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O sal da história

Crónicas da história. Aventuras, curiosidades, insólitos, ligações improváveis... Heróis, vilões, vítimas e cidadãos comuns, aqui transformados em protagonistas de outros tempos.

O sal da história

Crónicas da história. Aventuras, curiosidades, insólitos, ligações improváveis... Heróis, vilões, vítimas e cidadãos comuns, aqui transformados em protagonistas de outros tempos.

Como as “conservas” mataram a vilegiatura marítima em Setúbal

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O primeiro estabelecimento balnear importante do País não resistiu ao despontar da indústria conserveira. Ficam as memórias desse tempo em que a avenida Luísa Todi era um areal onde se punham as redes a secar e as banhistas espanholas provocavam intenso sururu entre a rapaziada.

 

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 Fatos de banho que mais pareciam escafandros e todo um conjunto de preceitos que envolviam maquinaria e banheiros “encartados”. Era assim o ritual do banho de mar na segunda metade do século XIX e início do seguinte. Setúbal teve o “primeiro estabelecimento balnear importante” de Portugal. Foi um sucesso, mas não resistiu à proliferação de fábricas de conservas, que empestaram a água e o ar. São relatos de um tempo em que a avenida Luísa Todi era um imenso areal a que chamavam rua da Praia, onde os pescadores estendiam as redes e os turistas portugueses e espanhóis tropeçavam elegantemente.

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Os banhos, uma modernice importada de países como Inglaterra, mais tarde tornada moda pelo rei D. Carlos, tiveram, durante muito tempo, objetivos puramente medicinais.

 

Por indicação médica, as famílias abastadas passavam grandes temporadas nas estâncias mais conceituadas do Pais. Durante esse período, movimentavam a economia e animavam socialmente esses locais.

 

A Setúbal, acorriam sobretudo grande número de alentejanos, com acesso facilitado por comboio, mas a presença das veraneantes espanholas é que provocava uma verdadeira agitação, sobretudo entre a rapaziada setubalense.

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Existiam poucos recursos hoteleiros e os turistas optavam por arrendar grandes moradias disponíveis nesta altura.

 

Organizavam-se festas, bailes, sessões de cinema, passeatas e piqueniques pelos arrabaldes da cidade, num enorme frenesim que ocupava o tempo quando não estavam a banhar-se.

 

Os banhos, por outro lado, tinham todo um manancial de equipamento, a começar por instalações – originalmente em madeira – com cubículos para os banhistas trocarem de roupa.

 

Depois de ataviados, eram acompanhados por banheiros que os ajudavam na atividade, chegando à água através de passadiços ou de vagões, que seguiam sobre carris até se atingir a profundidade necessária. A alternativa eram umas barcaças cujo convés se abria para permitir o acesso à água ou a entrada desta na embarcação, onde o banho se dava com toda a privacidade e recato.

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A afluência era tal que os improvisados estabelecimentos de banhos da segunda metade do século XIX – o mais conhecido era o Cais da Trindade - deram lugar a um imponente edifício desenhado pelo conhecido arquiteto Ventura Terra.

 

Foi uma iniciativa da Empresa Setubalense de Banhos e abriu as portas em 1903.

 

Imitava estabelecimentos similares em Biarritz, construído em tijolo, ferro e madeira, com 50 quartos para banhistas e áreas sociais e de restauração.

Nesse ano, registaram-se ali 8.706 banhos de mar e 1031 de tina.

 

Enquanto isso, a vida dos locais seguia o seu rumo, com grande enfase na classe piscatória, que disputava o espaço palmo a palmo com os forasteiros.

As redes eram estendidas para secar na então rua da Praia, uma artéria que começava a desenvolver-se e era já um dos principais locais de passagem e morada de algumas famílias ilustres. Era ver as senhoras aos pulinhos, lutando para não tropeçar naquelas verdadeiras armadilhas para damas desprevenidas.

A zona do passeio do Lago, como então era denominado o atual parque José Afonso, era também um dos percursos preferidos, porque oferecia grandes sombras que ajudavam a suportar os tempos de maior calor, ainda que os pescadores pendurassem as redes nas árvores, que assim faziam as vezes de estendais, conspurcados por alcatrão usado no conserto das malhas de pesca.

