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O sal da história

Crónicas da história. Aventuras, curiosidades, insólitos, ligações improváveis... Heróis, vilões, vítimas e cidadãos comuns, aqui transformados em protagonistas de outros tempos.

O sal da história

Crónicas da história. Aventuras, curiosidades, insólitos, ligações improváveis... Heróis, vilões, vítimas e cidadãos comuns, aqui transformados em protagonistas de outros tempos.

A trágica história de um amor contrariado em Alcácer do Sal

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O que impediria a união de Luís e Laura? E quem eram estes jovens que, no final do verão de 1912, decidiram por termo à vida numa casa da rua da praia, deixando a então vila de Alcácer do Sal desolada por tão inesperado e triste fim.

Há pouco mais de cem anos, Alcácer do Sal foi surpreendida por uma tragédia que passou de boca em boca, de geração em geração, ainda hoje sendo recordada pelos mais velhos. Um jovem casal decidiu morrer por ver o seu amor contrariado. Tal como Romeu e Julieta da narrativa criada por William Shakespeare, pertenciam a famílias ilustres da terra, que terão impedido a sua união. Os infelizes chamavam-se Luís e Laura.

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Eram oito da manhã do dia 17 de setembro de 1912. O dia amanhecia ameno quando alguém - cuja identidade não é revelada - encontrou os dois apaixonados já sem vida. Ela, reclinada num sofá. Ele, no chão a seus pés. As cartas que deixaram à família explicaram tão drástica decisão: não podiam suportar os entraves que se colocavam ao seu enlace. Se não podiam permanecer juntos, então, não queriam viver.


Pode pensar-se que os jovens apaixonados apenas pretendiam chamar a atenção  e faleceram por acaso, mas Luís e Laura, certamente vendo esgotadas as esperanças de poder casar, quiseram, efetivamente, morrer.

 

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Isto é provado pelos vestígios encontrados naquela casa da rua da praia*.

Primeiro tentaram envenenar-se com sublimado corrosivo, uma substância altamente tóxica. Cada um terá tomado quatro pastilhas, cujos dolorosos efeitos os terão lançado em grande sofrimento.

Depois, consumaram o ato a tiro de revolver. Os ferimentos à queima roupa, na zona do coração, foram fatais.
Tantos anos passados, continua a ser triste pensar que estas vidas se tenham perdido tão precocemente – Laura tinha apenas 21 anos de idade e Luís era três anos mais velho.


Mas, porque era impossível o seu casamento? E quem eram afinal estes jovens?


Os jornais da época dizem que eram “muito estimados” e tinham “relações de parentesco com as principais famílias da terra”, tanto que o funeral de Laura Branca de Paiva Portugal foi acompanhado por muita gente, contando com a presença de indivíduos de importância, como o juiz de direito, o delegado, o tesoureiro das finanças e o presidente da Câmara. Luis Inácio de Paiva seguiu para o cemitério de Alcáçovas, de onde era natural.
Contrariamente ao que os nomes possam induzir, não eram parentes próximos, o que exclui esse como motivo para a impossibilidade da união – até porque, entre famílias abastadas, a consaguinidade nunca foi um entrave quando se tratava de aumentar património através de matrimónios convenientes.
Laura era filha de Victor Eduardo da Mota Portugal da Silveira, empregado público em Alcácer do Sal, promovido para África, onde chegaria a ser presidente de câmara (Moçambique) e gestor de roças em São Tomé. A mãe era Clotilde Eugénia de Paiva, filha do escrivão de direito Joaquim Maria Machado de Paiva.
Uma família influente, sem dúvida, com uma vida desafogada, certamente, mas nada que se pudesse comparar à de Luís Inácio de Paiva – sucessor de avô e pai com o mesmo nome – grandes proprietários do concelho de Viana do Alentejo. Em 1886, um ano antes do nascimento de Luís, eram atribuídas ao seu pai as herdades de Valongo, Outeiro e Minas.
A mãe era Maria Augusta Branco de Paiva, filha e herdeira de outro grande proprietário, mas de Alcácer do Sal: João Alves de Sá Branco, (já falei do seu assassinato aqui), que somava ao poderio económico, a influencia política. Foi uma das mais importantes e ricas figuras alcacerenses do seu tempo, membro de um clã do qual fazem parte, por exemplo, nomes tão conhecidos como João Branco Núncio (neto) e os médicos Francisco e José Gentil (sobrinhos-netos).
Terá esta desigualdade de origens ditado a oposição ao amor dos dois? Estaria qualquer um deles prometido a outrem, como era hábito na época entre famílias de posses? É possível que nunca se saiba, ou talvez, um dia, de uma gaveta poeirenta se resgatem as cartas deixadas pelos tristes Luís e Laura e se conheçam as razões desta desgraça que marcou as suas famílias para sempre.

À margem

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Em todas as épocas há relatos de amores contrariados que terminaram mal. A literatura espelha essa realidade em múltiplas histórias inventadas, sendo a narrativa Romeu e Julieta, de William Shakespeare, provavelmente a mais recriada e reinterpretada à escala global.

Em língua portuguesa, destaca-se o Amor de Perdição, de Camilo Castelo Branco, ele próprio um amante desditoso durante muito tempo.
As classes mais desfavorecidas tinham, neste campo, talvez a sua única vantagem face aos ricos e poderosos, libertos que estavam de compromissos tendentes a manter e angariar terras, fortunas e influências.
Entre as camadas mais afortunadas da população, os laços matrimoniais decidiam-se pesando todas essas condicionantes e eram para manter pelas mesmas razões. O problema era quando os corações falavam mais alto e os espartilhos familiares, políticos e sociais não o aceitavam. O drama mais conhecido entre nós é o de D. Pedro I e de Dona Inês de Castro (na imagem), com as consequências nefastas que se conhecem: ela assassinada a mando do pai dele e ele para sempre infeliz, chorando a sua amada. Embora aqui, como se sabe, existisse ainda outra limitação praticamente intransponível naqueles tempos (séc. XIV): D. Pedro já era casado quando se apaixonou por Inês.
Mas isso é outra história…

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*A casa, sabe-se agora, era a que existia mesmo ao lado do edifício da Sociedade Filarmónica Amizade Visconde de Alcácer (Calceteira), hoje substituída por outra. No pavimento da sala onde a tragédia se deu, permaneceu uma mancha de sangue que, apesar das muitas tentativas, nunca ninguém conseguiu fazer desaparecer.

Nota: a imagem do casal aqui presente é meramente indicativa da idade e da época, não representa os envolvidos nos factos relatados.

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Fontes
Hemeroteca Digital de Lisboa
http://hemerotecadigital.cm-lisboa.pt/
Jornal A Capital
17 set. 1912
19 set. 1912

Registos Paroquiais – Paróquia de Santiago, Alcácer do Sal, 1912

Portugal Antigo e Moderno – Diccionário geográfico, estatístico, chorográphico, heráldico, archeológico, histórico, biográfico, e etymológico, de todas as cidades, vilas e freguesias de Portugal e de grande número de Aldeias, de Augusto Soares de Azevedo Barbosa de Pinho Leal; Livraria Editora de Tavares Cardoso & Irmão, Lisboa, 1886. Disponível em:
https://archive.org/details/gri_33125005925355/page/n161


https://geneall.net/pt/

Imagens

www.pinterest.com

https://pt.wikipedia.org/wiki/Cloreto_de_mercúrio(II)

http://laninhadelexorcista.blogspot.com/2011/07/de-abortos-y-hallazgo-de-fetos.html

www.ensina.rtp.pt

 

 

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