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O sal da história

Crónicas da história. Aventuras, curiosidades, insólitos, ligações improváveis... Heróis, vilões, vítimas e cidadãos comuns, aqui transformados em protagonistas de outros tempos.

O sal da história

Crónicas da história. Aventuras, curiosidades, insólitos, ligações improváveis... Heróis, vilões, vítimas e cidadãos comuns, aqui transformados em protagonistas de outros tempos.

Instantâneos (121): O domador das sete vidas…e o felino que só teve uma

 

 

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Max Himm estava de passagem por Lisboa quando o pior aconteceu. Nem o facto de já anteriormente (e por seis vezes!)  ter sido atacado por feras, o tornara mais preparado para o susto que apanhou, naquela primavera de 1893. Por pouco não foi comido por uma das leoas, vedetas do espetáculo que pretendia apresentar nessa semana, no Real Coliyseu, na rua da Palma.

Com pressa de treinar os animais para a estreia, marcada para o dia seguinte, Max Himm entrou na jaula onde estavam três leões e duas leoas. Uma das fêmeas começou imediatamente a rugir ameaçadoramente e arremessou-se contra o domador, atirando-o ao chão e tentando abocanhá-lo. Seguiu-se uma luta encarniçada entre os dois, que só abrandou quando o corajoso homem meteu a mão na boca do animal e lhe torceu a língua, o que fez abrandar o impulso, mas não largar completamente a sua presa.

Por sorte, os outros felinos mantiveram-se impávidos e serenos nos seus postos, observando a contenda, enquanto os elementos da companhia tentavam desviar a atenção da leoa com jatos de água. Em vão.

O animal só libertou o seu domador, já com o peito dilacerado, quando, vindo em salvação, o atirador Rossell, lhe desferiu um certeiro tiro de carabina, em cheio no coração.

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Max Himm tinha então 23 anos de idade e trabalhava com feras desde os 15, tendo aprendido os truques do ofício com seu pai, cujas pisadas seguiu. Não espanta, pois, que, no seu currículo, tivesse outros confrontos graves com animais ferozes. Em Angers, Paris e Saint Denis (França), foi repetidamente atacado por um urso negro.  Sofrera ataques de um leão, em Brest (França) e de um tigre real, que o deixou em muito mau estado, em Paris. Havia sido vítima de outra leoa, apenas dois anos antes, também na capital francesa.

Se Max Himm fosse um gato, talvez tivesse sido sensato mudar de profissão, visto que estariam esgotadas as sete vidas com que a mãe natureza idealmente o havia dotado. Como era um homem, logicamente menos racional nas suas decisões, continuou com a única profissão que conhecia, arriscando-se a ser tragado pelas feras, que não foram talhadas para demonstrações, antes, deviam ter sido deixadas em paz lá nas paragens de origem.

O caso foi muito falado pelos jornais e passou no boca a boca, com resultados positivos na afluência de público. Max Himm, ainda em recuperação, não atuou logo (só voltou aos palcos duas semanas depois). Fizeram as despesas da casa, o sr. Poisson, domador, e a menina Sandowa (mulher de Himm), que tocava bandolim enquanto os animais mostravam as suas habilidades, sempre a toque de chicote. Para aumentar o dramatismo, o corpo da leoa morta esteve exposto no recinto, atraído ainda mais gente e, depois, também foi exibido o fato rasgado do adestrador.

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Quanto ao Capitão Rossell, João Kail Martinette de batismo, passou a sua infância e adolescência nos Estados Unidos da América, onde se estreou como palhaço e atirador, atuando com o famoso Bufallo Bill num espetáculo sobre o velho Oeste. Foi nesta última vertente que fez carreira, mudando-se para a Europa, que calcorreou, apresentando-se em circos e teatros. Veio muitas vezes a Portugal. Tantas, que casou por cá, com Remédios Diaz, filha do então empresário do Real Colyseu de Lisboa e também artista circense. O facto de ter salvo Max Himm com um único tiro, firme e preciso, deu-lhe ainda mais prestígio entre nós.