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Em data não determinada, mas que terá sido ainda na primeira década do século XX, o passeio ficou separado da praia por um conjunto de construções – ainda aí existentes – onde se instalaram empresas conserveiras.

 

Nada nunca mais foi o mesmo: o ambiente tornou-se nauseabundo, contaminado por emanações fétidas dos despojos da indústria e pelo fumo das caldeiras de cozedura do pescado.

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Progressivamente, quem tinha mais meios foi preferindo outras paragens com ares mais puros. O primeiro estabelecimento importante de banhos no país fecharia as suas portas e a vilegiatura marítima naquela cidade do Sado ficaria a aguardar melhores dias.

 

 

Setúbal nunca deixaria de ser procurada, porque, com ou sem industria conserveira e outras que mais tarde ali se fixaram - com grande desenvolvimento económico e não menor penalização para o ambiente local - a beleza da cidade, a avassaladora presença da Arrábida, as águas turquesa desta costa e os pitorescos arredores não deixam ninguém indiferente.  

 

 

 

À margem

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Existiam três tipos de vilegiatura: marítima, climática e termal. Setúbal tinha – e ainda tem – condições ótimas para a prática das duas primeiras e havia áreas específicas para cada tipo de maleita cujo tratamento ali se procurava. A pretexto de variados achaques, os forasteiros espalhavam-se pela zona marítima, mas também pelas quintas do interior, da Arrábida à Baixa de Palmela, de Brancanes a Alferrara (na imagem) ou a Azeitão, buscando apaziguamento para os males resultantes da vida urbana, em especial estados de fadiga física e intelectual a que hoje se chamaria burnout. Toda a zona ribeirinha, de Albarquel à Arrábida, é especialmente indicada para a “therapeutica escrofulo-tuberculosa”, dada a exposição a sul, luminosidade, emanações marinhas e massas telúricas, a que se junta o uso interno e externo da água do mar. O roteiro é apresentado por Fernando Garcia, que nos seus escritos ficou conhecido pelo pseudónimo "João Semana". Tal como a personagem de Júlio Dinis em que se terá inspirado, era médico, neto de outro clínico, também ele setubalense de coração, Domingos Garcia Peres, nome três vezes homenageado na topinímia da cidade, tal o relevo ali alcançado.

Mas isso é outra história...

 

…….

*As imagens 3, 4 e 5 são meramente ilustrativas da época, não da localização retratada.

 

Fontes

Vilegiatura Marítima em Setúbal do século XIX ao início do século XX, de Inês Gato de Pinho, edição LASA – Liga dos Amigos de Setúbal e Azeitão, dez 2010

Imagens retiradas do livro anterior em: https://www.researchgate.net/profile/Ines_Gato_De_Pinho/publication/308505485_Vilegiatura_maritima_em_Setubal_do_Seculo_XIX_ao_inicio_do_Seculo_XX/links/57e5090908aef5d0161b6bd4/Vilegiatura-maritima-em-Setubal-do-Seculo-XIX-ao-inicio-do-Seculo-XX.pdf

Domingos Garcia Peres – Um setubalense pelo coração, de António Cunha Bento, Carlos Mouro e Horácio Pena, edição LASA – Liga dos Amigos de Setúbal e Azeitão, 2012

 

http://photos1.blogger.com/blogger/7959/1282/1600/esguelha.jpg

 

Imagens de Américo Ribeiro em

https://pt.slideshare.net/MasterPilgrim/setbal-antiga-15474950

https://pt.slideshare.net/anagualberto/ambientes-no-sculo-xix

https://www.sabado.pt/vida/detalhe/os-primeiros-dias-na-praia

 

Arquivo Fotográfico Municipal de Lisboa

 http://arquivomunicipal.cm-lisboa.pt/pt/contactos/arquivo-fotografico/

José Artur Leitão Bárcia

PT/AMLSB/CMLSBAH/PCSP/004/BAR/000631

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