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O sal da história

Crónicas da história. Aventuras, curiosidades, insólitos, ligações improváveis... Heróis, vilões, vítimas e cidadãos comuns, aqui transformados em protagonistas de outros tempos.

O sal da história

Crónicas da história. Aventuras, curiosidades, insólitos, ligações improváveis... Heróis, vilões, vítimas e cidadãos comuns, aqui transformados em protagonistas de outros tempos.

Eleições com tumultos e suspeita de fraude

 

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Uma urna construída de propósito para ser aberta sem deixar rasto, gente armada escondida onde os votos ficaram guardados, muitas suspeitas e algumas ameaças marcaram as eleições em Alcácer do Sal. Francisco e Joaquim Mendes Núncio, bem como Francisco António Branquinho Lança e Joaquim Gomes Bolas foram implicados nas acusações.

 

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Em outubro de 1892, o País foi a votos. Por todo o País se registaram tumultos, suspeitas e uma enorme confusão até ao apuramento final, que os jornais bem documentaram. Em Alcácer do Sal, houve fortes indícios de fraude nos resultados. Urnas construídas propositadamente para poderem ser abertas sem ninguém dar conta, pessoas escondidas e armadas no espaço onde estavam guardados os votos e pressão sobre os eleitores. Estas foram algumas das acusações lançadas pelos responsáveis locais do Partido Progressista contra os “regeneradores”, que acabaram por ganhar as eleições, num clima de grande crispação, ameaças e protestos formais de parte a parte.

Tratava-se de escolher o deputado eleito pelo círculo 80– Setúbal, ao qual Alcácer do Sal pertencia. A grande disputa era entre Jaime Artur da Costa Pinto (Partido Regenerador), já anteriormente parlamentar em diversas legislaturas e o empresário António José Batista (Partido Progressista). Ambos almejavam ser os escolhidos.

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Mesmo antes do ato eleitoral, perspetivavam-se motins por estas bandas e, assim que se contaram os votos, choveram os protestos oficiais apresentados em Alcácer do Sal, tendo como fundamento um conjunto de situações consideradas irregulares e passíveis de poderem ter influenciado os resultados.

Para começar, não presidiu à mesa de voto o cidadão formalmente nomeado para tal – Joaquim dos Santos Coelho – que até se encontrava na igreja onde decorria o ato. Em vez disso, atrás do presidente da mesa estavam os cidadãos Joaquim Gomes Bolas e Joaquim Mendes Núncio, “com um saco”, contando boletins do candidato Jaime da Costa Pinto, entregando e trocando as listas, enquanto, sem que tivesse havido qualquer alteração da ordem, foram expulsos daquele espaço todas pessoas que não eram eleitores.

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Acrescenta-se que, quando começou o escrutínio, foi a mesa cercada por cordões de força armada, com o fim de impedir que os partidários de António José Batista fiscalizassem a operação.

Paralelamente, contrariando o que mandava a lei, os votos não foram contados nas duas horas depois das chamadas e, em vez de terem sido guardados num cofre com três chaves, como também era legalmente exigido, foram fechados numa urna construída de propósito para esta função, mas que, acusavam os “progressistas”, era facilmente aberta por baixo, sacando os parafusos que prendiam o pé e sem que se quebrassem os selos que tinham sido colocados na abertura superior.

Acresce que a urna foi depois arrecadada num espaço da igreja, que, na opinião dos que apresentaram a reclamação, não oferecia a devida segurança, tanto por a porta ter apenas uma fechadura, como, especialmente, por se ter sabido que no interior do templo ficou escondida gente ligada aos “regeneradores”.

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Disso mesmo deram conta às autoridades que, indo ao local, ali prenderam Francisco Mendes Núncio e Francisco António Branquinho Lança, este, membro da mesa e armado com um revólver.

