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O sal da história

Crónicas da história. Aventuras, curiosidades, insólitos, ligações improváveis... Heróis, vilões, vítimas e cidadãos comuns, aqui transformados em protagonistas de outros tempos.

O sal da história

Crónicas da história. Aventuras, curiosidades, insólitos, ligações improváveis... Heróis, vilões, vítimas e cidadãos comuns, aqui transformados em protagonistas de outros tempos.

A visita de D. João VI a Alcácer do Sal

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O rei e as filhas chegaram a Alcácer na galeota real e o monarca fez questão de conhecer o Santuário do Senhor dos Mártires e o Convento de Aracoeli, tendo permanecido no real palácio do Pinheiro.

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Edifícios com cara lavada e pintada, tambores e muitas formalidades. Terá sido assim que El Rei D. João VI foi recebido em Alcácer do Sal, em finais de abril de 1825. Sabemos que a visita se deu durante uma pequena estadia no palácio do Pinheiro, provavelmente em busca de alguma paz numa época muito conturbada da história de Portugal: o monarca andava de candeias às avessas com a mulher, Carlota Joaquina, e os filhos Pedro e Miguel. Três meses depois, foi obrigado a reconhecer a independência do Brasil e, no ano seguinte, morreu - muito provavelmente envenenado. 

A Gazeta de Lisboa informa que D. João VI passou por Setúbal, onde pernoitou. No domingo, 24 de abril, acompanhado pelas filhas, Isabel Maria e Maria da Assumpção, embarcou “na real galeota” – já falei das reais galeotas aqui -, em direção ao sítio do Pinheiro. A infanta Ana de Jesus Maria faria o mesmo percurso no dia 26, apesar do “mar empolado”, que é como é descrito o rio Sado nessa manhã de primavera. Todos “gozam de uma perfeita saúde”, pode ler-se no órgão oficial do governo.

José Joaquim de Almeida e Araújo Correia de Lacerda, ministro e secretário de Estado dos Negócios do Reino, também ali esteve e é curioso saber que foi do Real Sítio do Pinheiro que D. João VI, não estando apenas de férias, aproveitou para despachar, por exemplo, a redução da tarifa de circulação de jornais e outros periódicos, por ser “muito conveniente ao público” a sua fácil e expedita circulação.

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A 5 de maio o rei já está de regresso ao arsenal do Alfeite, tendo sido “duráveis” as “ternas impressões que a presença do adorado monarca e das augustas infantas deixaram entre os leais habitantes das margens do Sadão”, conclui a Gazeta de Lisboa.

 

 

De facto, sabe-se que o soberano esteve na então vila de Alcácer, porque, no Santuário do Senhor dos Mártires, existe uma obscura placa*de madeira pintada (na imagem) que assinala esse facto. Por outro lado, nos livros de contas do Convento de Aracoeli*, as freiras registaram a compra de cal e brochas, bem como o pagamento a mulheres para caiarem o edifício na vinda d’El Rei, tendo, em setembro do mesmo ano, pago a milicianos e tambores, possivelmente para marcar presença no evento.

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Podemos apenas imaginar como decorreu a visita e quem a acompanhou, tendo em conta as pessoas mais importantes de Alcácer do Sal nesta época.

D. João VI terá, muito provavelmente, sido recebido por Manuel Coelho, capitão-mor das ordenanças (uma espécie de força de segurança militarizada) e pelos vereadores da Câmara, que sabemos serem, nesse ano, Amaro Nunes Rolão e Joaquim Alberto Fragozo.

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Sabe-se, igualmente, que a passagem da real comitiva oferecia “um espetáculo único, pitoresco e inacreditável”. Quando as deslocações se faziam por terra e como as carruagens da corte eram insuficientes para transportar tudo, requisitavam-se todas as carruagens de aluguer de Lisboa e era um tal desfilar de seges velhas e novas, “elegantes umas, avariadas outras, limpas umas, com outras cobertas de poeira ou de lama, de sotas velhos com sotas novos, altos e baixos, esfarrapados, extravagantes, zarolhos, com casaco ou em colete e muitas vezes embriagados”, num “rebuliço geral, tumultuoso, desordenado, impossível de contar” e a que teria sido muito interessante assistir.