Em 1906, Max Himm e a mulher abandonam as apresentações com feras e dedicam-se às projeções de cinematografo, então muito em voga e bem menos arriscadas. Mas, parece que quem já viveu o perigo não o consegue evitar e, por pouco, não foram excomungados. Ficaram-se pela expulsão de uma feira, por apresentarem imagens contrárias à religião.

 

 

Fontes

Biblioteca Nacional de Portugal, em linha

www.purl.pt

Diário Illustrado,

30.04.1893, 02.05.1893, 03.05.1893, 04.05.1893, 12.05.1893

 

Jornal do Porto,

20.05.1890

 

Hemeroteca Digital de Lisboa

https://hemerotecadigital.cm-lisboa.pt

A Semana de Lisboa,

30.04.1893

 

https://www.calameo.com/read/0054976340304bf77bfbf

MAX-HIMM & MISS de SANDOWA | Paris Musées

Martin Barnier, Bruits, cris, musiques de films, Les projections avant 1914, Nouvelle édition [en ligne]. Rennes : Presses universitaires de Rennes, 2010 (généré le 01 juin 2016). Disponible sur Internet : . ISBN : 9782753527164. Disponível aqui: (PDF) Bruits, cris, musiques de films

 

Imagens

Diário Illustrado, 30.04.1893

MAX-HIMM & MISS de SANDOWA | Paris Musées

Lido em parte incerta (5)

Berzundela

berzundela.jpg

Diz-se de confraternização que envolva bebidas alcoólicas.

Diz-se da ingestão de bebidas alcoólicas e seu resultado na consciência da pessoa que a leva a cabo.

Diz-se do estado de embriaguez.

O mesmo que bebedeira, tosga, borracheira, ebriedade, dosa, bezana.

O mesmo que patuscada, pândega, farra, baderna, folguedo, bambochata.

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Lido por aqui e por ali:

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In O Xuão, 11.05.1909

 

“Gentalha de pagode, o rei, os ministros, a procissão, o S. Jorge; e a mãe para ali amortalhada em chita velha, à espera do padre, para ir para debaixo da terra. Nem um coto de cera, nem uma fita, nem um véu de escumilha. As bilhardeiras das fidalgonas, enquanto a Angelica pôde servir-lhes de alcoviteira, fizeram-lhe festa, sim senhor. Mas quando fechou o olho — diabo que te carregue! São uma coisa que eu cá sei, aquelas peças. Não é lá dizermos, andam na berzundela um dia ou outro, mas sempre, sem nunca parar.”

In Fialho de Almeida, A ruiva e outras histórias, volume de contos p. 47.

 

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 No passado, grafado brezundella

O mesmo que berzunda.

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Fontes

Berzundela

|dé|

(ber·zun·de·la)nome feminino

[Portugal: Algarve] Estado de embriaguez. = BEBEDEIRA

"berzundela", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2025, https://dicionario.priberam.org/berzundela.

 

berzundela

ber.zun.de.labərzũˈdɛlɐ

nome feminino

regionalismo (Algarve) bebedeira; patuscada; pândega

https://www.infopedia.pt/

 

Hemeroteca Digital de Lisboa

O Xuão, 11.05.1909

 

Fialho de Almeida, A ruiva e outras histórias, volume de contos.

https://www.agr-tc.pt/bibliotecadigital/aetc/download/252/A%20Ruiva%20e%20outras%20Historias%20-%20Fialho%20de%20Almeida.pdf

O centenario antoninho

 

Porto : Brezundella & Cª, 1895

https://bibliotecacasadoinfante.cm-porto.pt/SearchResult.aspx?search=_OB:%2B_QT:AS__Q:PROSA%20SATIRICA_EQ:T_D:T___

chrome-extension://efaidnbmnnnibpcajpcglclefindmkaj/https://opat.pt/ipfs/QmbT1BPrrTLNPEph5qbCbN5ukhNfdDJenT4bVqUeqfqHeA/notas/toponimo-couchel/dicionario-de-regionalismos-e-arcaismos.pdf

Imagens

Os Bêbados ou Festejando o São Martinho, José Malhoa, 1907.