Ora, face a estas denúncias, contestadas pelos elementos do outro partido político, o Juiz de Direito da comarca de Alcácer do Sal analisou os factos e entendeu que só deveria ter em conta as ações que pudessem influenciar os resultados eleitorais.

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Considerou que a presença de duas pessoas fechadas na igreja, passando a noite no local onde se encontravam os votos, poderia ser alvo até de um processo criminal, mas que, como não havia sinais de a urna ter sido aberta, deveria dar a eleição como válida.

Assim, ganhou Jaime Artur da Costa Pinto, apoiado pelo Partido Regenerador e, ainda mais importante, proposto pelo maior latifundiário do País, José Maria dos Santos. O perdedor, António José Batista, conhecido como o candidato das filarmónicas, era um importante empresário da indústria litográfica e terá gasto mais de 30 contos de réis na campanha. Nesse mesmo ano, seria eleito presidente da Câmara Municipal de Setúbal, onde se estabelecera. Ali esteve até 1899, voltou a ser eleito entre 1906 e 1910, promovendo muitos melhoramentos naquela cidade.

Quanto ao deputado eleito, permaneceu no parlamento até 1906, sempre com uma atividade intensa à qual se devem diversos projetos, particularmente nos concelhos da margem sul do Tejo. Sobre este episódio eleitoral, deixou escrita a obra Eleição de Setúbal. Lenda de Alcácer do Sal – A Verdade dos Factos

 

À margem

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O Partido Progressista, fundado em 1876, passou a alternar no poder em Portugal com o Partido Regenerador, mais conservador e fundado durante a denominada Regeneração, período entre (1851 – 1868). Em Alcácer do Sal (na imagem), esta rivalidade foi em grande parte responsável por uma divisão da população, em particular dos senhores mais importantes da terra, que dominavam o seu grupo de amigos e correligionários e, portanto, o número de votos correspondente a estes cidadãos eleitores, visto que o voto não era universal e só uma pequena percentagem da população tinha esse direito.

As divisões agudizaram-se em 1878. António Caetano de Figueiredo, Visconde de Alcácer do Sal, era o “chefe” local dos” regeneradores” e António de Campos Valdez liderava os “progressistas”. Haviam sido amigos, compadres até, e dividiam ente si as responsabilidades políticas. O primeiro foi presidente de Câmara durante vinte anos, alternando apenas com pessoas de sua confiança e/ou família que reuniam o consenso localmente.

Quando Valdez surgiu a disputar esse poder, “zangaram-se as comadres” e dividiram-se as águas.

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Foi eleito presidente da Câmara Municipal de Alcácer do Sal em 1878. No ano seguinte, concorreu a deputado mas não conseguiu ainda ser eleito, apesar de ter ganho na sua terra. O  "seu" Partido Progressista teve uma estrondosa vitória, elegendo 106 lugares no parlamento e 77,4 por cento dos votos, naquele que foi o segundo ato eleitoral nacional em que aquela força política participou. Uma semana apenas depois destas eleições, Valdez funda a Sociedade Filarmónica Progresso, hoje Progresso Matos Galamba, a Pazoa.

A mítica recusa da participação da banda da Sociedade Amizade, pertencente ao Visconde de Alcácer do Sal, na Procissão do Senhor dos Passos organizada por Valdez, durante a Quaresma de 1879 foi, afinal, uma consequência de ter perdido o domínio da Câmara Municipal de Alcácer do Sal para o antes amigo. Com a fundação da nova filarmónica, perde igualmente o exclusivo das bandas de música. Nasce uma rivalidade que, embora atenuada, permanece até hoje.

Mas isso é outra história...

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Nota: a primeira imagem diz respeito às eleições em Lisboa, em 1908.

