Crónica policial (1) - A desgraçada Maria Inácia semeava a confusão no Alentejo
Alcácer do Sal, finais de 1911
Em fins de 1911 e início de 1912, a ré Maria Inácia, também conhecida pela alcunha de “A Calhambana”, era uma verdadeira dor de cabeça. Constantemente embriagada, a mulher semeava a confusão, metia-se com o comum cidadão e não acatava ordens da autoridade. Era presa, solta e novamente apanhada quase dia sim, dia não, provocando enorme alvoroço e desordem também de cada vez que passava pela sobrelotada cadeia da vila de Alcácer do Sal (na imagem).
Chegaram a duvidar que tivesse o juízo todo e até lhe fizeram testes, para aferir isso mesmo, mas não conseguiram chegar a uma conclusão, pois Maria Inácia tanto respondia corretamente às perguntas que lhe faziam e tinha uma atitude sã, como desatava num total disparate, que a todos desconsertava.
O que era certo, é que reincidia nos delitos de “ultraje à moral” por palavras e atos, “embriaguez e fuga”. Já ninguém tinha mão nela.
Não podendo ser considerada uma criminosa vulgar, encontrou então o poder judicial uma forma de a afastar desta região – Alcácer e Grândola, onde era bem conhecida - mantendo-a presa e desterrada durante tempo suficiente para que pudesse deixar o vício da bebida, do qual derivada a sua maior desgraça e perdição. A intenção, diziam, era contribuir para que se regenerasse.
Foi assim presente em audiência de polícia correcional e, a 20 de novembro de 1911, condenaram-na a seis meses de desterro em Vila Real de Santo António.
O primeiro problema foi conseguir transporte para a levar para tais paragens algarvias, porque a comarca de Alcácer do Sal não tinha verba para assegurar esse transporte e a ré era, como é fácil de imaginar, absolutamente pobre, não lhe podendo ser imputada tal despesa.
Assim, foi necessário esperar mais de uma semana até que estivessem reunidas condições para seguir viagem.
Cerca de um mês depois, o problema estava de regresso. Maria Inácia não tinha “aquecido o lugar” em Vila Real de Santo António e, sabe-se lá como, já tinha passado por Grândola, criando desassossego público. Foi capturada e novamente detida na cadeia de Alcácer, com agravamento da pena.
Colocava-se o problema de encontrar meios para, de novo, a transportar sob custódia ao Algarve e com especial urgência, porque “A Calhambana” já tinha praticado outros desacatos e cenas de violência.
Achando-se fechada, tentara até suicidar-se ferindo-se com uma navalha que se desconhece como lhe chegou às mãos.
Ainda assim, foram precisos mais de dois meses para que Maria Inácia ganhasse nova ordem de marcha para o desterro algarvio.
Desconhece-se quais foram os desencontros e agruras de uma vida certamente triste, que trouxeram esta mulher a uma tal situação de desespero, desamparo e degradação - física, mental e social. Também não se sabe, a partir de 10 de abril de 1912, qual o destino desta infeliz, porque cessam as informações nos livros oficiais da Comarca de Alcácer do Sal sobre ela e, como se sabe, deste tipo de personagens, sem rei nem roque - especialmente quando se trata de mulheres - raramente reza a história.
Fontes
Arquivo Municipal de Alcácer do Sal
Fundo Comarca
Livro de registo da correspondência expedida
PT/AHMALCS/CMALCS/COMARCA/DELPROCURADORIA/01/001
Imagens
Arquivo Municipal de Alcácer do Sal
Cadeia comarcã
Fundo Baltasar Flávio da Silva
PT/AHMALCS/CMALCS/BFS/01/01/01/143
Imagens 1 e 3, criadas por inteligência artificial em https://stablediffusionweb.com/#demo