Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

O sal da história

Crónicas da história. Aventuras, curiosidades, insólitos, ligações improváveis... Heróis, vilões, vítimas e cidadãos comuns, aqui transformados em protagonistas de outros tempos.

O sal da história

Crónicas da história. Aventuras, curiosidades, insólitos, ligações improváveis... Heróis, vilões, vítimas e cidadãos comuns, aqui transformados em protagonistas de outros tempos.

Os Espírito Santo que nasceram no Alentejo

vista geral herdade da comporta.png

 

As ligações da família Espírito Santo à produção de arroz e ao Alentejo Litoral não nasceram com a compra da Comporta, em 1955. Remontam ao século XIX, quando veio ao mundo, em Alcácer do Sal, aquele que daria origem a um dos ramos mais bem-sucedidos deste clã, com múltiplas relações, familiares, de negócios e amizade àquele concelho.

herdade da comporta rio sado.png

Custódio nasceu a 2 de junho de 1868 e recebeu o sacramento do batismo na Matriz de Alcácer do Sal. Era o segundo de três filhos do casal António Pedro e Maria da Anunciação Moniz Galvão, ele natural de Lisboa; ela, de Coimbra. Do tio, que assumiu o papel de padrinho, herdaria o nome e a profissão que escolheria mais tarde.

António Pedro era engenheiro, mais especificamente, tinha competências técnicas para fornecer e montar moagens. Nada mais útil num concelho como Alcácer do Sal que, por aquela altura, passava por grandes transformações, com o arroteamento de terras e o incremento de novas culturas, como o arroz.

Pelos registos de casamentos e batizados percebemos que o casal Moniz Galvão era extremamente bem-relacionados naquela vila alentejana. Era próximo de José de Melo Silva Lobo, que fora presidente da comissão local destinada a averiguar o impacto da mal-afamada cultura do arroz na saúde das populações; de António Mendes de Almeida, secretário da mesma comissão e presidente da câmara municipal de Alcácer do Sal, e de João Alves de Sá Branco, poderoso lavrador na região, que viria a ser avô do conhecido cavaleiro tauromáquico João Branco Núncio

Os três filhos de António Pedro e Maria da Anunciação nasceram em Alcácer do Sal, onde aquele empreendedor lisboeta era proprietário de um descasque de cereal que também produzia, chegando a ganhar uma medalha de bronze com arroz descascado na exposição universal Paris, em 1867

Provavelmente terá apoiado a implantação de estruturas como aquela que possuía – para tratar arroz - junto dos proprietários alentejanos, entre os quais, certamente, granjeou admiração e respeito, tanto que é proposto, por exemplo, como sócio extraordinário do seleto Círculo Eborense.

custodio_jose_moniz_galvao_a.jpg

Apesar deste aparente sucesso, o filho (na imagem) escolheu outro percurso profissional. Quando ingressou na Universidade de Coimbra, em 1887, ainda morava em Alcácer do Sal - na rua do Forno.

Passa cerca de sete anos na “cidade dos estudantes” e integra a Estudantina Conimbricense, como percussionista, formando-se em medicina em 1894/1895.

Não consegui saber como e onde conheceu Maria Justina do Espírito Santo Silva, mas, em finais de 1897, tratam das burocracias tendentes ao seu casamento. Estre a documentação necessária sobressai um acordo pré-nupcial destinado a acautelar as posições dos nubentes. A noiva acabara de herdar metade dos bens paternos, onde se contavam onze edifícios urbanos, o mais importante dos quais, a casa onde moravam e que o pai construíra, na avenida da Liberdade.

Jose maria do espirito santo e silva.png

Trata-se da única filha do primeiro casamento de José Maria Espírito Santo Silva (na imagem). Praticamente do nada, este iniciara, em 1869, com apenas 19 anos, um estabelecimento para o comércio de lotarias, câmbios e títulos, que depois expandiria para a concessão de créditos e a negociação de fundos públicos, nacionais e estrangeiros.

Estavam ali dados os primeiros passos para a carreira de banqueiro, que seria seguida pelos seus descendentes e daria origem ao tão conhecido Banco Espírito Santo e ao grupo empresarial com o mesmo nome.