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Fontes

Arquivo Histórico Parlamentar

Eleição de um Deputado à XXIX Legislatura 1893, PT-AHP/CD/CVPoderes/S56/UI73

 

Hemeroteca Digital de Lisboa

Diário ilustrado

25.10.1892, 26.10.1892, 27.10.1892, 28.10.1892, 01.11.1892

 

Diário do Governo Digital

DIGIGOV

Diário do Governo, 30.05.1893

Imagens

Arquivo Municipal de Lisboa

Alberto Carlos Lima, PT/AMLSB/CMLSBAH/PCSP/004/LIM/000254

Arquivo Municipal de Alcácer do Sal

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Instantâneos (124): um "Corpo de Deus" que foi dia de viragem

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Uma praça cheia de gente. Cavalos empinados, pessoas e armas derrubadas no chão ou agrupando-se nas estreitas saídas, parecem querer fugir para as ruas contíguas. O espaço parece-nos familiar, mas vemos uma bandeira tricolor içada numa torre, o que nos leva a pensar não estarmos em Portugal. Percebe-se que parte das figuras estão fardadas e que ali também se veem canhões, aparentemente abandonados, pois ninguém os conduz nem às parelhas de animais. É uma cena complexa e só a extensa legenda desvenda, de facto, o que pensamos ver.

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Tudo aconteceu no Dia do Corpo de Deus de 1808, no Rossio, em Lisboa, mas reflete um estado de exaltação à escala nacional. Os portugueses, que haviam recebido as tropas francesas sem oposição digna de nota, começam a protagonizar diversos motins em todo o País, pressentindo a falta de meios que os invasores então experimentavam. Nesse dia, correu o boato que os ingleses desembarcavam já na nossa costa para vir socorrer os seus aliados lusos.

A reação dos franceses terá sido de “desordem e terror”, largando tudo e tentando escapar. Este é um instantâneo desse momento. Junot, que havia comandado esta primeira invasão, chegada a Lisboa a 30 de novembro do ano anterior, está na varanda do antigo Palácio da Inquisição, à esquerda da imagem, e gesticula, provavelmente tentando parar a sangria dos seus homens, de que lhe dá conta o homem a cavalo, o general de artilharia com quem fala. A cavalaria apressa-se a passar pelo Arco do Bandeira, à direita, mas são muitos os que se aglomeram junto às outras escapatórias, para o largo de São Domingos (em cima, à esquerda), a praça da Figueira (em cima, ao centro), rua Augusta, (em cima, à direita) e do Ouro (em baixo, à direita).

 O pavor dos franceses não dura muito, mas internamente percebe-se a oportunidade. Em Olhão, nesse mesmo dia 16 de junho, rebenta a revolta que escorraça os franceses do Algarve. Três dias depois, no Porto, a Junta Provisional do Supremo Governo do Reino assume as rédeas da situação e, um pouco por todo o território, se organizam populares voluntários para formar tropas e arregimentam-se militares na tentativa de criar o exército que combateria como pôde os invasores até à chegada dos ingleses, que só entrariam em Portugal lá para agosto.

No final desse mês, após vários confrontos sangrentos, assina-se o armistício e, a 15 de setembro, data em que a bandeira nacional volta a ser içada em Lisboa, os invasores começam a retirada, levando consigo tudo o que conseguiram carregar…estariam de volta em fevereiro do ano seguinte.

 

Neste mesmo dia de 1808, a quase oito mil quilómetros de distância, D. João VI inaugurava uma nova época de magnificência, engrandecendo a procissão do Corpo de Deus no Rio de Janeiro, transformada em capital do Império. Pela primeira vez, o cortejo religioso revestiu-se de especial pompa, algo não muito comum naquelas paragens tropicais, mas que passaria a ser a regra com a presença da corte, que ali viveu até 1821.