https://pt.wikipedia.org/wiki/Os_B%C3%AAbados

The Village Tavern, John Lewis Krimmel, 1813-1814

Village Tavern – Works – Toledo Museum of Art

O Pera de Satanás era um verdadeiro artista

 

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Normalmente os falsários especializam-se. Há os moedeiros, também conhecidos como “percaleiros”; os que forjam cheques e outros documentos, na gíria tratados como “laparôtos”, e os viciadores de cautelas de lotaria, apelidados de “gatunos da londrina”. Poucos são os que têm a arte e o engenho de fazer o pleno das falsificações e ainda outras proezas dignas de nota. Alfredo Alves Mendes é um raro caso digno dessa seleta galeria, que também teve a honra de ficar para a história como autor dos primeiros selos falsos produzidos no nosso País, até hoje batizados com o seu nome “profissional”. Uma verdadeira vedeta, que ficou conhecida como Pera de Satanás.

O epiteto “Pera de Satanás” advém da barbicha que manteve até morrer, mas a tal batismo não terá sido alheio um muito popular espetáculo com esse título, onde uma das personagens pratica atos maravilhosos e sobrenaturais com o pequeno tufo de pelos que possui no queixo. Não consta que Alfredo Alves Mendes tivesse dotes mágicos, mas a sua carreira mostra que não só era portador de inegáveis qualidades artísticas, como era mestre em fugas e evasões, quase tão bom como um célebre Houdini que por aqueles anos nascia em Budapeste.

O nosso hábil Pera de Satanás era natural Porto e foi logo na sua cidade-berço que fez a suas primeiras proezas. Ainda não tinha descoberto a sua grande vocação e, por isso, foi com furtos que iniciou tão ilustre percurso. Rumou depois à capital do País, onde foi detido por assaltar a Fábrica de Lanifícios de Oeiras. Roubara barretes que pretendia revender, e, certamente, seriam objeto de predileção, já que ostenta um na sua fotografia “oficial”.

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Face aos desaires mencionados, decide mudar de rumo. Não sabemos como sentiu o apelo pelo mui afamado “ofício” da falsificação, mas dedicou-se a copiar na perfeição cautelas das lotarias de Lisboa e Madrid. É preso na Azambuja, mas consegue fugir. Recapturado, lá cumpre um ano “dentro”.

Novamente “ao fresco”, descobre as alegrias de cunhar moeda (na imagem a oficina de amoedação da Casa da Moeda). Uma verdadeira maravilha, da qual depois dará aulas a alguns pupilos que também ganharam notoriedade, como o Caramelo 

Não obstante o primor, é detido e condenado a 5 anos de degredo. Enquanto aguarda resposta ao recurso interposto, escapa-se da Cadeia do Limoeiro, no último dia de 1869. É, pois, a monte que entra gloriosamente em 1870 e assim consegue manter-se durante algum tempo, até que é caçado em Viseu. Como não há duas sem três, na viagem para Lisboa quase consegue escapulir-se, em Coimbra. Acaba condenado a cinco anos de trabalho público, desconhecendo-se em que funções. É até pena que, como mais à frente um jornalista chega a sugerir, os seus atributos não tenham sido usados a favor da comunidade, com a sua contratação para a Casa da Moeda (na imagem).

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A esta junta nova pena de degredo, mas em 1881 já está de volta à metrópole.

Não consegue resistir à sua verdadeira inclinação e é de novo implicado num caso de moeda falsa. Por pouco não consegue enganar as autoridades, pois, como habitualmente, em sua posse nada é encontrado e da sua boca não se ouvem confissões, antes elaboradas teorias e desculpas.

Só a sagacidade da polícia consegue deslindar o mistério, descobrindo um “tesouro” em forma de moedas de 500 réis, cunhadas em chumbo escondidas no forro do teto de sua casa.

Novamente preso, é mesmo na Cadeia do Limoeiro que monta uma oficina de falsificação. Uma muito organizada associação com o colega “Mineiro”, que produzia moedas de cinco tostões - as de maior tiragem, sobretudo para África- vendidas em rolos de 100 réis aos degredados, que por elas pagavam um quinto desse valor.