Em 1915, quando decide criar a firma bancária J. M. Espírito Santo Silva & Cª, com um capital social de 400 contos de reis, reservou para si uma quota de 360 contos e distribuiu o restante por amigos e familiares. O genro, o médico alcacerense Custódio Moniz Galvão, ficaria com uma parte de dez contos de reis e chegaria a assumir funções na empresa.

maria do carmo monis galvao espirito santo2.png

Do casamento de Custódio com Maria Justina nasceu Maria Cristina e Fernando Eduardo. Apenas este teve descendentes: Maria do Carmo Arzina Moniz Galvão (na imagem), que não só herdaria a totalidade dos bens dos pais, como da tia. Já multimilionária, casaria, em 1954, com o primo Manuel Ricardo Pinheiro Espírito do Santo Silva, também bisneto do banqueiro fundador e filho do homem que, no ano seguinte, comprou a Herdade da Comporta.

Fundem-se assim dois ramos da família e respetivas fortunas.

 

À margem

Para além das posições assumidas no Grupo Espírito Santo, o ramo Moniz Galvão é responsável pela fundação de empresas como a MOCAR, representante e importadora das marcas Alfa-Romeo, Pegeot e Packard, à qual sucedeu a SANTOGAL, que representa 30 marcas automóveis diferentes. O marido de Maria do Carmo Arzina Moniz Galvão (Ninita), Manuel Ricardo Pinheiro Espírito do Santo Silva, esteve entre o grupo de familiares na origem do Grupo Espírito Santo, que agrega a área bancária e os restantes negócios – não financeiros – do clã.

Não se estranha, pois, que, no início dos anos 2000, já viúva, esta neta do alcacerense Custódio José Nazareth Moniz Galvão fosse a mulher mais rica de Portugal e, entre os da sua família, talvez a mais discreta, não se lhe conhecendo quaisquer sinais de ostentação e fugindo da exposição pública como o diabo foge da cruz.

Até morrer, em 2020, contrastando com outros elementos da família  - que deram à Comporta destaque internacional - Ninita tinha horror de ser mencionada nas revistas cor-de-rosa e evitava ao máximo ser fotografada em público.

Mais ou menos reservados são os protagonistas das variadas ligações familiares, profissionais e de amizade que os Espírito Santo mantiveram no concelho de Alcácer do Sal, em alguns casos ainda antes de comprarem aquela propriedade entre os arrozais e o mar.

Outras famílias de quem são próximos já ali possuíam vastos territórios. São estes os casos dos Posser de Andrade, que herdaram a gigantesca Herdade de Palma; os Vilhena, detentores de Porches; os Van Zeller, donos de Algalé; ou os Holstein Beck, duques de Palmela.

Sobre estes últimos conta-se a história de, a dada altura, por falta de espaço numa propriedade urbana, terem desmontado uma capela, tratado de transportar todas as peças em camionetas, voltando a montá-la na sua Herdade das Parchanas, entre Alcácer do Sal e o Torrão.

Mas isso é outra história…

.......................

Agradeço a Maria Antónia Lázaro a ideia e as informações iniciais que deram origem a este post e ao texto  sobre o mesmo tema que assino no jornal Voz do Sado deste mês.

............

Fontes

Arquivo Nacional da Torre do Tombo

Registos de casamentos, Lisboa, Anjos.

PT-ADLSB-PRQ-PLSB06-002-C13

Registos de casamentos, Lisboa, S. Cristóvão

PT-ADLSB-PRQ-PLSB38-002-C4

Arquivo Distrital de Setúbal

Registos de nascimentos, Alcácer do Sal, Santa Maria do Castelo

PT-ADSTB-PRQ-PASL01-001-00026

PT-ADSTB-PRQ-PASL01-001-00027

PT-ADSTB-PRQ-PASL01-001-00029

Sistematizados em www.tombo.pt

 

DIGIGOV (cepese.pt)

Diário do Governo, 19.09.1848; 04.04.1859; 05.10.1861; 05.08.1862; 11.07.1867; 05.10.1868; 08.10.1868; 13.02.1869; 23.12.1876; 04.06.1884; 01.07.1901; 15.01.1902; 24.03.1903; 20.12.1910

Memórias da Academia Real das Sciências de Lisboa, Nova série, tomo II, parte I, Classe de Sciencias, Mathematicas, Phisicas e Naturaes, Lisboa, Typographia da Academia, 1857.