 

Fontes

João Paulo Ferreira Silva, Primeira Invasão Francesa 1807-1808 a Invasão de Junot e a Revolta Popular, Academia das Ciências de Lisboa, 2015. Disponível em  https://www.acad-ciencias.pt/books/primeira-invasao-francesa-1807-1808-a-invasao-de-junot-e-a-revolta-porpular/

 

William de Souza Martins, Corpo de Deus, Corpo de Deus, Corpo de Rei: A Procissão de Corpus Christi na Corte do Rio de Janeiro (1808-1821), Sociedade Brasileira de pesquisa Histórica (SBPH), Anais da XVII reunião, São Paulo, 1997, pp 177-181. Disponível em:

https://www.academia.edu/120828020/Corpo_de_Deus_Corpo_do_Rei_a_Prociss%C3%A3o_de_Corpus_Christi_na_Corte_do_Rio_de_Janeiro_1808_1821_

 

 

Arquivo Histórico Militar

https://ahm-exercito.defesa.gov.pt/

Vista da praça do Rossio onde representa a desordem e terror dos franceses no dia de Corpo de Deus em 1808, PT/AHM/FE/010/A07/MD/04

 

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Arquivo Histórico Militar

https://ahm-exercito.defesa.gov.pt/

Vista da praça do Rossio onde representa a desordem e terror dos franceses no dia de Corpo de Deus em 1808, PT/AHM/FE/010/A07/MD/04

 

E se o blog virasse livro?

 

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Foi mais ou menos este o desafio que a Editorial Divergência me lançou: criar um livro tendo o blog osaldahistoria como inspiração. Mas, como dar estrutura lógica a algo que é espontâneo e depende sobretudo do meu interesse momentâneo, da minha vontade num determinado momento? E como transformar sete anos de posts num único livro?

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Mais do que pesquisar e escrever, que é a minha grande paixão, o difícil foi criar essa organização. O resultado é este trabalho que agora apresento na Feira do Livro de Lisboa, pelas 14h do dia 22 de junho (domingo), primeiro na Praça Roxa, depois com uma sessão de autógrafos no stand da editora.

Neste livro vai encontrar 25 histórias. Algumas já aqui leu, mas têm muitas novidades; a maior parte são novos episódios, personagens a descobrir, locais e pistas para outras tantas paragens.

Porque, afinal, a história é o mais saboroso, estranho e imprevisível dos enredos. Os acontecimentos interligam-se de forma tão inusitada e surpreendente, que nem o mais ardiloso escritor seria capaz de imaginar e há sempre outra história para contar…

Conto consigo para conheccer estas histórias!

Aqui pode ficar a saber mais sobre este livro:

Mas isso é outra história… - Grupo Editorial Divergência

Instantâneos (123): muito mais do que um copo

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Delicado e frágil. Habilmente soprado e gravado por mãos experientes. Um sobrevivente! Esta fina peça de vidro encontra-se exposta no Palácio Nacional da Ajuda há 163 anos, ocupando lugar numa vitrina da Sala Azul. Provavelmente passa despercebido aos visitantes, mas conta a história de perseverança de um português, como tantos, mais reconhecido no estrangeiro do que dentro de portas.

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Serafim da Fonseca e Sá regressou a Portugal em 1862. No Brasil, onde vivera nos 20 anos anteriores, enfrentara algumas dificuldades para expandir o seu negócio de produção de vidros e cristais de alta qualidade. Vinha esperançoso de a sua arte ser ainda mais valorizada no País de origem e não poupou esforços para se fazer notado em Lisboa.

Do outro lado do oceano, chegara a fornecer gente abastada e o próprio imperador Pedro II, que até o nomeou reposteiro honorário da Casa Imperial. Foi premiado com medalhas de ouro em exposições ali realizadas e foi destaque da representação brasileira na Exposição Internacional, que Londres recebia naquele mesmo ano e onde também foi medalhado, com prata.

O governo propôs até que lhe fosse atribuído o valor de três lotarias para que engrandecesse o seu estabelecimento. O preço a pagar por esse apoio, no entanto, era que se tornasse cidadão brasileiro, o que o artista considerou uma ingratidão para com a sua nação-berço.

Daí, que tenha resolvido rumar à pátria das suas raízes, em busca de uma colocação oficial que fizesse jus aos seus pergaminhos.

