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O sal da história

Crónicas da história. Aventuras, curiosidades, insólitos, ligações improváveis... Heróis, vilões, vítimas e cidadãos comuns, aqui transformados em protagonistas de outros tempos.

O sal da história

Crónicas da história. Aventuras, curiosidades, insólitos, ligações improváveis... Heróis, vilões, vítimas e cidadãos comuns, aqui transformados em protagonistas de outros tempos.

Água de Alcácer tinha fama de provocar e de curar maleitas

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Quem vinha de fora chegava a trazer água, para não beber da que havia na terra. Pensava-se que causava febres, mas o médico de D. João V apontava-a como preventiva de doenças.

 

Hoje em dia pode afirmar-se que os aquíferos no subsolo do concelho de Alcácer do Sal são de grande qualidade e é de total confiança o precioso líquido que corre nas torneiras, mas antes da existência da rede pública, só consolidada na segunda metade do século XX, não era possível ter essas certezas. Na realidade, embora tenha sido citada pelo médico do rei D. João V como curativa de um grande número de maleitas, a água consumida em Alcácer tinha, no século seguinte, má reputação até em Lisboa. Havia quem a visse como origem das febres que afetavam a população local.

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Em 1726, Francisco da Fonseca Henriques, que tratava da saúde do monarca “magnânimo”, publicou um compêndio das fontes existentes em território nacional. Em Alcácer, destaca as nascentes dos Negros, Morgada, Rainha, Camaroeiros, Rio de Clérigos e Pote Viceyro. A dos Camaroeiros é apontada como de grande qualidade, “fria como de neve”, no verão; tépida, no inverno, para além de “desopilativa, diurética, boa para queixas nefríticas [rins] e para preservar de obstruções de pedra e hidropisia”. *

O médico de D. João V, atribuía algumas destas qualidades às outras fontes desta terra, onde, de resto, garantia, era raríssimo ver-se “achaques de pedra”, prevenidos pelas fantásticas águas.

Já final do século XIX, embora a sabedoria popular dissesse serem “milagrosas” as águas de Corte Pereiro (Santa Susana) - que ajudavam a curar doenças “estomacais e herpéticas”, especificava o jornal O Século, em 1897 – também se queixava da má imagem que a água consumida em Alcácer tinha fora de portas. Os forasteiros até evitavam bebê-la, preferindo vir carregados com bilhas onde traziam o seu próprio líquido.

Na época, a esmagadora maioria da população local matava a sede na Fonte do Passeio, porque a água da Fonte Nova era tida como salobra e, por isso, usada para fins menos nobres.

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Aparentemente, a má fama seria injustificada, pois as águas que provinham das nascentes dos Negros e Camaroeiros (ambas na margem sul do Sado), ainda eram definidas como calcárias e “bastante potáveis”, por isso pagas a um preço superior aos aguadeiros que detinham o exclusivo do negócio e cuja atividade é referida ainda em 1927, no Guia de Portugal, de Santana Dionísio.

De saveiro, deslocavam-se às fontes e depois vendiam ao preço que queriam, pois nos meses quentes  havia poucas alternativas.

O problema é que os aguadeiros por vezes não eram sérios e nem toda a agente podia pagar. Acresce que, no verão, até a água que corria na fonte do Passeio tinha má qualidade.

Confirma-se, pois, o ditado que diz que “onde há fumo, há fogo…

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Não admira que a questão da água, mais propriamente da falta dela ou da qualidade da existente fosse tema recorrente nas páginas da imprensa local. Entre 1888 e 1889, aliás, “O Alcacerense” criticava amiúde o pouco investimento nesta área e o que isso representava para quem morava em Alcácer do Sal.

“Não há concorrência, estimulo, e como resultante, o serviço é péssimo, mais caro e talvez prejudicial para a saúde pública se o vendedor não possuir boa consciência. O que equivale a dizer que poderá fornecer água da vala por água da fonte”, alertava o jornal.

Noutra edição questionava: “Será de esperar boa saúde e longa vida a quem habita numa localidade como esta?...Convirá à saúde pública o pão fabricado com água de poços situados junto às lodosas margens do rio e seguramente recebendo as infiltrações da água d’ele?”… já para não falar da água do chafariz do largo do Poço, tão má que, afirma o jornalista, quando usada para rega chegava a infertilizar zonas antes produtivas.

 

 

À margem

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Já nos anos 40 do século XX, Joaquim dos Santos Crespo terá descoberto água de grande qualidade na sua Quinta do Pinhal. Aquele empresário, fundador do que terá sido o primeiro café de Alcácer do Sal, mandou-a analisar pelo reputadíssimo “professor engenheiro Charles Lepierre”, que atestou a pureza, classificando-a como própria para o consumo e “bastante leve”. Na quinta, abandonada há muito, permanece o poço de onde foi recolhida a dita água que, nos anos 60 do século XX, ainda era vendida a 5 tostões a bilha.

Mas isso é outra história…

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*Edema causado pela acumulação de líquido nas cavidades do organismo.

 

 

 

Fontes

Biblioteca Nacional de Portugal

www.purl.pt

 

Francisco da Fonseca Henriques, Aquilégio Medicinal, Oficina da Música, Lisboa Ocidental, 1726

Pedro Muralha, Monografias alentejanas, Imprensa Beleza, Lisboa, 1945

 

Santana Dionísio – Guia de Portugal II Estremadura, Alentejo, Algarve – texto integral que reproduz a 1ª edição publicada pela Biblioteca Nacional de Lisboa em 1927 – Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa

Arquivo Histórico Municipal de Alcácer do Sal

PT/AHMALCS/CMALCS/BFS/01/01/01/020

PT/AHMALCS/CMALCS/FOTOGRAFIAS/01/0099

PT/AHMALCS/CMALCS/FOTOGRAFIAS/02/01/0063

Jornal O Alcacerense

PT/AHMALCS/CMALCS/JJR/01/01/01/010

Nº 14 - 29 abr. 1888

PT/AHMALCS/CMALCS/JJR/01/01/01/018

Nº 23 - 1 jul. 1888

 PT/AHMALCS/CMALCS/JJR/01/01/01/020

Nº 25 - 15 jul. 1888

PT/AHMALCS/CMALCS/JJR/01/01/01/023

Nº 29 - 19 ago. 1888

PT/AHMALCS/CMALCS/JJR/01/01/01/034

Nº 43 - 09 dez. 1888

 

Jornal O Século

PT/AHMALCS/CMALCS/JJR/01/01/02/001

17º ano, nº 5:592 – 8 ago. 1897

PT/AHMALCS/CMALCS/JJR/01/01/02/002

17º ano, nº 5:606 – 22 ago. 1897

PT/AHMALCS/CMALCS/JJR/01/01/02/003

17º ano, nº 5:648 – 3 out. 1897

 

https://pt.wikipedia.org/wiki/Hidropisia

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