De resto, era frequente o rei e o seu séquito deslocarem-se pelo território nacional. O palácio da Real Quinta do Pinheiro, como também era conhecido, era apenas um dos espaços escolhidos. Este ficou a pertencer à coroa após os anteriores proprietários terem caído em desgraça por fazerem parte da família Távora e foi popular nos reinados de D. José, D. João VI e D. Miguel, que ali se dedicavam a caçadas. As visitas de tão extensas e abastadas comitivas eram significativas para o desenvolvimento local, pois, ainda que por um curto espaço de tempo, transformavam qualquer pequena vila em corte.

 

À margem

 

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Foi Carlos Mardel, Arquiteto dos Paços e Obras Reais, quem desenhou a adaptação do palácio do Pinheiro para acolher a corte, isto ao mesmo tempo que, em conjunto com outros, projetava a reconstrução de Lisboa. Pode até ser que o arquiteto tenha aproveitado para mudar de ares para junto ao Sado enquanto estudava este projeto, pois em 1760 a Capital ainda não seria o lugar mais agradável onde permanecer.

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Em 1771 são já diversos despachos de D. José a partir desta herdade, o que não admira, sabendo-se o terror que provocava ao rei estar em Lisboa depois do grande abalo de terra que ali se viveu.  O hábito continuou pelo menos até ao reinado de D. Miguel**.

 A exemplo do que ocorreu no Pinheiro, estas estadias na “província” eram, por vezes, pretexto para melhorias significativas nas estradas e nos edifícios.

Em Salvaterra de Magos, por exemplo, construiu-se um teatro com capacidade para 500 pessoas (pode ter-se ideia do que terá sido, na última imagem), que chegou a ser a melhor sala de espetáculos do país, até D. Maria I ter um ataque de loucura durante uma atuação e mandar fechar ao público todos os teatros régios.

Mas isso é outra história...

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* Agradeço à Drª Maria Teresa Lopes Pereira estas duas preciosas informações.

**Há registos de D. Miguel se deslocar ao Pinheiro por terra, ocupando-se, pelo caminho, concedendo autorizações para que os dignitários das terras onde passava pudessem ter o sublime privilegio de usar a sua real efigie  - da qual já falei aqui -, como atesta a imprensa da época, na sua passagem por Alcochete.

 Nota: a primeira imagem é meramente indicativa da deslocação da corte de D. João VI.

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Fontes

Casas das elites de Lisboa: objetos, interiores e vivências (1750-1830), tese para obtenção do grau de doutor em Estudos do Património por Carlos José de Almeida Franco, Universidade Católica Portuguesa, Escola das Artes - dezembro 2014, disponível em:https://repositorio.ucp.pt/handle/10400.14/18122

http://acasasenhorial.casaruibarbosa.gov.br/index.php/fontes-documentais/plantas-antigas/44-plantas-antigas/524-palacio-do-pinheiro-carlos-mardel

http://cmsm-paco-real-salvaterrademagos.blogspot.com/p/opera-de-salvaterra-de-magos.html

Elites políticas e sociais e o governo de Alcácer do Sal 1774-1834, de Sucinda Rocha,Câmara Municipal de Alcácer do Sal - 2008

Imagens

Serviço de Divulgação da Marinha do Brasil - http://www.naval.com.br/NGB/G/G004/G004-f02.jpg, CC BY-SA 3.0, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=4328661

Domínio público, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=6339913

https://1.bp.blogspot.com/-8NpsKADs2bI/UO28FzcXRRI/AAAAAAAAHx8/Z2YE1gCyYFU/s1600/++09+-+D+Jo%C3%A3o+VI+-+desfilando.jpg

Arquivo Histórico Municipal de Alcácer do Sal

PT/AHMALCS/CMALCS/FOTOGRAFIAS/02/01/0062

Fotografia atual: Cristiana Vargas

 

 

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