“O mais hábil gravador de cristal de que há memória”, autor de trabalhos que “excedem tudo o que de mais perfeito possa vir da Europa”, “verdadeiros primores” dignos de admiração. Estas são apenas exemplos de frases usadas pelos jornalistas dos dois lados do oceano para descrever Serafim da Fonseca e Sá e as suas obras impressionantes, nas quais elogiam a correção do desenho, minucia dos detalhes e desembaraço artístico.

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Para o apoiar nesta tentativa de divulgar os seus dotes e a valia das suas peças, a Sociedade Promotora de Belas Artes de Portugal convidou-o a expor e nomeou-o lente de mérito, propondo que se criasse uma cadeira de gravação, pintura e desenho em vidro, algo inexistente na nossa pobre indústria do vidro, o que obrigava a importar gravadores ou peças já gravadas.

Tudo se conjugava em torno de Serafim da Fonseca e Sá, que até ofertou a El-Rei D. Luís um delicadíssimo copo por si concebido – este copo - onde gravou uma alegoria à vitória de D. João I em Aljubarrota e outra ao casamento real, que ali pretendia enaltecer, com as armas das casas de Bragança e Saboia entrelaçadas, pois que desta era oriunda a princesa Maria Pi,a que nesse mesmo ano se tornou rainha de Portugal.

Mas, a almejada colocação, tardava em vir e os jornais já diziam que seria “uma vergonha e uma grande perda” se, face a esta indefinição, o gravador regressasse ao Brasil. Em dezembro do ano seguinte, como nada se decidisse, Serafim encarava mesmo a ideia de retornar o que, tudo indica, aconteceu mesmo, com o artista a ir trabalhar para a casa imperial. Desconheço, no entanto, se teve de pagar o preço antes anunciado.

Para o recordar, ficou o copo. Este copo, que é apenas uma das 13 mil peças de vidro da coleção do Palácio Nacional da Ajuda, em grande parte adquiridas durante o reinado de D. Luís pois, D. Maria Pia tinha especial apreço por este tipo de objetos, adquiridos nas principais casas produtoras da Europa.

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Já aqui contei a história de outros portugueses que não quiseram ser brasileiros.

E sobre como o vidro português nasceu em Coina.

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Fontes

Biblioteca Nacional de Portugal

www.purl.pt

A Revolução de Setembro,  01.06.1862, 03.09.1862, 18.10.1862

 

Memória Brasil

https://hemeroteca-pdf.bn.gov.br

Correio da Tarde, 27.07.1858

 

Maria João Botelho Moniz Burnay, Glass at the Table of the Portuguese Court: Daily and Ceremonial Glass of the Crown and of Queen Maria Pia, AIHV22 – Annales du 22º Congrés de la Association Internationale pour l´Histoire du Verre, Lisboa, 2021. Disponível em https://www.palacioajuda.gov.pt/

 

Esclarecimentos gentilmente enviados de Maria João Burnay

 

http://raiz.museusemonumentos.pt/DetalhesObra?id=985230&tipo=OBJ

http://raiz.museusemonumentos.pt/DetalhesObra?id=985230&tipo=OBJ

 

O Brasil Artístico, Revista da Sociedade Propagadora de Belas-Artes, 25.03.1911, Typographia Leuzinger, Rio de Janeiro, 1911.

 

Cláudia girão, Projeto e Construção no Rio Oitocentista e no Rio Moderno, Instituto Benjamin  Constant na Urca, 2014. Disponível aqui:

chrome-extension://efaidnbmnnnibpcajpcglclefindmkaj/https://www.gov.br/ibc/pt-br/centrais-de-conteudos/projetos/memoria-ibc/memoria-cultural/acervo-arquitetonico-1/anexos-acervo-arquitetonico/anexos-publicos/ibc_na_urca-projeto_e_construcao-claudia-girao_2014_projeto-memoria.pdf

 