Memorias da Academia Real das Sciencias de Lisboa: Classe de Sciencias ... - Academia das Ciências de Lisboa. Classe de Ciências Mathematicas, Physicas e Naturaes - Google Livros

Portal de Genealogia | Geneall.net

Carlos Alberto Damas e Augusto Ataíde, Banco Espírito Santo - A portuguese financial dynasty (1869-1973), Banco Espírito Santo – Centro de História.

(PDF) Banco Espírito Santo. A portuguese financial dynasty (1869-1973) | Carlos Alberto Damas - Academia.edu

 

 

Fátima Miranda Monteiro do Amaral, Sociedade Agrícola do Incomati – uma produtora de açúcar do universo Espírito Santo no último período do Estado Novo, dissertação para a obtenção do grau de mestre em História Contemporânea, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa,  julho 2019.

Dissertação de Mestrado de Fátima Miranda Monteiro do Amaral.pdf (unl.pt)

ZAP, 02.12.2021

Lotes arrestados da Comporta perto de serem vendidos a "preço de saldo" ao clã Espírito Santo (aeiou.pt)

The Portugal News - Edição 1973

 

As Notícias de Portugal

Jornal Económico, 29.07.2018, texto de António Vasconcelos Moreira

Comporta: viagem a uma herdade com oito séculos de história (sapo.pt)

O Observador, 04.01.2020, texto de Pedro Jorge Castro

Família Espírito Santo. Como a misteriosa “Ninita” se tornou a portuguesa mais rica – Observador

 

 

Jornal de negócios, 31.07.2020, texto de Filipe S. Fernandes.

https://www.jornaldenegocios.pt/weekend/as-50-grandes-familias-da-economia-portuguesa/detalhe/os-espirito-santo-que-sao-moniz-galvao

 

Find a grave

https://pt.findagrave.com/memorial/262416282/cust%C3%B3dio-jos%C3%A9-moniz_galv%C3%A3o

 

 

Maria Ana Bernardo, Sociabilidade e Distinção em Évora no Século XIX – O Círculo Eborense, Edições Cosmos 2001

Sociabilidade e Distinção em Évora no Século XIX

 

Anuário da Universidade de Coimbra 1891_1892

 UCBG-8-118-1-1891-1892_0000_Obra_Completa_t24-C...

Tuna da Universidade de Coimbra

https://tunauc.wordpress.com/arquivo/bau-de-memorias/tunos-tt/custodio-jose-moniz-galvao/

 

https://galvaodorn.blogspot.com/2011/10/

 

Carlos Alberto Damas, Manuel Ribeiro do Espírito Santo Silva, fotobiografia, 1908-1973, Centro de História do Grupo Espírito Santo, dezembro 2008.

Carlos Alberto Damas, José Maria do Espírito Santo e Silva – De cambista a banqueiro (1869-1915), Análise Social, Revista do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, volume XXXVII,pp851-878, 2020.

 

http://analisesocial.ics.ul.pt/documentos/1223312713W5oVZ8ze9Zs04AU8.pdf

 

Família Espírito Santo. Como a misteriosa “Ninita” se tornou a portuguesa mais rica – Observador

A construção moderna, 1900

https://archive.org/details/construccaomoder67unse/page/n99/mode/2up?q=moniz

 

Imagens

Carlos Alberto Damas, Manuel Ribeiro do Espírito Santo Silva, fotobiografia, 1908-1973, Centro de História do Grupo Espírito Santo, dezembro 2008.

Carlos Alberto Damas e Augusto Ataíde, Banco Espírito Santo - A portuguese financial dynasty (1869-1973), Banco Espírito Santo – Centro de História.

Tuna da Universidade de Coimbra

https://tunauc.wordpress.com/arquivo/bau-de-memorias/tunos-tt/custodio-jose-moniz-galvao/

(PDF) Banco Espírito Santo. A portuguese financial dynasty (1869-1973) | Carlos Alberto Damas - Academia.edu

 

 

 

Estes santos precisam de milagres

 

simulacro do corpo de sao vicente martir pormenor.

