então se defendia, só se faria com atos concretos e muito dinheiro.

congresso maritimo internacional o grupo no parque

 

Fontes

Hemeroteca Digital de Lisboa

Illustração Portugueza nº30, 30 maio 1904

Liga Naval Portuguesa - do “Ressurgimento marítimo” ao “Ressurgimento nacional”, entre quatro Regimes (1900-1939), de Fernando David e Silva, Tese para a obtenção do grau de Doutor no ramo de História, na especialidade de História Contemporânea, Faculdade de Letras da Universidade de Lsiboa, 2020.

 Disponível aqui: Repositório da Universidade de Lisboa: Liga Naval Portuguesa - do “Ressurgimento marítimo” ao “Ressurgimento nacional”, entre quatro Regimes (1900-1939) (ul.pt)

 

Confraria Marítima – Liga Naval Portuguesa – Plataforma de encontro e reflexão dos diversos interesses relativos ao nosso Mar, visando o desenvolvimento de iniciativas e projetos que o valorizem. É uma entidade da sociedade civil, sem fins lucrativos, de carácter cultural, técnico e cientifico, congregando profissionais do mar, investigadores, juristas, autarcas, empresário marítimos e todos aqueles que considerem que o Mar pode e deve ser o novo desÍgnio de Portugal. (confraria-liganaval.pt)

 

Imagens

Illustração Portugueza nº30, 30 maio 1904

 

Um jogo que se ia perdendo na história

 

mach de futebol.GIF

A histórica partida inaugural entre Lisboa e Porto, em que se disputou o primeiro troféu português em futebol, não passou de mera nota de rodapé entre as importantes e animadas comemorações do V Centenário do Nascimento do Infante D. Henrique, que levaram ao Porto a família real e milhares de pessoas imbuídas de espírito patriótico.

 

el rei d carlos.GIF

Foi das mãos de D. Carlos que a equipa de Lisboa recebeu aquele que foi o primeiro troféu de futebol disputado em Portugal, no final de um jogo realizado no Porto. Ficou para o anedotário nacional o facto de o match, como então se designava a partida de football, ter sido prolongado para que o real casal pudesse ver mais um pouco, já que haviam chegado perto do final. Admira até que tivessem conseguido comparecer, pois aquele evento terá sido, talvez, o menos importante da sua movimentada estadia na Invicta, nesse mês de março de 1894.

chegada dos reis ao porto em 1894.GIF

Efetivamente, não houve na época a noção de que se estava a escrever a história do desporto que, naquele longínquo ano, não era ainda “rei”, mas apenas uma atividade de elite, muito fomentada pelos ingleses a viverem no nosso País.

Ainda por cima, por aqueles dias, os britânicos não gozavam de grande simpatia pública, pois havia ainda resquícios das indignadas manifestações populares e políticas que sucederam ao ultimato inglês a que haviamos sido forçados a ceder, em 1890.

Ferido no seu orgulho e obrigado a recuar nas colónias, Portugal desdobrou-se, nos anos seguintes, em exercícios de exaltação do amor à pátria e afirmação do seu território aquém e além-mar. Foi nesse contexto que as comemorações do V Centenário do Nascimento do Infante D. Henrique, realizadas naquela data e no Porto, monopolizavam as atenções.

cortejo civico comemoracoes henriquinas.GIF

Tanto assim é que, no mesmo dia em que entregou ao vencedor do jogo de futebol a taça de prata “riquíssima de valor”, D. Carlos e D. Amélia haviam estado, imediatamente antes, na inauguração da Exposição Insular e Colonial Portuguesa, no Palácio de Cristal, o que acabaria por atrasá-los.

 

corrida de velocipedes na rotunda da Boavista.GIF

De resto, a sua estadia foi recheada de compromissos, correndo de evento em evento, tentando acudir a todos os locais onde a sua presença era reclamada: exercícios de tiro ao alvo, corridas de velocípedes; sessões solenes de variada índole; missas e visitas a diversas entidades; a inauguração da Exposição Agrícola e Industrial (em Vila Nova de Gaia), o bodo aos Bombeiros e a inauguração da escola Príncipe da Beira, em Gueifães…entre tantas outras iniciativas.

deposicao da primeira pedra no monumento ao infant

Nem de noite tinham descanso, com jantares de centenas de talheres, bailes e até uma função de gala no Teatro S. João, com todo o elenco do Real Teatro de São Carlos, propositadamente transportado de Lisboa.

chegada da primeira pedra para o monumento ao infa

As ruas do Porto estavam engalanadas e iluminadas, havia muito povo, mas o cortejo cívico, com a presença de carros alegóricos das principais instituições portuenses, terá sido um dos momentos mais brilhantes.

O rei participou a cavalo e, a meio caminho, descerrou uma lápide na casa onde se pensa ter nascido o Infante.