Imagens

http://raiz.museusemonumentos.pt/DetalhesObra?id=985230&tipo=OBJ

http://raiz.museusemonumentos.pt/DetalhesObra?id=985230&tipo=OBJ

 

Esta vida dava um filme…ou dois

 

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O que dizer de um homem que foi rei e imperador, representou a mudança de regime em duas nações em diferentes hemisférios, para depois abdicar de ambas as coroas? Um homem que atravessou o oceano para, contra todas as expetativas, resgatar um país das mãos do seu irmão; teve dezenas de filhos e foi excomungado pelo Papa? Foi herói e músico, polémico, impulsivo e apaixonado. Morreu aos 35 anos, doente e provavelmente exausto com uma vida tão atribulada. Em qualquer outra parte do mundo, não faltariam filmes ou séries com protagonista tão fértil de emoções, como D. Pedro IV.

 

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Pedro não tinha nascido para ser rei. Antes dele estava o filho primogénito de D. João IV e D. Carlota Joaquina, Francisco António, que morrera de varíola ainda criança. Saíra de Portugal com apenas nove anos (na imagem, D. Pedro adolescente) e passara toda a vida no Brasil, para onde a família real portuguesa – mais um séquito de quinze mil pessoas - embarcara em consequência da primeira invasão francesa, em 1807. Quando o pai foi obrigado a regressar, em 1821, já os invasores tinham ido embora havia muito, mas o príncipe ficou do outro lado do Atlântico.

Um ano e cinco meses depois da abalada do monarca para Portugal, o jovem Pedro liberta o Brasil da sua submissão perante um poder a milhares de milhas de distância (na próxima imagem, representação fantasiosa do momento da proclamação da independência).

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Luta contra as forças fiéis à sua nação de origem e ao pai e torna-se imperador do Brasil, no dia em que completa 24 anos. Ato contínuo, concede ao recentemente autónomo território uma carta constitucional que limitava os seus próprios poderes.

Mas, isso não lhe trouxe a paz. Polémico, intempestivo, por vezes contraditório, D. Pedro teve dificuldade em cumprir a sua própria Constituição. A morte do progenitor, em 1826, acrescenta-lhe outro problema: torna-se rei de Portugal.

Com duas coroas à disposição, e apesar dos numerosos apelos para voltar, opta por ser brasileiro e abdica de Portugal na filha Maria da Glória, com a condição desta casar com o tio Miguel e de ser jurada uma nova Carta Constitucional, que se pretendia de compromisso. Tudo certo, não fosse esse infante ser tão impetuoso quanto o irmão e logo ter começado a governar de forma autoritária, sem atender ao acordado. Estava lançada uma disputa fraternal que só terminaria sete anos depois.

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Não conformado com este estado de coisas e também acossado pelos conflitos permanentes no país-irmão, D. Pedro entrega a coroa imperial ao filho homónimo, com apenas cinco anos, e atravessa o oceano com um punhado de homens para recuperar um país do qual tinha saído em criança.

Vem à boleia dos ingleses e tem de vender praticamente tudo o que tem nos trópicos. Pelo caminho, tem a serenidade suficiente para  escrever um livro e peças musicais.

Aproveita a estadia em Inglaterra e França, para “contar espingardas” e, finalmente, a 10 de fevereiro de 1832, parte para os Açores com uma frota diminuta, mas resoluta. A desproporção de forças era tal que um jornal francês lhe chamou D. Perdu.  D. Pedro, no entanto, tinha a sorte do seu lado.

Já em solo português, no arquipélago açoriano, o ex-imperador do Brasil proclama-se regente em nome da filha, D. Maria II, e prepara a incursão ao continente.  

São 50 os navios que transportam 7.500 homens que constituem as tropas de D. Pedro. Desembarcam na praia de Arnosa de Pampelido, perto do Mindelo, a 8 de julho (na imagem anterior) e entram na cidade do Porto no dia seguinte.

