Durante cerca de um século, os dois ramos da família Bragança, titular do trono de Portugal, estiveram de costas voltadas e vivendo em continentes diferentes. Durante o Estado Novo, os descendentes casadoiros das fações desavindas deram o nó, consumando a única alternativa possível de gerar um pretendente a rei com alguma credibilidade. A união teve o beneplácito de Salazar, que enviou gente da sua maior confiança na comitiva incumbida da missão alcoviteira.
Após 1828, não mais se sanou a contenda iniciada pela luta que D. Pedro e D. Miguel travaram pelo poder no nosso País e que acabou com a expulsão e banimento do segundo, em 1834. Os descendentes de D. Pedro assumiram o trono até à deposição da Monarquia e o último rei de Portugal, D. Manuel II, morreu em 1932, exilado e sem progenitura, secando o ramo mais direto da nossa realeza.
Do lado de D. Miguel (na imagem), a descendência vivia exilada no centro da Europa. O único homem elegível para ser pretendente ao trono era o neto, D. Duarte Nuno, que se aproximava perigosamente de ficar, por assim dizer, “fora de prazo”, já que completara 30 anos e não se lhe conhecia noiva ou intenção de a arranjar.
Tal como havia acontecido com o primo, D. Manuel II, não faltaram ideias para “princesas” que pudessem desempenhar o papel, nas variadas casas reais europeias, em especial na inglesa, na espanhola e na austríaca.
Mas, convenhamos, à primeira vista, D. Duarte Nuno (na imagem), para além da sua garbosa aparência e fino trato, pouco mais tinha para oferecer: nem fortuna, nem trono, nem reino sequer…e, em meados dos anos 30 do século XX, as tensões políticas no velho continente eram tudo menos favoráveis ao estabelecimento de novos laços e alianças, que podiam logo ser entendidas como antagónicas a cada uma das fações em ambiente belicoso, ameaçando a almejada neutralidade do Estado Português.
Tudo pesado, a melhor hipótese de casar o príncipe era fazê-lo na própria família.
Matavam-se, assim, dois coelhos com a mesma cajadada: promoviam-se condições para gerar prole que continuasse a dinastia dos Bragança e legitimavam-se os descendentes de D. Miguel, legalmente banidos dessa reivindicação que, assim, seriam também descendentes do ramo “legal”, proveniente de D. Pedro IV - D. Pedro I, Imperador do Brasil (na imagem).
O assunto esteve imenso tempo em banho-maria, mas já em plena II Grande Guerra, em 1941, as “cúpulas” monárquicas entenderam-se. No ano seguinte, com o beneplácito de Salazar, ouvido sobre o assunto, tratou-se de promover uma viagem de D. Duarte Nuno ao país irmão, onde pudesse conhecer as primas e, havendo interesse de parte a parte, escolher uma para desposar.
O Presidente do Conselho, no entanto, queria que o assunto fosse tratado com pinças e com a maior discrição. Fez questão que a real figura fosse bem acompanhada, por pessoas de sua confiança e de molde a não melindrar as então tensas relações diplomáticas. Nomeou, não sem alguma polémica, o alcacerense João do Amaral e, para não ferir suscetibilidades britânicas, escolheu-se o Conde de Almada para o acompanhar, preterindo o Visconde do Torrão, mais próximo do príncipe, mas germanófilo.
Livres e desimpedidas estavam as trinetas de D. Pedro, D. Maria Francisca e D. Teresa, ambas na casa dos 20 anos de idade, já que a irmã, D. Isabel, já tinha casado anos antes com o Conde de Paris, primo de D. Amélia, a última rainha de Portugal.
Depois de múltiplas hesitações, D. Duarte Nuno deu início à matrimonial empresa, que constituía, na altura, a única esperança dos Bragança.
Atravessou Espanha de carro e passou por Portugal, onde, na noite de 29 de maio de 1942, embarcou no Clipper, com destino ao Brasil, onde chegou após 54 horas de viagem.
A estadia gerou um enorme bruaá e curiosidade popular do outro lado do Atlântico e a comitiva (na imagem), da qual também fazia parte a irmã do príncipe e o conde de Castro, multiplicou-se em contactos e negociações informais para levar a bom porto a sua missão.
Cerca de um mês após a sua chegada e quando já se pensava que o arranjo proposto não tinha acolhimento, D. Maria Francisca de Orleans e Bragança foi pedida em casamento, recebendo um esplêndido anel com safira, para selar o compromisso.
O noivo terá escolhido, de entre as duas irmãs, a que lhe pareceu mais serena.
Mal se conhecendo, em 13 de outubro desse mesmo ano, imitando todos os seus ascendentes que se uniram por casamento por questões mais da política do que do coração, celebraram o ato civil, na embaixada de Portugal no Brasil e, dois dias depois, a cerimónia religiosa, na Catedral de Petrópolis.
Foi mesmo nas vésperas do Brasil anunciar que estava em guerra com as nações do Eixo.
