Carcereiro fazia entrar bebida e mulheres na cadeia
A prisão estava sempre cheia, mas as condições de segurança eram muito baixas. As evasões eram frequentes e os representantes da Coroa queixavam-se amargamente ao Procurador Régio.
Permanentemente superlotada, com más condições de acolhimento e parcas medidas de segurança. É assim que é descrita a Cadeia Comarcã de Alcácer do Sal pelos magistrados do Ministério Público que a dirigiram. Uma realidade que parece ter-se mantido desde o final do século XIX até pelo menos a meados do século XX, a julgar pelas queixas presentes nas cartas enviadas ao Procurador Régio e depois ao Procurador da República,
“Para além de ter bastantes presos, cuja acumulação se torna perigosa, não só do ponto de vista da higiene, como de manutenção da ordem, não me parece que tenha indispensáveis condições de segurança”, queixa-se Victor Portugal a 31 de agosto de 1904. Aquele antigo administrador do concelho, que nesta época desempenhava funções de delegado substituto, lamentava a “falta de forças militares ou policiais” que pudessem “guardar a cadeia da comarca”.
A 4 de junho de 1907, dava conta da evasão de três reclusos perigosos, um acusado de furto de cavalos e dois homicidas. Terão fugido pela “porta da rua”, já que, como explica Victor Portugal, um dos problemas era a falta de grades nas portas interiores, o que facilitava aos presos forçarem a saída, nomeadamente quando era servido o rancho ou quando o carcereiro está ausente, ficando a substituí-lo… a sua mulher.
Outras vezes era o próprio carcereiro que não era de confiança. Como em 1914, quando Pedro de Mello Coutinho de Albuquerque e Castro, então delegado do Ministério Público, se viu forçado a suspender aquele funcionário por “irregularidades, desobediência a ordens em matéria de serviço, falta de respeito e consideração”, para além de se apresentar ao trabalho “com evidentes sinais de embriaguez”, refere. Numa outra situação relatada, o carcereiro de serviço é suspeito de vender bebidas alcoólicas aos presos e de, sorrateiramente, fazer entrar mulheres nas celas dos homens.
Em buscas a um dos presos foi encontrada “uma garrafa de anis quase cheia”, bem como “um baralho de cartas” usado para jogos a dinheiro. Nesse dia, o ocupante dessa cela tinha sido encontrado “em lamentável estado de embriaguez”, queixa-se o delegado Augusto Aranda, já em meados dos anos 30.
Tantas lacunas de segurança não invalidavam, no entanto, que até aos anos 50 a cadeia estivesse constantemente cheia de presos às ordens de tribunais de todo o país.
A funcionar na praça Pedro Nunes, no edifício onde hoje está instalada a repartição de finanças local, pelo menos desde a segunda metade do século XIX, a cadeia de Alcácer do Sal teve várias designações ao longo dos tempos e foi oficialmente extinta por portaria de 15 de outubro de 1971. Em dezembro do mesmo ano daqui seguiram os últimos três reclusos, com ordem de marcha para o Estabelecimento Prisional de Setúbal.
À margem
Pedro de Mello Coutinho de Albuquerque e Castro foi colocado em Alcácer do Sal no início da sua carreira e os seus relatos e preocupações são especialmente elucidativos sobre a realidade encontrada. Era natural de Castelo Branco e chegou a Juiz Conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça (Lisboa),
Mas isso é outra história...
Fontes
Arquivo Histórico Municipal de Alcácer do Sal
PT/AHMALCS/CMALCS/COMARCA/DELPROCURADORIA/01/01-06
PT/AHMALCS/CMALCS/FOTOGRAFIAS/01/0081
Fundo Baltasar Flávio da Silva
PT/AHMALCS/CMALCS/BFS/01/01/01/143
http://www.stj.pt/index.php/stj/historia/juizes1833/482-juizes-conselheiros-1833-1983
https://geneall.net/pt/nome/116159/pedro-de-melo-coutinho-de-albuquerque-e-castro/