Ainda…Clementina Relvas
E não foram felizes para sempre
Maria Clementina de Mascarenhas Relvas protagonizou o que era, no seu tempo, um enorme escândalo, especialmente em mulheres de classes altas, como era o seu caso: pediu a separação e depois o divórcio. E, agravando a sua imagem pública já frágil, fê-lo não uma, mas duas vezes. A vida insólita desta filha mais velha do célebre Carlos Relvas já aqui foi sucintamente contada, quando falei de venturas e desventuras do resto do clã, mas no ar tinha ficado a dúvida, sobre qual tinha sido o seu destino após o segundo casamento.
As coisas são sempre mais difíceis do que parecem e a vida de Clementina foi bastante complexa.
O primeiro casamento, aos 19 anos, foi imposto pela família e terminou passados apenas três meses.
O processo de separação, no entanto, arrastou-se na justiça por 36 anos, culminando no Supremo Tribunal de Justiça.
Durante esse tempo, Clementina passou por várias fases, maioritariamente sozinha. Esteve isolada 12 anos; viu-se impossibilitada de administrar os seus bens; assistiu ao marido usufruindo dos seus rendimentos; sofreu a humilhação de tentar uma reconciliação, tendo que lidar dentro de casa com outra mulher que ali mandava mais do que ela; viu o seu caso ser avaliado por juízes que eram amigos do marido, também ele juiz…Enfim, o processo de separação da filha mais velha do célebre fidalgo, fotógrafo e toureiro amador Carlos Relvas foi único no contexto de uma época em que o casamento era um contrato perpétuo.
O divórcio só seria obtido em 1912.
Seis anos depois, Clementina casa com Manuel Hipólito Ferreira, mas as coisas voltaram a não correr bem.
Apesar do enlace ter sido no dia de Santa Rita, advogada das causas impossíveis, cinco meses depois, a esposa volta a sair de casa e interpõe um processo de divórcio litigioso.
Tal como da primeira vez, o marido tudo fez para denegrir a sua imagem, nomeadamente anunciando publicamente não se responsabilizar por transações feitas por ela e alegando a insanidade da “cara metade”.
Inusitadamente, com acusações de parte a parte, o processo volta a prolongar-se, desta vez por cinco anos.
Numa triste coincidência, tudo começou no mesmo ano em que Maria Adelaide Coelho, filha do fundador do Diário de Notícias, foi presa e dada como louca por querer deixar o marido.
Sem família – os irmãos José e Margarida morreram, respetivamente, em 1929 e 1930 – com uma enorme fortuna delapidada ao longo dos anos pelos morosos e avultados processos judiciais, alguns atos de generosidade acima das posses, uma gestão pouco cuidada e uma vida com luxo e ostentação, no fim, Maria Clementina Relvas viu-se a depender do favor alheio.
Terá passado muitas necessidades e provações, mas não há registo que tenha, de facto, enlouquecido ou pedido esmola à porta do Teatro D. Luís, como José Hermano Saraiva divulgou num dos seus programas.
Uma das “figuras mais interessantes e brilhantes da aristocracia portuguesa”, “senhora de alta linhagem, nobre pelo coração e pelo sangue que, tendo nascido em berço de ouro, quase morreu no desamparo”, “reduzida à mais extrema miséria”. Foi assim que o jornal Diário de Lisboa – que pouco tempo antes tinha lançado uma campanha para a ajudar - descreveu Maria Clementina Relvas na notícia que dava conta da sua morte, no serviço de banco do Hospital de S. José – onde “teve de acolher-se” devido à falta de meios.
“Como uma luzinha que se apaga crispada pela mão do vento, extinguiu-se docemente” às 11 horas do dia 17 de abril de 1934, aparentemente sem nunca ter encontrado a felicidade.
Fontes
Clementina Relvas e a condição feminina no seu tempo (1857-1934), de Manuela Poitout, publicado no nº 25 da revista Nova Augusta, Torres Novas, 2013.
Agradeço à autora a generosidade de ter partilhado comigo o seu interessantíssimo trabalho de investigação, que vem desmistificar tantos equívocos existentes em torno desta filha de Carlos Relvas.
Fundação Mário Soares
Jornal diário de Lisboa
Ano 14; nº4102 – 18 abr 1934
Os estranhos destinos das filhas de Carlos Relvas - O sal da história (sapo.pt)