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O sal da história

Crónicas da história. Aventuras, curiosidades, insólitos, ligações improváveis... Heróis, vilões, vítimas e cidadãos comuns, aqui transformados em protagonistas de outros tempos.

O sal da história

Crónicas da história. Aventuras, curiosidades, insólitos, ligações improváveis... Heróis, vilões, vítimas e cidadãos comuns, aqui transformados em protagonistas de outros tempos.

Cardápio de estranhos impostos de A a Z (2)

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O longo braço do fisco é muito criativo quanto à forma de angariar dinheiro. Isso mesmo tem demonstrado ao longo de milhares de anos e é patente nas listagens de bens alvo de taxas, diferentes e específicos de concelho para concelho ou região, particulares igualmente de uma determinada época e, em alguns casos, desconhecidos nos dias de hoje.

 

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O povo, todos os diferentes povos, teme a mão do fisco desde que este foi inventado, há pelo menos cinco mil anos, para assegurar privilégios junto de algum senhor ou financiar diversas despesas do Estado e dos municípios, das obras públicas à conquista de terras; da guerra à reconstrução, já em tempo de paz. Analisar os bens taxados em outras eras é o mesmo que desfiar um complexo cardápio de produtos cujo préstimo hoje é difícil de descortinar, porque muitos caíram em desuso ou adquiriram outras denominações.

Nessa análise são também claras as especificidades regionais, as diferenças mesmo no que toca aos tipos de medidas a adotar.

Depois, ficamos a pensar como é que certos produtos chegavam aos lugares mais recônditos do País, numa época em que as estradas eram escassas e más e todos os veículos disponíveis eram movidos a força animal.

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Voltemos então a mergulhar nos impostos municipais indiretos fixados para os distantes anos de 1865-1866

Na capital do Norte, não é de estranhar que o vinho assuma especial importância entre os bens taxados, sendo mais onerado no vinho maduro, do que no vinho verde, que pagava metade do anterior. O município do Porto é também muito específico, diferenciando o touro da toura, o porco da porca e o boi da vaca, quando lança o tributo sobre a venda destes animais.

Já em Paços de Ferreira, a opção foi simplificar, cobrando 20 reis por cada besta carregada para as feiras, independentemente de qual fosse a mercadoria que levava.

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Em Almeirim, nota-se uma atenção especial aos tecidos (lãs e fazendas) e ao bagaço (de uva), 50 reis em carga. No vizinho município da Chamusca, o mesmo produto pagava 5 reis cada alqueire. Ali, tal como em Constância, listava-se o sável e a cavala, o bacalhau e a muito comum sardinha entre os peixes abrangidos pelo fisco.

Na mesma região, mas no concelho do Cartaxo, só o porco gordo é que pagava imposto, estando o magro isento de o fazer.

No Sardoal, têm destaque as vassouras, os esteirões e demais obras em esparto (uma planta com caules flexíveis), que pagavam 120 reis a carga, rivalizando com as peneiras, os joeiros, as esteiras de tábua e as loiças de Coimbra.

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Precisamente na cidade dos estudantes, taxava-se o sável e a lampreia, bem como o polvo, igualmente abrangido em Valença, Tondela e Ponte de Lima, onde se diferenciavam os foguetes pelo número de tiros, que, como seria de esperar, influenciava o imposto a cobrar.

De Norte a Sul há produtos praticamente universais, como os cereais e o vinho, o pão, o peixe e a carne genericamente apresentados.

São também muitas as variedades de fruta e legumes mencionadas, mas há especificidades: em Mesão Frio, por exemplo, havia uma taxa sobre as bagas de sabugueiro, ao passo que, em Castro d’Aire, se distinguem as couves tronchudas das galegas e as canastras de peixe fresco das de peixe já frito, este mais barato que o anterior.

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Em Oliveira de Azeméis diferenciam-se as louças pretas das vermelhas e, em São Pedro do Sul, as capas de palha de Penafiel tinham uma taxa de 100 reis a dúzia, mas se fossem “ordinárias”, pagavam cerca de um terço desse valor, o mesmo que os cortiços.

Em Albufeira, no Algarve, aos mais comuns grão-de-bico, ervilha e feijão, juntavam-se os chichorros (ao que apurei, um tipo de cogumelo) e, numa área muito diferente, pagava-se tributo pelos “pranchões da Flandres”.

Na mesma região, mas em Lagos, as taxas municipais incidiam sobre as drogas, os óleos e as tintas e tabacos, distinguindo o calçado fino, de mulher e de criança, do restante.

Ainda a Sul, em Vila Real de Santo António, dá-se destaque à aguardente de figo, que pagava 60 reis cada almude. Dez reis pagava igualmente cada garrafa de vinho tinto, licor ou genebra.

E, se falamos em particularidades regionais, é sempre de referir as ilhas, neste caso, a Horta, nos Açores, onde o município fazia incidir os seus impostos sobre o inhame cozido e os tremoços curtidos, mas também sobre os pêssegos, as ameixas, as laranjas a lima e o limão, entre outros frutos, assim mesmo explicados, ostentando todo o esplendor e abundância dos Açores.

 

À margem

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Como se percebe por esta minúscula amostra, os registos relacionados com os impostos são uma fonte de informação preciosa sobre as épocas, as pessoas e os lugares sobre os quais foram lançados. A Décima, o primeiro imposto verdadeiramente abrangente, criado em setembro de 1641 para financiar a manutenção de um exército que defendesse o País de forma permanente. Foi depois relançado em 1762, no âmbito da Guerra dos Sete Anos, durante a qual o nosso País foi invadido três vezes, por tropas francesas e espanholas.

Incidia sobre “prédios, ofícios e ordenados, capitais emprestados a juros e os lucros da indústria e do comércio”, recaindo sobre todas as pessoas com atividade profissional, incluindo artífices e jornaleiros.

Com a análise dos assentos, consegue-se ter uma boa imagem do comércio, dos edifícios existentes, das relações contratuais, outros negócios e atividades durante um longo período temporal, uma vez que este imposto foi o mais importante até à criação da contribuição predial, da contribuição industrial e da contribuição de juros, respetivamente, em 1852, 1860 e 1887.

Com essa documentação conhece-se igualmente um conjunto de profissões que, tal como muitos produtos antigos, são difíceis de entender e hoje já não existem, como bainheiro, boleeiro, busca caixas da alfândega, cerieiro ou mesmo almoxarife, precisamente aquele que era responsável pela cobrança dos impostos e rendas públicas. Isto apesar de frequentemente, a cobrança de impostos ser adjudicada a particulares, que não olhavam a meios para receber os montantes em causa, o que resultava na ira popular.

Mas isso são outras histórias…

 

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Nota 1: não se pretende aqui fazer uma lista exaustiva de produtos alvo de impostos em cada um dos municípios do País, mas sim destacar as especificidades regionais e as particularidades da época.

Nota 2: as imagens são meramente exemplificativas do ambiente de feiras e mercados.

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Fontes

Diário do Governo, 14.07.1871

https://pt.wikipedia.org/wiki/Revolta_dos_inhames

Tribunal de contas

https://www.tcontas.pt/pt-pt/MenuSecundario/Noticias/Pages/n20220125-1.aspx

Imagens

Illustração Portugueza

16.11.1903, 30.11.1906, 21.12.1903, 18.01.1904, 26.01.1904, 04.06.1904, 27.06.1904.

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