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O sal da história

Crónicas da história. Aventuras, curiosidades, insólitos, ligações improváveis... Heróis, vilões, vítimas e cidadãos comuns, aqui transformados em protagonistas de outros tempos.

O sal da história

Crónicas da história. Aventuras, curiosidades, insólitos, ligações improváveis... Heróis, vilões, vítimas e cidadãos comuns, aqui transformados em protagonistas de outros tempos.

Instantâneos (97): só para meninas

alunas do liceu maria pia 1910.jpg

 

Houve um tempo – demasiado tempo – em que a instrução era uma prerrogativa dos meninos. Às fêmeas estava genericamente vedado aprender a partir de um determinado grau, não fossem masculinizar-se, desequilibra-se emocional e intelectualmente ou, pior do que tudo, ter informação suficiente pensar pela sua própria cabeça. Neste contexto, foi um enorme avanço quando, em 1906, duas décadas após a criação do ensino liceal em Portugal e 40 depois da fundação da primeira Escola Normal feminina, surgiu, em Lisboa, o Liceu Maria Pia, o primeiro estabelecimento do género destinado a meninas.

liceu maria pia 1906.jpg

As raparigas visíveis nestas imagens são, no fundo, as privilegiadas que, nos primeiros anos, puderam beneficiar de uma educação mais alargada e estruturada.

 

Ainda assim, apesar de a oferta escolar englobar os cursos de tipografia, telegrafia e escrituração comercial, a par de lavores, não se pretendia, especificamente, formar profissionais, antes, o argumento era o de ensinar mulheres que melhor pudessem acompanhar seus maridos e educar seus filhos e, nas classes trabalhadoras, conciliar insipientes carreiras, com as obrigatórias atividades domésticas.

aula de frances com a 5 classe com a professsora b

Desde o início, os relatórios da escola falavam na emancipação da mulher, mas a formação ali disponibilizada não dava acesso ao muito ansiado exercício do magistério primário.

 

Mesmo já enquanto liceu, apenas ministrava o Curso Geral. Quem pretendia prosseguir para o Curso Complementar teria que, se tal lhe fosse permitido, matricular-se num estabelecimento masculino.

professora maria elisa dos santos com uma turma da

Este estado de coisas só se alterou em 1917, ano em que foi elevado à categoria de Liceu Central, mas, sintomaticamente, aquela casa de instrução foi então batizada com o nome de um homem: Almeida Garrett. Mesmo tendo sido uma mulher a principal impulsionadora desse reconhecimento académico: Domitila de Carvalho, que, de resto, ali seria reitora e uma verdadeira pioneira: entre outras estreias, foi a primeira mulher a licenciar-se em matemática e a lecionar esta disciplina.

Daí até uma educação mista e igualitária, ainda haveria muito que caminhar.

 

alunas do liceu maria pia 1916.GIF

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Nota: a Escola Maria Pia, depois liceu, denomina-se atualmente Escola Secundária Maria Amália Vaz de Carvalho, homenageando a primeira mulher a ingressar na Academia de Ciências de Lisboa. Originalmente, funcionou em Alfama, num edifício do largo do Contador-Mor. Passou, depois, para o largo do Carmo (Palácio Valadares). No ano letivo de 1933-1934, abriria as portas na rua Rodrigo da Fonseca, no atual edifício, construído de raiz para esta ocupação e da autoria do arquiteto Ventura Terra.

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Fontes

Irene Vaquinhas, Os caminhos da instrução feminina nos séculos XIX e XX - Breve relance, in Turres Veteras III, Atas de História Contemporânea, Torres Vedras, Câmara Municipal de Torres Vedras, Instituto de Estudos Regionais e do Municipalismo “Alexandre Herculano”, 2000. Disponível aqui: Os caminhos da instrução feminina nos séculos XIX e XX. Breve relance | Estudo Geral (uc.pt)

 

Escola Secundária Maria Amália Vaz de Carvalho, História da escola (esmavc.edu.pt)

 

Illustração Portugueza

Nº329, 10 jun. 1912

Nº428, 04 mai. 1914

Nº487, 21 jun. 1916

 