No desfile fluvial – com o monarca a bordo da corveta Sagres - houve enorme emoção patriótica. Integrava uma caravela do século XV, na qual seguia uma laje trazida de Sagres – onde o Infante D. Henrique terá fundado a sua mítica escola de navegação - que se destinava a constituir a pedra fundamental - então lançada - do monumento que a ele se erigiria no Porto e que só seria inaugurado seis anos depois.

centenario henriquino.GIF

Como é fácil de perceber, com tanta atividade de monta a decorrer, o histórico desafio de futebol – ou jogo do coice, como a modalidade era apelidada - foi então mera nota de rodapé, embora hoje seja dos eventos mais documentados.

Afinal, foi a primeira taça entregue em Portugal e a disputa inaugural entre Lisboa e o Porto, consequência do repto lançado pelos portuenses no ano anterior.

Nesta Cup d’El Rei, pela Capital jogou uma seleção das agremiações existentes – Club Lisbonense, Carcavellos Club e Ginásio Clube Português - enquanto, pelo Porto, alinharam representantes da génese do Futebol Clube do Porto e ingleses do Oporto Cricket Club. Venceu Lisboa por uma bola a zero, embora o goalkeeper dos lisboetas tenha tido necessidade de mostrar todos os seus dotes. Chamava-se Guilherme Ferreira Pinto Bastos e era também o capitão dos “lutadores” lisboetas.

Perspetivara-se um torneio anual - o Football Championship das Cidades de Portugal - para decidir quem ficaria com o belo troféu, mas a instabilidade política acabaria por ditar apenas este jogo. Atualmente, a taça pertence ao Clube Internacional de Futebol (CIF), "herdeiro" das instituições participantes.

 

À margem

Guilherme ferreira pinto basto.GIF

Este jogo de futebol amigável, que ficou para a história, não se regeu pelas atuais regras, nem sequer a dimensão do campo ou a distância e altura das balizas correspondem ao atualmente aceite nas competições oficiais da modalidade. Também não foi o primeiro em solo nacional. A honra de estrear o entre nós esta invenção dos ingleses foi para a Camacha, na Madeira, onde, em 1875, se realizou a primeira partida, iniciativa de um jovem britânico que ali passava as suas férias, como era comum entre os abastados. No continente, o debute fez-se sete anos depois, entre ingleses e irlandeses pertencentes a navios então fundeados em Lagos.

Coube a Guilherme Ferreira Pinto Bastos – o verdadeiro sportsman português – o mérito de ter trazido para o nosso território a primeira bola de futebol, depois de ter estudado em Inglaterra. Não se ficou por aí: ele, os irmãos - e depois os filhos e sobrinhos – fomentaram verdadeiramente a prática desportiva, não apenas futebolística, dinamizando atividades e associações que deram frutos e ainda hoje existem. Aliás, a fama empreendora da sua família já vinha de longe, basta dizer que foi o bisavô o fundador da conhecidissíma Vista Alegre, uma das mais emblemáticas marcas portuguesas.

Mas isso é outra história

Fontes

Hemeroteca Digital de Lisboa

Diário Illustrado

nº7398 29 out 1893

nº7521 3 mar 1894

nº7522 4 mar 1894

O António Maria, 14 maio 1894

 

Visão História, nº66, 08.2021

 

Taça D. Carlos I - Wikiwand

 

Família Real Portuguesa: ACONTECEU EM 1894... (realfamiliaportuguesa.blogspot.com)

 

Primeiro troféu português de futebol foi há 126 anos - Andarilho

File:Guilherme pinto basto.jpg - Wikipedia

O dia em que se realizou o primeiro jogo de futebol público em Portugal | MAISFUTEBOL (iol.pt)

Imagens

Arquivo Municipal do Porto

Gisa.web

Comemorações Henriquinas - corrida de velocípedes na Rotunda da Boavista

PT-CMP-AM/COL/FA/F.P:AVU:12:3, Foto Guedes, Edição Câmara Municipal do Porto - Coleção: Comemorações Henriquinas no Porto, em 1894, nº 8

Lançamento da primeira pedra para o monumento ao Infante Dom Henrique

PT-CMP-AM/COL/PST/D.PST:2204, Foto Guedes, Edição Câmara Municipal do Porto - Coleção: Comemorações Henriquinas no Porto, em 1894, nº 9

Chegada dos reis ao Porto para celebrar o V centenário do nascimento do Infante D. Henrique

PT-CMP-AM/PRI/FGD/F.NV:FG.M:9:893

Comemorações Henriquinas no Porto em 1894 : Cortejo Cívico

PT-CMP-AM/COL/FA/F.P:AVU:12:4, Fotografia produzida por "Fotografia Santos", Travessa da Fábrica, nº 32, Porto.

D. Carlos - Arquivo Plataforma de Cidadania Monarquica

Rafael Bordalo Pinheiro, O António Maria, 14 maio 1894

File:Guilherme pinto basto.jpg - Wikipedia