Em Portugal há um local com uma concentração anormal de múmias e despojos humanos. Não se trata de um cemitério, nem estes restos mortais são banais. Trata-se da maior coleção de relíquias existente no mundo, fora do Vaticano, que agrega desde corpos inteiros a pequenos fragmentos de osso, unhas, fios de cabelo ou meros pedaços de tecido manchados por fluidos corporais, que se pensa terem pertencido a indivíduos classificados como santos pela Igreja Católica. Enfim, é um estranho conjunto que faria Martinho Lutero dar voltas na sepultura…

São já dezenas de milhar, com as mais variadas proveniências, frequentemente degradadas, maltratadas e a precisar de urgente restauro. Muitas com origem no nosso País – paróquias e organismos estatais - vêm marcadas pelo abandono, relegadas que foram para um qualquer armazém, após a extinção das ordens religiosas e da implantação da República, quando o Estado tomou posse de parte dos bens da Igreja.

simulacro do corpo de sao vicente martir.png

Esta lipsanoteca – museu de relíquias – situa-se no castelo de Ourém e pertence a uma entidade privada reconhecida pelo Papa, a Fundação Histórico Cultural Oureana.

As relíquias de maior porte são santos mártires. Podem revestir-se de diferentes apresentações, sendo comuns os corpos incorruptos – porque receberam complexos tratamentos nesse sentido ou porque assim se mantiveram naturalmente, o que é realmente raro - e os esqueletos armados, paramentados, deitados no interior de grandes expositores de época construídos para o efeito e que habitualmente se designam simulacros*.

simulacro do corpo de santa sabina pormenor.png

 

Alguns apresentam-se com máscaras de grande beleza, que lhes conferem uma aparência angelical, outros têm um aspeto sinistro, macabro, recordando-nos que estamos perante os despojos de pessoas mortas, por muito miraculosas que se pense que tivessem sido e independentemente dos crentes que tenham arrastado.

Há, depois, relicários com ossos grandes – como crânios – outros desenhados para terem a forma da parte do corpo que encerram – uma mão, um braço, uma perna, por exemplo – e outros ainda que são verdadeiras peças de arte, em madeira ou metal, ricamente decorados, pintados, cobertos com tecidos, folha de ouro e semelhantes artifícios.

colunas relicários.png

É chocante, o estado a que alguns chegaram, em resultado do efeito do tempo – séculos a apanhar pó, mas também servindo de pasto e ninho a insetos destrutivos e roedores insensíveis à beatitude - e, ainda, vítimas de reparações malfeitas por “curiosos”, ao longo dos séculos, quando existiam menos meios e escrúpulos para fazer este trabalho.

Tanto que, por vezes, é preciso recriar o revestimento da armação em osso, construído em cera ou papier marchè, que simulava a carne que os indivíduos teriam em vida e permitia que estes fossem vestidos e adornados segundo os costumes da época em que foram criados, complementos, esses, que também necessitam de reparação ou substituição.

relicários.jpg

A pesquisa prévia é igualmente um trabalho meticuloso e que se assemelha ao de um detetive, sendo comum detetarem-se ardilosas falsificações forjadas e escondidas durante centenas de anos. (ver À margem).

Apesar do respeito pela simbologia sagrada associada àqueles objetos, o trabalho é de cariz científico, uma vez que são ali recebidas centenas de relíquias, para estudo, autenticação, conservação e restauro, com vista a que possam, no futuro, nomeadamente, ser expostas ao público.

É que os simulacros de santos voltaram a estar na moda e estão agora a ser resgatados do esquecimento pelos Estados e pela Igreja Católica, enquanto se “produzem” outros já fazendo uso de técnicas e materiais modernos, que resultam numa reprodução mais fiel da aparência humana da pessoa morta e mais agradável à vista, também.

simulacro do padro pio na regalis lipsanotheca.jpg

À margem

simulacro santa concordia.png

O culto das relíquias está documentado pelo menos desde o século II depois de Cristo, mas houve períodos de mais intenso incremento desta crença, fomentada pelos diferentes Papas que, a partir do século XVII, mandaram exumar dezenas de milhar de ossadas de mártires e as distribuíram pela cristandade. Sepultados nas catacumbas do Vaticano, como se vê, não encontraram ali descanso.