Maria Amália Vaz de Carvalho – Wikipédia, a enciclopédia livre (wikipedia.org)

 

Domitila de Carvalho – Wikipédia, a enciclopédia livre (wikipedia.org)

 

Imagens

 

Arquivo Histórico-Social / Projecto MOSCA

Alunas do Liceu Maria Pia (1910) entre as quais se encontra Lucinda Duarte, que mais tarde se casou com Mário Castelhano. Código: FOT382. Alunas do Liceu Maria Pia(fotografia) | Arquivo Histórico-Social / Projecto MOSCA (uevora.pt)

 

 

Repositório Digital da História da educação,

Alunas do Liceu Maria Pia, (maio 1906), frequentada por Seomara da Costa Primo

http://193.137.22.223/pt/patrimonio-educativo/museu-virtual/exposicoes/seomara-costa-primo-vida-e-obra/o-percurso/a-aluna-na-escola-maria-pia-e-liceu-passos-manuel/

Imagens

Illustração Portugueza

Nº329, 10 jun. 1912

Nº428, 04 mai. 1914

Nº487, 21 jun. 1916

 

O Descalço que era podre de rico

manuel dias rodriguas descalço.PNG

 

“Senta-te meu dinheiro!”, dizia o Descalço d’Évora quando o tratavam com deferência. Ninguém diria que aquele homem barbudo, maltrapilho, trajando como qualquer trabalhador rural, era senhor de uma das maiores fortunas do Alentejo.

 

A história que vou aqui contar explica a origem da expressão “Senta-te meu dinheiro…!”, ainda comum no Alentejo e atribuída à curiosa figura do “Descalço d’ Évora”. Tudo se terá passado há muitos, muitos, anos, na Herdade de São Bento (Alcácer do Sal), afamada pela caça grossa, entre a qual ressaltavam belos veados.

Os pormenores foram-me revelados por Adelaide Sousa, senhora de 87 anos de idade, dona de uma prodigiosa memória e de um sentido de humor precioso:

cena de caça.GIF

“Juntavam-se os grandes lavradores e vinham matar os bichos. O proprietário da herdade, Adriano Mora*, convidava os das suas relações. Caçavam e depois vinham todos almoçar num terreiro onde havia uma palmeira muito grande.

Quase todos se foram vestir para ir para a mesa, mas houve um que não trocou de roupa, porque depois ainda iam voltar à caça: tinha um boné em frangalhos na cabeça, ceifões na pernas e um casaco velho, rasgado nas mangas.

O feitor estava à entrada e ia acolhendo os convidados, mas viu aquele maltrapilho e disse: “O senhor não entra!”. E o outro: “Não entro? Está bem, o senhor é que manda”.

tres homens.GIF

Voltou para trás e encostou-se à palmeira, à espera. Estavam já em meio de comer, quando chega o senhor Mora, o patrão. Contou os convidados e disse logo: “Falta aqui um!”. Quem é, quem não é? Faltava o senhor Descalço d’ Évora.

Abalou tudo ‘à pergunta dele’ e encontraram-no. O senhor Mora deu uma grande descompostura no feitor e pediram imensa desculpa. Foi então que levaram o homem para a mesa, disseram-lhe para se acomodar e ele, ao chegar ao pé do banco disse assim: “Senta-te aqui, meu dinheiro, que um homem sem dinheiro não vale nada”.

Desde aí, esta frase foi repetida inúmeras vezes e passada de pais para filhos. O episódio é replicado com variantes e diferentes localizações, embora com o mesmo protagonista: Descalço d’ Évora. Significa que o homem não vale por si, mas só na medida dos bens que possui, porque quando se apresenta simplesmente como é, sem alarde do que tem, não é reconhecido ou valorizado.

Mas, quem era o famoso Descalço d’ Évora?

Este homem, com longas barbas brancas, que fazia questão de se apresentar como qualquer “rural”, com pelico e safões regionais, garruço de lã ou chapéu de borla, era um dos maiores e mais prósperos proprietários alentejanos.

Trata-se de Manuel Dias Rodrigues Descalço (1872-1959), dono da colossal Herdade do Esbarrondadouro, perto de Évora, onde chegaram a trabalhar 300 pessoas.