Ali seriam cercados. As tropas miguelistas tinham uma superioridade numérica espetacular – cerca de 80 mil pessoas – pelo que tudo parecia perdido.

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Passado cerca de um ano neste penoso impasse (na imagem anterior, o cerco do Porto), a estratégia desesperada dos liberais passa por dividir para confundir o adversário: É dada ordem para 1.500 militares embarcarem e tentarem entrar novamente no País a partir do Algarve. O audacioso plano, que alguns classificaram como inconsciente, deu resultado e, 24 de julho, chegam a Lisboa.

Foi o princípio do fim das aspirações de D. Miguel, que, depois de derrotado, é obrigado pelo irmão a abandonar o país, em 1834.

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Pedro recupera, enfim, o trono dos seus antepassados.

Pelo meio, no entanto, os brasileiros ainda mandam uma comitiva pedindo-lhe que regresse e é excomungado pelo Papa Gregório XVI, protetor de D. Miguel, um católico fervoroso, o que resulta em fortes protestos por parte de D. Pedro.

Tudo isto viveu e batalhou um homem que era epilético, que sofreu duas fraturas em resultado de acidentes a cavalo e que grande parte da sua vida teve apenas um pulmão funcional. Um homem que ainda teve tempo para numerosos romances, para escrever e criar diversas composições musicais, entre as quais o denominado hino da Carta, que foi o hino de Portugal até à implantação da República, em 1910.

Gozou-se pouco da recuperação do reino de Portugal. Doente pelo menos desde o ano anterior, morre tuberculoso, a 24 de setembro de 1834, cerca de duas semanas antes de completar 36 anos de idade, no mesmo quarto do Palácio de Queluz onde tinha nascido – o quarto D. Quixote – designação que não deixa de ser apropriada para quem tanto lutou.  O homem que fora Rei e Imperador, fina-se apenas como Duque de Bragança e é sepultado como General.

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Moribundo (na imagem), ainda conseguira assegurar, em testamento, herança a (quase) todos os filhos, incluindo os bastardos, bem como a antecipação da maioridade de D. Maria, que a faria rainha de plenos poderes mais cedo.

Deixa um filho no trono brasileiro e uma filha no português. Goste-se ou não do que defendeu, dificilmente se pode ser indiferente ao percurso tumultuoso e fulgurante de D. Pedro IV.

 

 

À margem

A vida de D. Pedro teve muito de política e de luta, mas também teve uma intensa atividade amorosa e uma vasta prole, havendo autores que apontam para 34 filhos, embora muitos não tenham chegado à idade adulta.

No ano em que se torna rei de Portugal e tem de escolher entre dois tronos, enviúva de Maria Leopoldina da Áustria, com quem teve nove filhos. Durante este casamento, no entanto, viveu várias relações extra conjugais, casos de Maria Benedita de Castro e da irmã, Domitila de Castro, com quem teve uma ligação longa e especialmente escandalosa, já que a imperatriz teve de “engolir” a amante do marido portas adentro, inclusive tomando parte nas cerimónias oficiais. Se a primeira irmã Castro lhe deu um bastardo, Rodrigo Delfim, a segunda, teve quatro filhos com D. Pedro.

Com Henriette Josephine Clémence de Saisset teve outro filho e, com a segunda mulher, Amélia de Leuchtenberg, concebeu Maria Amélia, que nasceu em França, quando D. Pedro ali se encontrava a organizar a sua expedição a Portugal, e morreria de forma trágica na Ilha da Madeira.

Já em solo Português, mais propriamente nos Açores, as graves preocupações e imensas responsabilidades que enfrentava, não foram impedimento a novos devaneios amorosos, envolvendo-se com uma freira que dele engravidou.