Possuir relíquias, especialmente de santos famosos e importantes, era sinal de prestígio e poder, quer para as nações, quer para os seus reis e nobres, as dioceses e as ordens religiosas. Não admita, pois, que logo tenham aparecido os multiplicadores de relíquias, que as comercializavam a preços elevados e, aparentemente, sem problemas de consciência.

pedaco de paramento ensanguentado e um martir do o

No final do século XVIII, o italiano António Magnani foi um dos maiores fabricantes e exportadores de simulacros. Produzia em série, num novo material – a ceroplástica – e decorava as suas produções com adereços que fazem lembrar os soldados e princesas do império romano, hoje disseminadas por toda a Europa.

Assim, séculos passados, encontram-se diversos simulacros do mesmo mártir, outros que, em vez de terem sido construídos com ossos do próprio, o foram com peças falsificadas, moldadas em gesso ou cera, por exemplo.

braco-relicario-sjoao-crisostomo museu de sao roqu

Havia também redes que se dedicavam ao roubo e tráfico de relíquias por encomenda e toda uma série de outros estratagemas destinados a empolar o valor histórico e religioso dos objetos, que se pretendia passar como tendo pertencido aos mártires e santos católicos, como a criação de relíquias por mero contacto com as verdadeiras partes do corpo ou embutindo pequenos fragmentos em peças maiores com origem diversa.

É, portanto, natural que este tema tenha apaixonado escritores, como Eça de Queiroz, que lhe dedica um romance e, em simultâneo, tenha provocado a crítica de alguns sectores da igreja.

Este foi o caso de Martinho Lutero, motor da Reforma Protestante, no século XVI, um acérrimo crítico da venda de indulgências e do culto de relíquias, que também não teria ficado feliz com a coleção de 265 relicários e mais de 500 relíquias de santos, patente na Igreja e no Museu de São Roque, em Lisboa.

Mas isso é outra história…

 

………………….

Nota: Carlos Evaristo, reconhecido perito em relíquias sagradas, é o presidente da Direção da Fundação Histórico-Cultural Oureana.

………………………..

*A designação mais correta, em latim é simulacra sanctorum

……………………………

Já aqui antes falei de outro local onde se encontravam restos mortaos "especiais", mais propriamente estranhas entranhas dos reis de Portugal.

.................................

Fontes

https://www.fundacaooureana.pt/

https://www.vaticannews.va/pt/mundo/news/2021-06/cristianismo-reliquias-sagradas-acervo-ourem-fatima-portugal.html

 

Joana do Carmo Palmeirão, Tese para obtenção do grau de Doutor em Conservação e Restauro de Bens Culturais, Universidade Católica Portuguesa, Escola das Artes, janeiro 2023. Disponível aqui: https://repositorio.ucp.pt/bitstream/10400.14/43164/1/101734336.pdf

 

https://rafaelaferraz.com/santos-catacumbais-portugal/

 

 

https://scml.pt/media/noticias/relicarios-e-reliquias-um-tesouro-escondido-no-coracao-de-lisboa/

 

Imagens

https://www.fundacaooureana.pt/2021/01/10/a-regalis-lipsanotheca-um-repositorio-de-reliquias-e-centro-de-estudos-de-importancia-mundial/

INÍCIO - Museu de São Roque (scml.pt)

Pela imprensa (27): vacas ambulantes e leitarias espampanantes   

 

vacas ambulantes 1.png

vacarias.png

Um discreto anúncio apresenta aos consumidores a produção de leite de vaca que se faz em Lisboa e que até se vende ao domicílio, sem acréscimo de preço, em meados do longínquo ano de 1887. Sem dúvida, um excelente incentivo ao consumo deste nutritivo alimento, que ainda não estava enraizado nos hábitos dos portugueses.

Aos olhos dos dias de hoje, depressa se destaca o facto de os animais se encontrarem instalados em quatro movimentadas e centrais artérias bem no coração da cidade: Crucifixo, S. Paulo, Trindade e São Bento.