Descrita como uma pequena cidade, albergava fábricas de moagem e lagar, oficinas de ferreiro, abegão e carpinteiro e uma poderosa central de energia elétrica.

fabrica dos leoes.jpg

Detinha mais 24 propriedades arrendadas, num total aproximado de 9.470 hectares, nos distritos de Portalegre, Estremoz, Évora e Setúbal. Produzia quantidades astronómicas de gado, cortiça, lã, azeite, fruta e cereais.

Talvez por isso, estivesse entre os fundadores da Fábrica dos Leões (nas imagens), da Sociedade Alentejana de Moagem, fornecedora de farinha, massas e bolachas para toda a região.

fabrica dos leões.jpg

Mas, a sua atividade era ainda mais diversificada do que isso: em 1926 surge como sócio da Estevam Fernandes Lª, destinada à venda de automóveis Ford e tratores agrícolas; dois anos depois é sócio e gerente da Descalço & Coelho Ldª, vocacionada para o “comércio de comissões e consignações”; em 1945, está nos corpos sociais do Banco do Alentejo e é como credor - ao apoderar-se de quotas pertencentes a um comerciante que não conseguiu honrar o serviço de uma dívida - que aparece ligado ao emblemático Café Arcada, situado na praça do Giraldo, em Évora (na imagem) - Ver à margem.

praça do giraldo.jpg

Manuel Dias Rodrigues Descalço acabaria por unir a sua família aos Torres Vaz Freire, clã prestigiado daquela cidade e que, em finais do século XIX, enfrentava problemas financeiros.

Os Descalço, que já possuíam vasto poder económico, ascendiam, deste modo, no que ao estatuto social dizia respeito..

O “Descalço d’ Évora”, no entanto, parece nunca se ter iludido com tão fulgurante percurso. Sabia que aqueles que se vergavam à sua passagem, o bajulavam e requeriam a sua presença, faziam-no mais ao seu dinheiro, do que ao indivíduo que o ganhara.

Porque, como bem dizia, “Um homem sem dinheiro não vale nada”.

 

À margem

interior do cafe arcada.JPG

A partir de 1942, todos os grandes negócios faziam-se no Café Arcada, ali na emblemática praça do Giraldo, em Évora, por onde passavam os importantes daquela cidade e os grandes lavradores das cercanias. O mote foi logo dado no dia 14 de fevereiro, data da inauguração, com um jantar à americana (para famílias).

A iniciativa do estabelecimento coube a António Justino Mexia da Costa Praça, Celestino Costa, António Borges Barreto e Basílio da Costa Oliveira, que acabaria por perder a sua quota para o senhor Descalço. Desconhecemos é se este esteve presente na inauguração, já que foi obrigatório o uso de trajo de passeio...

cafe arcada.jpg

O espaço afirmou-se, durante muito tempo, como sinónimo de qualidade, chegando a ser apontado como um dos melhores do País. Possuía três entradas e a principal tinha a particularidade de ser ocupada por uma glamorosa porta giratória, que provocou enorme frisson. Lá dentro, havia uma pequena papelaria/tabacaria – O Charuto – e cerca de cem mesas onde eram servidas as mais saborosas iguarias, ao som da banda residente.

O “Arcada” seria retratado na literatura, pelo escritor Vergílio Ferreira que, na obra biográfica Aparição, relata um encontro naquele café, onde, contaria depois, Alberto Miranda, amigo que convidara para ser padrinho de casamento, lhe terá patrocinado a boda, que se resumiu a bolos e um galão para cada um dos noivos.

Mas isso é outra história…

"O descalço d’Évora,

roto, mas podre de rico,

chega, à tarde, ao Arcada;

logo o garçon o atira à rua;

mas o dono vai rebuscá-lo de volta.

Ele, acomodando, exclama:

Senta-te, meu Dinheiro."

(Ângelo Ôchoa)

…………………………………………..

* Adriano Tavares Mora (1886-1951), chegou a ser presidente da Câmara Municipal de Alcácer do Sal e administrador deste concelho.

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As imagens 2 e 3 são meramente ilustrativas da caça na região e do tipo de vestuário utilizado.