Apesar de, passado o entusiasmo inicial, não manifestar muita consideração para com as esposas ou as amantes, demonstrou ser um pai dedicado, sendo conhecidas numerosas cartas carinhosas aos filhos ou em que estes são motivo de conversa com terceiras pessoas, tendo salvaguardado o futuro dos bastardos. Pedro provou ser, efetivamente, um homem de muitas facetas e atributos. É-lhe reconhecida a autoria de várias peças musicais, cantava e tocava diversos instrumentos, mas era um “pé-de-chumbo” a dançar.

Tendo vivido em paisagens tão diferentes ao longo da vida, é de destacar o papel da cidade do Porto e dos Açores no seu projeto para reaver o trono de Portugal. D. Pedro ficaria eternamente grato ao povo do Porto, que, com as suas tropas, resistiu a um cerco tão longo. Também não esqueceria o arquipélago, último reduto liberal quando D. Miguel assumiu o poder. Hangra – batizada do Heroísmo precisamente por este relevo nas lutas entre os irmãos – chegou a ser nomeada capital do Reino e foi refugio de liberais, alguns famosos, como os escritores Almeida Garret e Alexandre Herculano, que igualmente multifacetados integraram as hostes de S. Pedro, lutando a seu lado.

Mas isso é outra história...

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Já aqui falei da maldição dos monumentos para homenagear o Liberalismo e D. Pedro IV.

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Fontes

Cristina Portella e Raquel Varela, D. Pedro IV, Grandes Protagonistas da Nossa História, Lisboa, Planeta Agostini, 2005

Eugénio dos Santos, D. Pedro IV, Círculo de Leitores, 2006

 

Agência Lusa, in Jornal Público, 20.02.2013. Aqui:

https://www.publico.pt/2013/02/20/ciencia/noticia/restos-mortais-de-dom-pedro-iv-de-portugal-permitem-perceber-melhor-a-sua-historia-1585185

Texto de Guiliana Miranda, Folha de S. Paulo, Jornal Público, 08.03.2023. Aqui:

https://www.publico.pt/2023/03/08/ciencia/noticia/cientista-faz-reconstituicao-facial-d-pedro-imperatrizes-leopoldina-amelia-2041513

Musica Brasilis

Pedro IV - 11-Junho-1801 - Morte do príncipe D. Francisco António Pio. Sucede-lhe como herdeiro do trono, seu irmão D. Pedro, Príncipe da Beira

https://dpedroiv.parquesdesintra.pt/cronologia/1822/maio/13/d--pedro--regente-constitucional-e-defensor-perpet/68

Angra do Heroísmo – Wikipédia, a enciclopédia livre

Pedro IV: o Rei que viveu 36 anos... mas teve 34 filhos | VortexMag

Francisco António, Príncipe da Beira – Wikipédia, a enciclopédia livre

 

Imagens

Simplício João Rodrigues de Sá (atribuído a), Rio de Janeiro, Brasil, c. 1811-1812, Museu Nacional de Arte Antiga. Disponível aqui:  D. Pedro IV - Infante D. Pedro

 François-René Moreaux. 1844, Proclamação da Independência, Museu Imperial de Petrópolis, Rio de Janeiro.

António José Faustino Botelho,  Perspetiva do Convento da Serra do Pilar no dia 14 de outubro de 1832, Litografia de Lopes & Bastos, Biblioteca Nacional de Portugal, http://id.bnportugal.gov.pt/bib/rnod/324456

Francisco António da Silva Oeirense (desenhou e gravou), a partir de pintura de Simplício Rodrigues de Sá, Lisboa, Portugal, 1826-1828, Palácio Nacional de Queluz, D. Pedro IV - D. Pedro I, Imperador do Brasil, e IVº do nome Rei de Portugal e Algarves

Johann Michael Voltz, Desembarque do Mindelo. Disponível aqui: ding of liberal forces in Oporto - Desembarque do Mindelo – Wikipédia, a enciclopédia livre

Nicolas-Eustache Maurin (desenhou e litografou)
Paris, França, 1836, disponível em Palácio Nacional de Queluz, D. Pedro IV - Morte de D. Pedro