Alcácer recebia água envenenada por três minas
Há mais de 150 anos, a poluição do rio Sado já preocupava os alcacerenses, que protestavam contra a contaminação proveniente de outros concelhos, com graves consequências na mortandade no peixe e na produção local de arroz.
A poluição do Sado é algo que há muito preocupa as gentes de Alcácer do Sal, bem cientes do despejo de esgotos que até há bem pouco tempo conspurcava este importante curso de água, um dos principais elementos que definem, desde sempre, o território do concelho. Poucos saberão, no entanto, que esta é uma questão bem mais antiga e que, a juntar às águas residuais, o rio recebia contaminação de várias minas, situadas nos concelhos de Grândola e Aljustrel. Há mais de 150 anos, já a população de Alcácer protestava contra o veneno lançado nas águas em vários pontos e que tinha graves consequências para a vida e a economia da então vila.
Os problemas começaram na segunda metade do século XIX, com a prospeção mineira em Canal Caveira, Lousal e Aljustrel. Ali exploravam-se as pirites, para extração de vários minérios e, em especial, produção de ácido sulfúrico, da qual resultavam águas sulfatadas lançadas nas ribeiras e que depois afluíam ao Sado, em Alcácer, prejudicando o já existente cultivo de arroz e provocando a mortandade do peixe.
Datam desta primeira época as reclamações dos alcacerenses e, fazendo eco destas, queixas da própria Câmara Municipal de Alcácer do Sal contra as descargas de Aljustrel, especialmente graves no verão – quando o caudal do rio era menor – e no período de maior incremento desta mina (1871-81). Apesar das reivindicações, sabe-se que a questão persistiu, embora em 1912 o município tenha conseguido pelo menos ser avisado antes dos despejos, o que não deve ter servido de grande consolo, diga-se.
Em 1916, a Associação do Comércio e Indústria da vila de Alcácer do Sal une-se à câmara e às juntas de freguesia para exigir do governo a proibição “do desaguamento das águas das minas para o rio Sado”, mas, mais uma vez, tal pedido caiu em saco roto. Sabemos que assim foi, porque, dez anos depois (1926), é a Junta de Freguesia de Santiago que se dirige ao Ministro do Comércio, alertando para os “muitos prejuízos resultantes do despejo das águas minerais da mina do Lousal para o rio Sado”. É António de Jesus Cigarra que assina a carta, na qual diz que a poluição envenena o peixe, ficando a povoação “privada de um tão importante, apetecível e económico alimento” e muitos pescadores que neste têm “o seu único ganha-pão, ficam na miséria”.
Ora, sabe-se bem que, embora possam ter sido introduzidas melhorias nos impactos ambientais da extração do minério, a poluição só terminou efetivamente quando encerraram as minas. Lousal até teve um grande incremento de produção já nos anos 50 do século XX, só vindo a encerrar em 1988, enquanto que Canal Caveira esteve em funcionamento, embora em ritmos variados, praticamente cem anos, fechando nos anos 60 do século passado. Em Aljustrel, depois de um período de inatividade, as minas reabriram em 2009.
Com tantos anos de falta de cuidado e contaminação, é caso para nos admirarmos com a vida que este rio ainda possui e gradualmente vai recuperando, agora que as ameaças são menores, nomeadamente com o tratamento de esgotos domésticos. Se, ainda assim, há peixe, camarão, ameijoa, milhares de aves e outros animais, é caso também para nos questionarmos quão rico em ternos de fauna e flora seria o Sado se, ao longo dos séculos, o Homem o tivesse respeitado mais.
À margem
As minas provocavam assinalável poluição, mas também davam trabalho e pão a muitas famílias. No início dos anos 30 houve despedimentos alargados em Aljustrel e São Domingos, que coincidiram com outra crise, na lavoura, e com o regresso de muitos que haviam emigrado para Espanha. Enquanto alguns sobreviviam com dificuldades, trabalhando apenas alguns dias por semana, outros encontraram numa mina de carvão de Santa Susana, também no concelho de Alcácer do Sal, a resposta para as suas necessidades. A mina de Jungeis também denominada do Moinho da Ordem - camadas de hulha intercaladas em conglomerados, arenitos e xistos argilosos - havia sido dada à exploração inicialmente em 1839, mas só o seria mais efetivamente já no início do século XX. Encerrou em 1940, deixando uma forte memória que ainda persiste nas gentes que vivenciaram a experiência mineira da pequena aldeia. O carvão de Santa Susana, semelhante ao extraído em Newcastle, no Reino Unido, era o melhor que já se tinha descoberto em solo nacional.
Mas isso é outra história...
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Fontes
Indústria e conflito no meio rural – os mineiros alentejanos (1858-1938), de Paulo Eduardo Guimarães; Publicações do Cidehus; Edições Colibri – 2001. Parcialmente disponível em:
https://books.google.pt/books?id=9Tf0DQAAQBAJ&pg=PA206&lpg=PA206&dq=mina+susana+alc%C3%A1cer&source=bl&ots=gFoCQm41GN&sig=ACfU3U24vaXcHh2hx9iNtzuCaY1cXrQR8A&hl=pt-PT&sa=X&ved=2ahUKEwi4nOq3v7TqAhUPohQKHamRBZYQ6AEwCHoECAsQAQ#v=onepage&q=mina%20susana%20alc%C3%A1cer&f=false
https://www.mindat.org/loc-218095.html
Arquivo Histórico Municipal de Alcácer do Sal
Fundo Junta de Freguesia de Santiago
Collecção de leis e outros documentos oficiais publicados desde o 10 de setembro até ao 31 de dezembro de 1839 5ª série – Lisboa 1839 – disponibilizado pela Universidade de Lisboa – Faculdade de Direito – Instituto da História do Direito e do Pensamento Público
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pt/ahmalcs/cmalcs/fotografias/02/01/0063
Hemeroteca Digital de Lisboa
A Capital
Nº3572; 11º ano – 11 jul 1920
https://sicnoticias.pt/programas/perdidoseachados/2011-11-16-as-minas-do-lousal
https://www.infopedia.pt/$pirite
https://pt.wikipedia.org/wiki/Mina_de_Lousal
https://www.correioalentejo.com/?diaria=18091&tipo=1