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Fontes

Agradeço a Maria Antónia Lázaro, que me apresentou a dona Adelaide Sousa.

 

Paulo Eduardo Guimaráes, Elites e indústria no Alentejo (1890-1960), Biblioteca - Estudos & Colóquios | 12, Évora, Publicações do Cidehus, Edições Colibri, 2006. Disponível aqui:

Elites e Indústria no Alentejo (1890-1960) - Capítulo 2. As associações capitalistas eborenses e o seu papel: actores, áreas de negócio e ritmos de formação (1889-1960) - Publicações do Cidehus (openedition.org)

HELDER BARROS: Poesia - O Meu Amigo e Poeta Ângelo Ôchoa, interpela-nos com o Poema: "O descalço de Évora!" (informaticahb.blogspot.com)

Texto de José Francisco Banha em: (20+) Há Dias em Évora | Facebook

Texto de Ofélia Sequeira, em Almanaque Alentejano - N.º 8 - 2012 (aeje.pt)

Portal de Genealogia | Geneall.net

"Aparição", de Vergílio Ferreira - RTP Ensina


Café Arcada / Évora (cafeshistoricos.pt)

 

Imagens

Portal de Genealogia | Geneall.net

Arquivo Municipal de Alcácer do Sal

Cena de Caça

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Três homens

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Arquivo Fotográfico da Câmara Municipal de Évora

Exterior da Fábrica dos Leões

Eduardo Nogueira, 1938, PT/AFCME/AF/EDN/3275/10109

 

Proprietários e Trabalhadores da Moagem Eborense Lda.

Eduardo Nogueira, 1940, PT/AFCME/AF/EDN/3275/10110

 

Reprodução de imagem da fonte da Praça do Giraldo

Eduardo Nogueira, 1940 - ? (Produção) PT/AFCME/AF/EDN/3226/23

 

Interior do Café Arcada

David Freitas, 1938, Cota DFT3021

 

Viver Évora: Évora Perdida no Tempo - Interior do Café Arcada (viverevora.blogspot.com)

 

Café Arcada / Évora (cafeshistoricos.pt)

Cabral e o “milagre” da multiplicação de sepulturas

 

pedro álvares cabral descobre o Brasil.jpg

Até 1839 o grande navegador Pedro Álvares Cabral não tinha sepultura conhecida. Não é que faltassem documentos a informar onde repousava para a eternidade, mas ninguém parecia interessar-se sobre o assunto. Hoje, possui nada menos que quatro monumentos funerários onde é admirado pelos seus importantes feitos. O autêntico é aquele onde estavam também ossadas de pelo menos seis tipos de animais. 

 

Na Internet circulam as mais mirabolantes versões sobre como foi possível desdobrar o navegador Pedro Álvares Cabral por Santarém, Belmonte, Rio de Janeiro e, claro, o Panteão Nacional, mas a verdade nem é muito difícil de apurar.

Só 319 anos após a sua morte, é que surgiu interesse sobre o paradeiro dos restos mortais do homem responsável, em 1500, pela extraordinária descoberta da joia da coroa do nosso outrora império colonial.

Igreja_da_Graça,_em_Santarém_(Portugal) (2).jpg

O historiador Francisco Varnhagen - nascido no Brasil, de mãe portuguesa e pai alemão -  veio em busca das origens e, sabendo que Cabral havia morrido afastado da fama e desterrado da corte, em Santarém, encontrou, na igreja de Nossa Senhora da Graça, um templo então abandonado e praticamente em ruínas, a campa rasa onde, segundo o epitáfio, estaria o navegador, a mulher e todos os herdeiros.

O tema voltou a cair no esquecimento até à visita a Portugal do próprio imperador do Brasil, em 1872. D. Pedro II quis visitar a sepultura do “pai fundador” e ficou indignado pelo desprezo e a humilhação a que as suas cinzas estavam votadas, para além de preocupado com os boatos de o espaço ter sido profanado e espoliado durante as invasões francesas (1807-1810) e de novo revolvido e aterrado no decorrer das guerras entre liberais e absolutistas (1832-1834).