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Descoberto este enredo, não se pode dizer que Alfredo Alves Mendes não fosse persistente, porque, meses depois, com o mesmo "amigo", falsifica uma carta e uma letra de crédito, destinada a ser descontada no Banco Comercial. Fica preso até 1886 e é logo depois que começa a urdir a sua obra-prima (na imagem, exemplo de cautela de 1882).

Aproveita o facto de se terem deixado de produzir selos em relevo, optando-se por uma versão impressa, mais económica; faz uso de um valioso conhecimento com um jovem funcionário da Casa da Moeda, Augusto César Machado que, muito “trabalhado” pelo Pera de Satanás, lhe fornece as verdadeiras matrizes das estampas de 25 e 500 réis, para além de papel e tintas legítimas.

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O resultado, claro está, ficou um primor (na imagem). Começam timidamente a escoar os selos entre os comerciantes nos arredores de Lisboa. O compincha “Abade”, nascido Caetano Simões, com ar de provinciano, é o ideal para fazer a transação, inventando histórias simples mas plausíveis para possuir tantos selos e tão pouco correio. Os interpelados, vendo uma oportunidade de fazer dinheiro facilmente, adquirem abaixo do preço facial.

o pera de satanás retratado por rafael bordalo pi

Com o aumento das quantidades, dão nas vistas e o chefe Jacob, um velho conhecido, é incumbido de deslindar a marosca. Percebe que só um verdadeiro perito poderia produzir tão perfeito trabalho e ele conhecia apenas uma pessoa com tais predicados. Estava certo. Encontrou a serralharia que produziu uma peça para a máquina de impressão e, dedução atrás de dedução, lá chegou aos cunhos desaparecidos da Casa da Moeda e a Augusto César Machado. Deste, foi ao encontro do Abade, na posse do qual estavam os selos.

Assim, chegou ao mentor do plano, o Pera de Satanás que, embora tenha negado sempre, acabaria condenado e novamente preso, aos 46 anos (na imagem, retratado por Rafael Bordallo Pinheiro, nessa época).

Esta última pena não foi simpática para o ardiloso falsário. Deu-se mal com os ares da Penitenciária de Lisboa. Quando é solto, após três anos, em 1890, já está muito debilitado. A sua proveitosa carreira artística acabaria no Hospital de São José, onde encontra a morte.

O nome Pera de Satanás, no entanto, perduraria. Certamente Alfredo Alves Mendes ficaria orgulhoso ao saber que os seus selos com a efígie do rei D. Luís são hoje muito disputados e vendidos a colecionadores por montantes muito superiores aos verdadeiros.

ao centro o pera de satanas retratado por rafael b

À margem

O falsificador Pera de Satanás foi uma verdadeira celebridade, com lugar na galeria de criminosos célebres, retrato pela mão de Rafael Bordalo Pinheiro, referência n’As Farpas, de Ramalho Ortigão, tema de inúmeras referências em jornais da época, livros de filatelia e criminologia.

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Curioso é que, na mesma época em que Alfredo Alves Mendes vivia a sua existência multifacetada, uma outra Pera de Satanás tivesse alcançado ainda maior êxito. Trata-se de um espetáculo musical da autoria de Eduardo Garrido (na imagem), com 3 atos e 27 quadros. Desde 1865, passou pelo Teatro das Variedades Dramáticas, Teatro Avenida e Circo Price, em Lisboa. Esteve em cena meses a fio, com casa cheia, atravessou o oceano e fez igualmente grade sucesso no Brasil, até aos inícios do século XX. Entre as personagens contam-se os reis Caramba e Zambumba, o príncipe Cochicho, Vasco e Castanheta.

O título advém do facto de o diabo ser frequentemente representado como um bode com características humanizadas e, como é habitual nesses animais, com uma barba em torno do queixo. Aqui, a pera do protagonista é capaz dos mais fabulosos prodígios, daí se tratar de uma “mágica”.