Como é público, deste matrimónio nasceram três crianças, uma das quais é o atual pretendente à coroa portuguesa, D. Duarte Pio, vindo ao mundo na Suíça, em 1945, e atual Duque de Bragança.
Mais uma vez, é também durante o Estado Novo que se resolvem mais dois importantes impasses: a instituição da Fundação Casa de Bragança (1933), para gerir os bens deixados pelo último rei de Portugal, e a autorização para que toda a família pudesse regressar ao território nacional, em 1950.
À margem
João Mendes do Amaral, o homem de confiança de Salazar que acompanhou D. Duarte Nuno ao Brasil, nasceu em Alcácer do Sal, em 1893. Foi jornalista e político, tendo fundado o Integralismo Lusitano. Monárquico assumido, curiosamente, foi afastado do Diário de Notícias por ter publicado uma entrevista com o “príncipe”, em 1939. Considerado um orador brilhante e colaborador próximo do Presidente do Conselho, foi deputado na Assembleia Nacional em oito legislaturas, de 1937 a 1969 e dirigente da União Nacional.
É filho de e de Maria Sofia Mendes Rato e de Abel Augusto da Costa Amaral, advogado que se fixou em Alcácer do Sal em finais do século XIX. Tiveram pelo menos 11 filhos e alguns dos seus descendentes, para além de João do Amaral, destacaram-se.
O neto, António de Paiva, foi um escultor conhecido. Joaquim Mendes do Amaral, filho do casal, tal como o irmão, foi deputado em cinco legislaturas (entre 1942 e 1961), mas chegaria igualmente a ministro, tendo assumido as pastas do Comércio e Finanças (1918), Agricultura (1928), entre muitos outros cargos nacionais e também locais, visto que foi presidente da Câmara Municipal de Alcácer do Sal. Francisco Augusto da Costa Amaral, também elemento desta vasta prole, foi arquiteto e pintor. Outro filho, Abel, manteve-se na sua terra, Alcácer do Sal, destacando-se como empresário e dirigente do Grémio da Lavoura.
De regresso a João do Amaral, refira-se que a sua escolha não só foi polémica entre os monárquicos, como também na colónia portuguesa no Brasil, que ainda não tinha esquecido os seus discursos inflamados e desestabilizadores, quando ali se deslocara, anos antes. Já em 1961, voltaria a perceber-se a confiança que Salazar nela depositava, quando foi incumbido da espinhosa negociação para a recuperação do paquete Santa Maria, sequestrado por opositores ao regime liderados por Henrique Galvão.
Mas isso é outra história…
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Já aqui antes falei de casamentos reais, como o de D. Carlos e D. Amélia
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Fontes
João Amaral, O Roubo do Príncipe, Salazar e o casamento do Duque de Bragança, Lisboa, Tribuna da História – Edição de Livros e Revistas, 2007.
https://www.fcbraganca.pt/
AATT - João Mendes do Amaral
https://pt.wikipedia.org/wiki/Funda%C3%A7%C3%A3o_da_Casa_de_Bragan%C3%A7a
https://www.arqnet.pt/portal/biografias/amaral_joao.html
https://www.aatt.org/site/index.php?op=Nucleo&id=1603
https://geneall.net/pt/nome/11063/joaquim-mendes-do-amaral/
https://geneall.net/pt/nome/7545/joao-do-amaral/
Imagens
Arquivo Municipal do Porto
https://gisaweb.cm-porto.pt
Foto Guedes, F-NV/FG-M/7/162
F-NP/CMP/7/982
Duarte, Duque de Braganza 1907-1976 - Duarte Nuno de Bragança – Wikipédia, a enciclopédia livre
Fotografia de Carl Winkler.
Causa Real: 15 DE OUTUBRO DE 1942, PETRÓPOLIS (BRASIL): CASAMENTO DE S.A.R. O SENHOR DOM DUARTE NUNO DE BRAGANÇA COM A PRINCESA DONA MARIA FRANCISCA AMÉLIA VITÓRIA TERESA ISABEL DE ORLEANS E BRAGANÇA
https://realfamiliaportuguesa.blogspot.com/2008/04/ss.html
https://pt.wikipedia.org/wiki/Duarte_Nuno_de_Bragan%C3%A7a#/media/Ficheiro:D._Maria_Francisca_de_Orl%C3%A9ans_e_Bragan%C3%A7a,_D._Duarte_Pio_de_Bragan%C3%A7a,_D._Miguel_Rafael_de_Bragan%C3%A7a,_D._Duarte_Nuno_de_Bragan%C3%A7a.png
https://monarquiaportuguesa.blogs.sapo.pt/foto-de-d-duarte-nuno-e-d-maria-1091377
Museu de Fotografia da Madeira, PERESTRELLOS PHOTOGRAPHOS, MFM-AV, inv. PER/2610; PER/2617. Disponível em:
https://cultura.madeira.gov.pt/olhares-sobre-o-passado/2363-primeira-passagem-pela-madeira-de-d-duarte-nuno-de-bragan%C3%A7a.html
AATT - João Mendes do Amaral