Propôs que se fizesse a abertura do sepulcro e exumação das ossadas, para apurar, se possível, quem estava ali enterrado.

tumulo de pedro alvares cabral apos primeira interDez anos depois, por iniciativa de um grupo de patrióticos escalabitanos, procedeu-se à exumação das três ossadas encontradas na camada superficial de terra do jazigo, não tendo sido possível identificar quem quer que fosse.

Apenas em 1903 – mais de duas décadas após a primeira exumação! – numa iniciativa do brasileiro Alberto de Carvalho apoiada pela embaixada brasileira em Lisboa, com a presença de um médico anatomista e de um arqueólogo - José António Serrano e José Leite Vasconcelos – retirou-se todo o conteúdo da ampla sepultura.

O relatório desta operação dava conta que ali estavam não apenas três, mas sim “muitas pessoas de várias idades e sexos”, afigurando-se impossível determinar quantas, embora, seguramente, um mínimo de seis adultos e duas ou três crianças.

Não havia qualquer sinal de anterior violação do espaço, mas também não se conseguia, com os meios disponíveis, saber qual das ossadas pertencia ao insigne descobridor do Brasil.

Depois de analisados e identificados também todos os objetos e outros vestígios – alguns bem bizarros (ver À margem) – o conteúdo foi depositado novamente na campa, no interior de uma urna de pedra.

800px-UrnaPedroAlvares_Cabral_no_Brasil (2).jpg

É aqui que se dá a primeira multiplicação de sepulturas. Em dois pequenos caixões de mogno forrados a metal foi colocado “um pouco de terra saturada de pó humano encontrada no túmulo”, destinada “a ser conservada como preciosa recordação” de Pedro Álvares Cabral.

Um dos féretros simbólicos seguiu para a Sociedade Portuguesa de Geografia e o outro foi transportado para o Brasil, onde ainda hoje pode ser visitado, na Catedral Metropolitana do Rio de Janeiro – antiga Sé.

Quem ali chega é informado estar perante “os resíduos mortais de Pedro Álvares Cabral”, trazidos de Santarém, o que, não sendo mentira, pode suscitar enganos.

pedro alvares cabral em belmonte (2).jpg

Ora, em Belmonte, terra onde nasceu o navegador, encontramos, na igreja de Santiago, o panteão dos Cabrais. E quem é que se anuncia estar depositado naquele espaço? Precisamente Pedro Álvares Cabral, mais propriamente as suas cinzas, que também terão vindo de Santarém*.

cenotáfio de pedro alvares cabral no panteao (2).

Resta o Panteão Nacional. Entre Luís de Camões e o Infante D. Henrique, está o cenotáfio de Pedro Álvares Cabral. Mais uma vez, a julgar pelo formato da urna e por se saber que repousam naquele monumento os “grandes” de Portugal, o português mais distraído e, de resto, qualquer turista, pode ser levado ao engano, desconhecendo que aquela é uma tumba alegórica, erigida apenas para homenagear o descobridor Pedro Álvares Cabral.

 

Sim, porque na verdadeira sepultura, em Santarém, apenas se enaltece a mulher – afirmando-se que foi camareira da infanta D. Maria – fazendo-se letra morta dos elogios ao patriarca da família sepultada.

Valha-nos a informação recente ali colocada e a proximidade da Casa do Brasil – na esquina oposta - onde parte desta história é contada.

À margem

No dia 14 de março de 1903, uma pequena multidão de convidados e curiosos assistia entusiasmada à reabertura da campa de Pedro Álvares Cabral. Foi um ato complexo e demorado, se tivermos em conta que só a remoção da enorme laje demorou umas longas duas horas de trabalho.

Depois, foi necessário retirar todo o conteúdo do sepulcro, que foi analisado por peritos. Para além das expetáveis ossadas humanas e fragmentos de pequenos objetos comuns em enterramentos ao longo dos anos, encontraram-se inusitados restos mortais de diversos animais, a saber: a cabeça óssea de uma cabra - o que, enfim, não seria de espantar por mera simbologia, na campa da família Cabral – mas, também, ossos de coelho, boi, porco, galinha e conchas bivalves. Esta identificação só foi possível com a minuciosa análise do naturalista Alberto Girard, o que não tornou menos bizarra a descoberta, que nenhum dos peritos explicou.