Eduardo Garrido (1842-1912), autor especialmente prolífico, com muitas operetas e comédias no seu currículo, também fez numerosas traduções, mas chegou a ser acusado de se apropriar de algumas obras alheias, que adaptava de tal forma que se tornavam suas...no fundo, uma espécie de falsificação artística, que talvez agradasse a Alfredo Alves Mendes.

Mas isso é outra história...

 

Fontes

Hemeroteca Digital de Lisboa

https://hemerotecadigital.cm-lisboa.pt/

Diário Illustrado

Textos de Gervásio Lobato

13.10. 1876, 11.09.1884, 23.03.1887, 12.06.1896,

 

O Occidente

11.07.1883, 21.09.1883

 

A Resistência

10.02.1898

 

O Século Ilustrado

02.08.1969

 

Hemeroteca Municipal do Montijo

https://www.mun-montijo.pt/viver/cultura/bibliotecas/hemeroteca

A Província

17.11.1955, 08.12.1955,

 

Diário do Governo

https://digigov.cepese.pt/pt/homepage

30.12.1865, 11-05-1867, 02.05.1970, 18.01.1899, 24.04.1899, 09.07.1906.

Arquivo Distrital do Porto

https://pesquisa.adporto.arquivos.pt/

 

A Pera de Satanás: Mágica em 3 Actos e 18 Quadros, PT/ADPRT/COL/CDAC/005/001/00063

 

João Moreira Baptista, Falsificações Postais e Filatélicas: Selos “Pera de satanás” tipo “corôa e tipo “ceres”, Grupo de amigos do Museu dos CTT, 1995.

Catarina Pinto, J. Sérgio Seixas de Melo, A Origem da Cor dos Selos Portugueses (1857-1909), in Revisitando abordagens, Inovando Saberes, Departamento de Química da Universidade de Coimbra, 2020.

Portugal, Fred. J. Melville, London, Melville Stamp Books, 1911.

016671553.pdf

António Augusto Mendes Corrêa, Os Criminosos Portugueses, Porto, Imprensa Portuguesa, 1913.

150039_ESPOLIO_ZOOLOGIA_C.pdf

José leite de Vasconcelos, Signum Salomonis, A Figa – A Barba em Portugal, Estudos de Etnografia Comparada

Signum Salomonis - A Figa - A Barba em Portugal - Capítulo III formas e cortes da barba - Etnográfica Press

Signum Salomonis - A Figa - A Barba em Portugal - Capítulo VI a barba no léxico e na literatura - Etnográfica Press

 

Eduardo Garrido (dramaturgo) – Wikipédia, a enciclopédia livre

 

Pera de Satanás – Wikipédia, a enciclopédia livre (wikipedia.org)

 

A Pêra de Satanás: Mágica em 3 Actos e 17 Quadros - FUNARTE

Histórias da História de 26 abr 2019 - RTP Play

 

Ramalho Ortigão, As Farpas, volume 7

Ramalho Ortigão - As Farpas, V.7 by Carlos Duarte - Issuu

 

Imagens

Pera de Satanás – Wikipédia, a enciclopédia livre (wikipedia.org)

História da Casa da Moeda - Casa da Moeda

Restos de Colecção: Lotaria em Portugal (1)

Pontos nos II, 31.03.1887

https://pt.wikipedia.org/wiki/Eduardo_Garrido_(dramaturgo)

 

 

Ir à guerra com pombos e balões

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O primeiro veículo aéreo das forças armadas portuguesas foi um balão. Nada de estranho em finais do século XIX. Embora já outros aparelhos com nova tecnologia se testassem nos céus, os aeróstatos ainda estavam em voga. Por cá, foi escasso o seu sucesso, por isso não deixa de ser curioso que, mais de um século depois, ainda exista um balão militar em atividade, mas com funções completamente diferentes das originais.

 

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Houve tentativas anteriores, mas foi em 1889 que se deu a integração, no Departamento de Engenharia Militar, da novíssima Inspeção do Serviço Telegráfico de Guerra, de Aeroestação e Pombais Militares, que, de forma abrangente, englobava várias missões “aéreas”: as transmissões por telégrafo (existentes desde 1810); as comunicações através do envio de pombos-correio e a aeroestação, que havia sido criada no ano anterior. Apesar das eventuais boas intenções na referência aos balões, a verdade é que a sua utilização militar entre nós foi sempre limitada e sem grandes proezas.

