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O sal da história

Crónicas da história. Aventuras, curiosidades, insólitos, ligações improváveis... Heróis, vilões, vítimas e cidadãos comuns, aqui transformados em protagonistas de outros tempos.

O sal da história

Crónicas da história. Aventuras, curiosidades, insólitos, ligações improváveis... Heróis, vilões, vítimas e cidadãos comuns, aqui transformados em protagonistas de outros tempos.

A aldeia que nasceu do fogo

 

780 Costa da Caparica Depois do incendio de 1884 d

Foi preciso um terrível incêndio para que a sociedade lisboeta tomasse consciência da pobreza em que viviam os pescadores da outra banda. Choveram subscrições e todo o tipo de iniciativas – algumas em grande estilo - para angariar bens e dinheiro. Menos de três anos depois, estavam construídas as casas de alvenaria que correspondiam às primeiras ruas do lugar que hoje conhecemos como Costa da Caparica.

 

A 21 de julho de 1884, um pavoroso incêndio destruiu dezenas de cabanas que serviam de abrigo a cerca de 150 pessoas, arrasando quase por completo aquele núcleo de pescadores que se havia fixado na zona costeira da Caparica. Não foi o primeiro sinistro a abater-se sobre a comunidade*, mas foi o único a desencadear um resultado tão positivo, muito por causa daquele homem a que todos chamavam “Costa Pinto”.

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Imediatamente, Lisboa acordou da letargia habitual dos meses de estio e tomou a peito a responsabilidade de apoiar as famílias desalojadas. Alguns jornais e instituições, como a Câmara de Almada, lançaram subscrições.

Num tom pungente, apelavam aos donativos, em especial às senhoras, pedindo que também costurassem roupas para as criancinhas, “seminuas e quase famintas”, uma vez que, com as chamas, tinham ido todos os parcos pertences daquela gente até então totalmente desconhecida da elite lisboeta. Até Rafael Bordalo Pinheiro, abandonando o seu tom mordaz, se associou à filantropia.

Jaime Artur da Costa Pinto, deputado por aquele concelho da Margem Sul, moveu vontades e conseguiu que fossem entregues barracas de campanha e outros materiais, tendo-se deslocado ao local, para ver in loco o que era necessário fazer.

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Os pedidos feitos na imprensa originaram uma onda de solidariedade. O Cardeal-Patriarca distribuiu esmolas, a empresa do Teatro da Rainha (em Belém), ofereceu metade dos lucros da primeira récita.

Alguns participantes na Exposição Agrícola, que decorria na Tapada da Ajuda, entregaram parte dos produtos – azeite e vinho, por exemplo - e, na “esplanada dos recreios”, cinco bandas militares tocaram gratuitamente para angariar fundos. Compareceram três mil pessoas!

Recolheram-se donativos em eventos públicos – o banqueiro Burnay entregou um cheque de 90 mil reis sobre o Banco de Portugal - e os entediados lisboetas das melhores famílias, que passavam a época na frescura de Sintra, decidiram organizar uma corrida de “toirinhas” à antiga portuguesa.

Foi em Seteais, exclusivamente com amadores, crianças e jovens filhos de nomes sonantes, que atuaram para casa cheia e colorida com as toiletes garridas das damas, onde não faltaram sequer o príncipe real D. Carlos e o infante D. Afonso.

À frente de tão piedoso evento estava José Maria Gonçalves Zarco da Câmara, conde da Ribeira Grande e o barão da Regaleira, Carlos Allen de Morais Palmeiro. Entre bilhetes e peditório, retiradas as despesas, obtiveram-se 760$345 reis.

Reverteram para a causa igualmente os valores obtidos com o leilão de uma bolsa de prata doada por El Rei D. Luís - arrematada por Vicente Castro Guimarães - e um livro de fotografias de Carlos Relvas.

E, a solidariedade não se ficou pelos grandes: entre tantos anónimos que contribuíram, Luís José Maria Ferreira, que vendeu pasteis durante o espetáculo, ofereceu o produto deste negócio, como o haviam feito antes o camaroteiro e restante equipa do “Recreios”, que prescindiram do pagamento pelo seu trabalho.

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Tal foi o volume, nomeadamente contributos vindos da comunidade portuguesa no Brasil, que se tornou necessária a constituíção da Associação de Beneficência da Costa da Caparica, encabeçada pelo marquês de Fronteira e Alorna, José Maria Mascarenhas, destinada a gerir todo o dinheiro e bens recolhidos para o apoio aos pescadores da Caparica.

 

Por uma vez, o ânimo do bem-fazer não esmoreceu em poucos dias, porque o já aludido deputado Jaime Artur da Costa Pinto não deixou, apesar de, provando as injustiças da política, não ter sido reeleito na legislatura seguinte. Provavelmente porque os pobres não eram eleitores…

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Em março de 1887, entregavam-se as derradeiras chaves das novas casas dos pescadores, que instituíram uma melhor vivência para aquelas pessoas. As primeiras ruas com construções em alvenaria, em pleno areal, são hoje impercetíveis, engolidas por toda a construção que se seguiu, até porque a gente do mar acabou por ser “empurrada” para outros bairros, a partir do momento em que o turismo tomou conta da sua aldeia.

 

À margem

Não é apenas o início da Costa da Caparica que o concelho de Almada “deve” a Jaime Artur da Costa Pinto, igualmente impulsionador de importantes acessibilidades, intervenções de florestação e de drenagem das áreas pantanosas que tornavam mais inóspita e insalubre a vida daquelas populações. De resto, preocupou-se e bateu-se por questões práticas que melhorassem as vidas das pessoas e as suas atividades, com destaque para a agricultura e a navegação no Tejo.

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A sua intervenção é igualmente significativa em Cascais, onde foi presidente de câmara, estando, por exemplo, ligado à melhoria do abastecimento de água, à instalação da rede de comunicação telefónica e à construção de ruas, praças e mercados.

Pode dizer-se que é o “pai” de outro importante concelho então anexado ao de Cascais, porque foi durante a sua presidência que se pediu a restauração do município de Oeiras.

Foi igualmente num dos seus mandatos em Cascais que ali recebeu o rei Chulalongkorn Rama V do Sião (atual Tailândia), figura que suscitou imensa curiosidade por cá, em parte pelas notícias que davam conta das suas dezenas de mulheres e concubinas.

Mas isso é outra história...

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Já antes aqui falei daquela que é uma das parias preferidas dos lisboetas, quando era um sonho de Cassiano Branco.

E, ainda, quando já era a realidade de milhares de banhistas.

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* Em 1840 tinham já ardido 98 cabanas e, em 1864, tinham sido 55 a desaparecer.

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Fontes

Biblioteca Nacional em linha

https://purl.pt/14328

Diário Illustrado

Edições de 22.07.1884 a 31.08.1884

 

Hemeroteca Digital de Lisboa

https://hemerotecadigital.cm-lisboa.pt/index.htm

O Occidente, nº202, 01.08.1884

O Occidente, nº203, 11.08.1884

 

O António Maria

28.08.1884

04.09.1884

 

Almada virtual: A Costa no século XIX (almada-virtual-museum.blogspot.com)

 

Jaime Artur da Costa Pinto - Wikiwand

https://pt.wikipedia.org/wiki/Oeiras_(Portugal)

Origens - História da Ordem e da Advocacia (oa.pt)

Marquês de Fronteira – Wikipédia, a enciclopédia livre (wikipedia.org)

Chulalongkorn – Wikipédia, a enciclopédia livre (wikipedia.org)

 

 

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