Tudo voltou a ser colocado no interior da tumba, na capela de S. João Batista, da igreja de Nossa Senhora da Graça.

Mas, são numerosos os textos brasileiros que circulam na Internet e se questionam sobre o paradeiro das ossadas de Pedro Álvares Cabral, afirmando que, na sepultura, se encontrou um carneiro. Desconhece-se, talvez, que no português de Portugal, o termo “carneiro” é usado para designar um sepulcro, não o seu conteúdo (na imagens, carneiros do panteão dos Cabrais, em Belmonte).

penteao dos cabrais em belmonte com carneiro da fa

Mas isso é outra história…

 

 

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*Destas “cinzas”, a autarquia local já dispôs de uma parte para depositar aos pés da estátua de Gonçalo Velho Cabral, em São Miguel, nos Açores, no âmbito de uma geminação entre os dois municípios.

 

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Fontes

 

Auto da exumação dos ossos de Pedro Álvares Cabral, Arquivo Nacional de Torre do Tombo, PT/TT/GAV/16/4/14.

 

Exposição a El-Rei, acompanhando o duplicado do auto do reconhecimento solene da existência dos restos mortais de Pedro Álvares Cabral, no seu jazigo em Santarém, para que se digne mandá-lo guardar no arquivo da Torre do Tombo, Arquivo Nacional de Torre do Tombo, PT/TT/AA/001/0031/00073.

Auto de reconhecimento dos restos mortais de Pedro Álvares Cabral, Arquivo Nacional de Torre do Tombo, PT/TT/GAV/16/3/58.

 

Alberto de Carvalho, Os restos mortais de Pedro Álvares Cabral, descobridor do Brasil, segunda memória, Lisboa, Typographia do Commércio, 1903.

 

Exposição permanente da Casa do Brasil, Santarém

 

 

Túmulo de Pedro Alvares Cabral - Avaliações de viajantes - Igreja De Santiago E Panteao Dos Cabrais - Tripadvisor

Belíssima igreja, antiga catedral e centro arqueológico - Avaliações de viajantes - Igreja Nossa Senhora do Carmo da Antiga Sé - Tripadvisor

Panteão Nacional | Panteão Nacional (panteaonacional.gov.pt)

Pó do Panteão dos Cabrais nos Açores - Jornal Notícias da Covilhã (noticiasdacovilha.pt)

 

 

Imagens

Biblioteca Nacional de Portugal

Pedro Álvares Cabral descobre o Brazil, Maurício José do Carmo Sendim, Lisboa, of. Lith de M. e I Luiz, Colecção de memórias relativas às façanhas dos portuguezes na India (…), 1839.

Pedro Álvares Cabral, senhor de Belmonte, alcaide mór d´Azurara, descobridor do Brazil (…), José da Cunha Taborda, J. Abrantes (h«grav.), Lisboa, Philopatrica, Oficina de Simão Thaddeo Ferreira, entre 1806 e 1817.

 

O desembarque dos portugueses no Brasil ao ser descoberto por Pedro Álvares Cabral em 1500, Alfredo Roque  Gameiro, Roque Gameiro e Conc. Silva, Lisboa: José Bastos; lith da Comp. Nac. Editora, ca 1900.

 

Tumulo de Pedro Álvares Cabral em Belmonte e panteão dos Cabrais em Belmonte com carneiro da família

Belmonte – a terra natal de Pedro Álvares Cabral – Who Trips

 

Cenotáfio de Pedro Álvares Cabral no Panteão Nacional

Ficheiro:Pedro Alvares Cabral Cenotáfio.png – Wikipédia, a enciclopédia livre (wikipedia.org)

 

Túmulo de Pedro Álvares Cabral em Santarém, após primeira intervenção na capela, Alberto de Carvalho, Os restos mortais de Pedro Álvares Cabral, descobridor do Brasil, segunda memória, Lisboa, Typographia do Commércio, 1903.

 

 

Igreja de Nossa Senhora da Graça, em Santerém

João FCF

Igreja da Graça (Santarém) – Wikipédia, a enciclopédia livre (wikipedia.org)