Construção enguiçada demora 30 anos a concluir
Foi Salazar, já depois de ter caído da célebre cadeira, que autorizou a conclusão da empreitada e o culminar desta história de erros, atrasos e intempéries.
Muito se fala de atrasos e derrapagens nas obras públicas, mas esta tendência vem de longe e é, aparentemente, transversal a todas as épocas e geografias. Em Alcácer do Sal, por exemplo, foram precisas três décadas para que se concluísse a Estação de Correios, Telefones e Telégrafos, num processo cheio de atribulações, erros e até desastres naturais. Curiosamente, a contrato adicional para a conclusão da empreitada foi assinado pelo punho de António de Oliveira Salazar e terá sido um dos últimos atos formais por si firmados, já depois de ter caído da célebre cadeira e seis dias antes de dar entrada no hospital, de onde não mais regressaria para a presidência do Conselho.
Esta história de descontrolo de custos e muita demora começou nos anos 40 do século XX, pois já nessa época o espaço ocupado pelo serviço de correios – na “rua Direita” daquela vila alentejana* - não se adequava às necessidades e o Estado desenvolvia por aqueles anos um Plano Geral das Construções e Redes Telefónicas e Telegráficas, que pretendia dotar todo o País daquelas estruturas.
Aproveitando o ensejo, em 1944, o Município adquire um terreno na avenida dos Aviadores Gago Coutinho e Sacadura Cabral (na imagem 2, antes da construção do edifício) . Acontece que aquele espaço não tinha capacidade para suportar as cargas verticais da construção projetada, muito provavelmente por ser terreno de aluvião.
Embora tal seja referido pelo jornal local, Voz do Sado, este é um facto estranho, pois já antes ali se tinham erigido edifícios de maior porte e até mais próximos do rio.
Facto é que se abandonou a obra, ficando esta suspensa, nada mais, nada menos, que por vinte anos!
Só em 1962 se faz nova tentativa de dotar Alcácer do Sal com uma estação de correios e telégrafos moderna, adjudicando-se a obra à firma Joaquim F. Rócio e Cª, que dispunha de dois anos para a concluir, não fosse o Sado pregar nova partida.
Efetivamente, em fevereiro de 1963, grandes cheias deixaram toda a área submersa e provocaram estragos irreparáveis na construção já de pé, obrigando à reformulação do projeto para prevenir novas inundações.
Só foi dada luz verde ao retomar dos trabalhos em 31 de agosto de 1968. A Direção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais a autoriza a celebração de contrato adicional para as alterações na empreitada de construção. Assinam, Américo Thomaz; Ulisses Cortez (ministro das Finanças); José Albino Machado Vaz (ministro das Obras Públicas) e, claro, António de Oliveira Salazar.
Não se pense que isto sanou todos os males, porque novos atrasos se verificaram, resultantes da tardia instalação de energia elétrica no edifício.
A inauguração só se concretizaria em 31 de maio de 1971, na presença de elementos da administração dos CTT, diversas entidades locais e regionais e do então presidente da Câmara Municipal de Alcácer do Sal, Carlos Xavier do Amaral, por coincidência, filho do homem que, quase trinta anos antes, esteve ligado à aquisição do terreno, quando era administrador do mesmo concelho, António Xavier do Amaral.
Oficialmente, a estação de correios e telégrafos de Alcácer do Sal custou 3.640 contos. Quando abriu ao público, tinha capacidade para 400 linhas telefónicas automáticas.
Ainda hoje lá está, tem uma área de 530 metros quadrados e foi a 460ª realização do Plano de Instalação e Reinstalação de Estações de Correios, traçado décadas antes pelo Estado Novo.
À Margem
Não consegui confirmar a autoria do projeto do edifício dos Correios, embora existam fortes possibilidades de pertencer ao arquiteto Adelino Nunes - que na época desenhou numerosas estações por Portugal fora - ou a Amílcar Pinto, o mesmo autor do Cineteatro de Alcácer do Sal, hoje em ruínas, que se ergue do lado oposto da mesma avenida e que também trabalhou para o Estado nesta área. Amílcar Pinto, aliás, é apontado como um dos mais bem-sucedidos percursores da Arte Nova em Portugal. A sala de espetáculos foi uma iniciativa de Francisco Serra de Sousa Lynce, advogado, delegado do procurador da República junto da Comarca de Alcácer do Sal e lavrador, herdeiro de uma grande casa agrícola do concelho. A sala, que abriu portas em 1950, tinha capacidade para 710 pessoas e assistiu a numerosos e diversificados espetáculos musicais e teatrais, bem como concorridas sessões de cinema. Os últimos tempos, nos anos 90 do século XX, foram de lenta agonia, como aliás aconteceu em muitos espaços idênticos por todo o País.
Mas isso é outra história...
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* Os correios e telégrafos funcionavam no primeiro andar de um edifício ainda hoje existente na confluência da rua das Douradas com a rua da República, junto ao largo da farmácia Alcacerense.
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Fontes
Arquivo Histórico Municipal de Alcácer do Sal
PT/AHMALCS/CMALCS/EXTERNO/03/007
PT/AHMALCS/CMALCS/CAMARA/04/02/0021
PT/AHMALCS/CMALCS/CAMARA/04/02/0022
PT/AHMALCS/CMALCS/BFS/01/01/05/002
PT/AHMALCS/CMALCS/BFS/01/01/342
PT/AHMALCS/CMALCS/BFS/01/01/343
Biblioteca Municipal de Alcácer do sal
Jornal Voz do Sado
Ano VI, nº81 – agosto 1966
Ano XII,nº137 – junho 1971
Vencer a distância – Cinco séculos dos correios em Portugal, Museu das Comunicações – Fundação Portuguesa das Comunicações
https://dre.tretas.org/dre/264449/decreto-44527-de-21-de-agosto
https://dre.tretas.org/dre/250681/decreto-48560-de-31-de-agosto
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Agradecimentos a Baltasar Flávio da Silva