Para dotar esta unidade, há referência à aquisição, em França, de um destes aparelhos, inflado a hidrogénio, mas a experiência não vingou.

Melhor sorte também não tiveram as tentativas de Cipriano Leite Pereira Jardim. Incumbido de abastecer as nossas forças com engenhos voadores, não se limitou a comprar balões, antes, desenvolveu um modelo revolucionário (próxima imagem) que apresentou com grande aparato e ao mais alto nível na Sorbonne (Paris) e em Lisboa, fazendo uso de um protótipo de pequenas dimensões, que conseguiu manobrar com relativa facilidade, ultrapassando problemas como a perigosa aterragem ou a dificuldade de manter o rumo, deficiências comuns nos aeróstatos.

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Apesar das enormes vantagens que a imprensa da época apreciou no mecanismo e da condecoração atribuída pelo Estado francês, a extraordinária invenção esbarrou numa certa inércia e na crónica falta de verbas destinadas à investigação e à defesa, um pouco como, mais tarde, aconteceu com o aeroplano Gouveia ou com o inovador submarino Fontes, no qual o Estado português não investiu, preferindo ir adquirir a nova tecnologia ao estrangeiro.

Ao longo dos anos, voltaram a fazer-se testes com aeróstatos, nomeadamente ascensões estáticas e com versões dirigíveis, mas só na República, em 1911, seria criada uma unidade exclusiva de aeronáutica – a Companhia de Aeroesteiros – que ganhou o primeiro avião no ano seguinte, 1912, dando o mote para a criação da Força Aérea Portuguesa, que então se deu.

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Mas, os balões não estavam totalmente esquecidos. Eram usados em exercícios de observação, comunicação e regulação de tiro para artilharia, fazendo um reconhecimento sorrateiro do terreno inimigo. Foi também a partir de um balão que se fez o primeiro salto de paraquedas com militares portugueses, em 1922.

Três anos depois, construía-se um singular hangar de balão, em Alverca. Trata-se de uma estrutura inovadora, hoje única no mundo, com base numa malha de triângulos de madeira, que permite um interior sem arestas perigosas para o revestimento dos balões, enquanto mantém a resistência e a forma adequada à função (na imagem).

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A sua utilização durou apenas 12 anos, porque o Batalhão de Aeroesteiros e a Escola Militar de Aeroestação seriam extintos em dezembro de 1937, uma vez que os aviões tinham tornado os balões armas de guerra obsoletas e, de resto, alvo fácil em contexto de combate.

Não deixa de ser irónico que essa sua grande área pachorrentamente exposta tenha sido o trunfo para as últimas utilizações dos balões entre nós.

Durante a II Grande Guerra, foi criada uma unidade de balões-barragem, com o fim de proteger as cidades de Lisboa e Porto, em caso de bombardeamento. Eram enormes e, efetivamente, barrariam a visibilidade aos pilotos, cobrindo eventuais alvos e, assim, dificultando a mira aos pontos considerados estratégicos, impedindo os aviões atacantes de voarem a baixa altitude.

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Com a apregoada neutralidade de Portugal, não chegámos a necessitar dessa defesa.

Ao contrário do que aconteceu em Inglaterra, por exemplo, onde milhares de balões-barragem não tripulados impediram ataques aéreos e causaram a perda de numerosas aeronaves alemãs, que embatiam nos cabos, quando tentavam voar por debaixo (na imagem).

Só em 1993 é que os balões voltariam às nossas forças armadas, desta feita pela mão do Corpo de Tropas Paraquedistas, que adquiriu, em Inglaterra, um balão de ar quente destinado à promoção da imagem desta unidade, com o objetivo de dar nas vistas perante potenciais voluntários, nomeadamente com exibições em eventos de balonismo. 