Nem o facto de o dono atestar o “maior asseio” das vacarias, a robustez e saúde das vacas, apresentando até os nomes dos veterinários responsáveis - cuidado pouco vulgar - nos evita alguma estranheza pensar como seria esta sã convivência entre humanos e bovinos em plena Baixa-Chiado e junto à Assembleia da República.

Mais interessante nos parece tal realidade quando, fazendo alguma pesquisa, ficamos a saber que, naquela época havia cerca de 200 vacarias no distrito de Lisboa, maioritariamente urbanas, onde viviam e “trabalhavam” quatro mil animais.

vaca leiteira.jpg

Estas vacarias serviam leite no local, onde este competia com outras bebidas mais populares.

Vendiam-no também em bilhas, mas, para além das produtoras “encartadas” e estabelecidas, havia imensas vacas a deambular.

Parando ao chamamento de um cliente, os seus donos mungiam-nas ali mesmo, servindo o leite a copo, num processo o mais natural possível.

No entanto, por peculiar que isso nos possa hoje parecer, em Portugal, reinava o ditado “Leite de cabra, manteiga de vaca, queijo de ovelha”, pelo que as cabras ambulantes eram ainda mais vulgares.

cabras ambulantes.PNG

Foi mais ou menos por esta altura que se começou a afirmar aquela que hoje todos conhecemos como a leiteira por excelência, com pelagem branca e malhas pretas.

Já residia no nosso País pelo menos desde o século XVIII, mas ainda não tinha ascendido à categoria de preferida, tanto porque, no Norte, teve de competir com outras raças pré-existentes, como porque as condições que encontrou em Portugal não eram tão favoráveis como as da sua Holanda natal.

vacas ambulantes2.jpg

Efetivamente, a vaca Frisia – ou Turina, como foi batizada por cá – não pôde fazer valer a sua especialização, porque em terra pobre como a nossa, uma vaca não podia ser exclusivamente leiteira.

Tinha, digamos, de ser polivalente, contando como força de trabalho e razoável fornecedora de carne. Ora, esta nossa amiga não tinha esses dotes e, ainda, o seu leite era menos gordo, logo, pouco favorável para manteiga ou para adulterar com água, algo comum entre os produtores sem escrúpulos.

 

Essa eleição para o papel principal de leiteira não foi, portanto, um processo fácil e sem espinhos.

vacas ambulantes.PNG

A maioria dos animais vivia em pequenas unidades, em meio citadino, mas também nas hortas dos arrabaldes.

Com o tempo, o aparecimento de doenças e a consciência da falta de condições de higiene com que as vacas eram tratadas e o leite era recolhido, as autoridades acabaram por proibir as vacarias urbanas – que passaram a leitarias - e a circulação gado pelas ruas, o que aconteceu em 1920.

Escusado será dizer que outros produtos hoje tão comuns, como o iogurte, ainda tiveram um caminho mais longo a trilhar até se implantarem num país onde, dizia-se lá fora, a arraia miúda mais facilmente bebia vinho e cerveja, do que um copinho de leite, que tantas vidas ajudou a salvar.

 

 

Fontes

Biblioteca Nacional de Portugal

www.purl.pt

Diário Illustrado, 26.10.1887

 

Hemeroteca Digital de Lisboa

Illustração Portugueza, 09.05.1910

 

Maria Carlos Radich, «Uma vaca urbana e cosmopolita», Ler História [En línea], 52 | 2007, Puesto en línea el 20 marzo 2017, consultado el 28 mayo 2024. URL: http://journals.openedition.org/lerhistoria/2536; DOI: https://doi.org/10.4000/lerhistoria.2536

Uma vaca urbana e cosmopolita (openedition.org)

 

Imagens

Joshua Benoliel, Illustração Portugueza, 09.05.1910

Diário Illustrado, 26.10,1887

Arquivo Fotográfico Municipal de Lisboa

José Artur Leitão Bárcia, PT/AMLSB/CMLSBAH/PCSP/004/BAR/000905

Joshua Benoliel, PT/AMLSB/CMLSBAH/PCSP/004/JBN/000112

José Chaves Cruz, PT/AMLSB/CMLSBAH/PCSP/004/CRU/000788