 

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Como a ideia pareceu dar frutos, o atual é já o terceiro balão a ser operado pela equipa de balonismo do Regimento de Paraquedistas do Exército português (o balão verde, na imagem).

 

À margem

Os pombos-correio têm uma história mais longa e bem-sucedida que os balões. Usados desde a antiguidade, continuam como recurso possível quando todas as tecnologias de transmissão falham. Em Portugal, a utilização formal de pombos pelo exército teve início em finais do século XIX, tendo sido criada em 1880 a rede de pombais militares.

Foram muito uteis, nomeadamente durante a I Grande Guerra, havendo todo um conjunto de objetos e instruções muito precisas sobre como deveriam ser escritas as mensagens, carregadas em minúsculos tubos feitos a partir de uma pena de pato e presos com delicados fios a uma pena da cauda do pombo. O processo foi aperfeiçoado, com pequenos recipientes que se prendiam a uma pata. Existiam também transportadores individuais, com sanitário incorporado, para que um militar destacado numa missão específica pudesse levar o “seu” pombo em segurança e higiene. Estas aves eram de tal forma vitais que foram usadas aos milhares por praticamente todas as forças em conflito, havendo abrigos antigás para pombos e pombais móveis.

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Houve até pombos-correio condecorados pelas suas extraordinárias prestações, que ajudaram muitos soldados.

É claro que, contra grandes males, grandes remédios: havia atiradores encarregues de abater pombos, mas a forma mais eficaz de acabar com eles era através de falcões peregrinos, que “lhes chamavam um figo”.

O mais famoso pombo utilizado durante a I Grande Guerra, foi o Cher Ami, que salvou o denominado “batalhão perdido”, ao levar uma mensagem com a sua localização, quando este se encontrava debaixo de fogo. Perdeu uma perna e ficou gravemente ferido, mas foi condecorado com a Cruz de Guerra e vastamente homenageado, até se transformar num herói…. empalhado.

 

Mas isso é outra história...

 

 

Fontes

Viagens Aeronáuticas Dos Portugueses [ed. lit.] Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, António Camões Gouveia, (coordenação), Museu do Ar, Lisboa,1997.

Texto de Miguel Machado,

https://www.operacional.pt/o-balao-publicitario-das-tropas-para-quedistas/

Anabela natário, jornal Expresso, 28.05.2018

https://expresso.pt/sociedade/2018-05-28-Cipriano-Jardim-inventor-desprezado

O Occidente, 11.05.1888, na Hemeroteca Digital de Lisboa, em https://hemerotecadigital.cm-lisboa.pt/index.htm

Textos de Coronel José Manuel Canavilhas, M. General Pedroso de Lima,

História das Transmissões Militares – Um site da Comissão da História das Transmissões (CHT)

https://mediotejo.net/o-campo-de-instrucao-do-poligono-militar-de-tancos-por-fernando-freire/

chrome-extension://efaidnbmnnnibpcajpcglclefindmkaj/https://academia.marinha.pt/pt/academiademarinha/Edies/MEMORIAS_2017.pdf

https://issuu.com/aaacm/docs/revista_zacatraz_198_web

Balões Barragem // Segunda Grande Guerra

Balão barragem – Wikipédia, a enciclopédia livre

https://pt.wikipedia.org/wiki/Companhia_de_Aerosteiros

 

Imagens

Viagens Aeronáuticas Dos Portugueses [ed. lit.] Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, António Camões Gouveia, (coordenação), Museu do Ar, Lisboa,1997.

Os Aerosteiros, balões, aviões e as Transmissões – História das Transmissões Militares

https://www.wikiwand.com/pt/articles/Bal%C3%A3o_de_observa%C3%A7%C3%A3o#/media/Ficheiro:Observation_balloon_RAE-O982a.jpg

Multimédia » Balão Barragem sobre Londres. // Segunda Grande Guerra

Alfredo Serrano Rosa, O BALÃO PUBLICITÁRIO DAS TROPAS PÁRA-QUEDISTAS | Operacional

https://filatelista-tematico-blog.net/cher-ami-o-soldado-mais-valente-da-primeira-guerra-mundial-podia-voar/