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O sal da história

Crónicas da história. Aventuras, curiosidades, insólitos, ligações improváveis... Heróis, vilões, vítimas e cidadãos comuns, aqui transformados em protagonistas de outros tempos.

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Crónica policial (5) - O marinheiro falsificador, que afinal era um anjinho

Lisboa, outubro de 1924 a abril de 1925

conto do vigário.png

Um insuspeito quarto no número 7 da rua da Rosa, em Lisboa, escondia uma verdadeira fábrica onde eram geradas notas falsas de 20 centavos, que depois eram postas em circulação por uma rede de passadores. Curiosamente, tanto o senhorio como os outros inquilinos do prédio, não suspeitavam do que quer que fosse, nem sequer manifestaram ter ouvido em qualquer momento o som cadenciado que a impressora Minerva Rápida, apreendida no local, certamente produzia enquanto laborava, noite fora. Distraídos, não estranharam igualmente o corrupio de gente que ali circulava, recolhendo dinheiro forjado que depois era dispersado pela cidade e arredores.

As autoridades encontraram 125 escudos em valores contrafeitos e a polícia de investigação decretou que aquele era o equipamento mais completo que ultimamente se havia descoberto em Lisboa, “com mecanismos afeiçoados”, que rivalizavam com a própria Casa da Moeda e Papel Selado.

O imóvel pertencia a Celso Pinto Marques e o quarto estava arrendado ao marinheiro José Ribeiro Barbosa, ambos detidos como principais suspeitos. Ouvidos foram os restantes moradores, bem como o responsável pela empresa que vendeu a máquina impressora.

O senhorio, que os jornais apresentaram como tendo cinco prisões no seu currículo, seria libertado. Segundo afirmou, contra si nada se tinha provado, pois ignorava qualquer atividade ilegal. Acrescentou, em sua defesa, que os antigos conflitos com a justiça haviam ocorrido quando ainda era menor e não tinha consciência da gravidade dos seus atos.

Este caso, no entanto, foi uma gota no oceano da falsificação de notas que por aqueles anos se verificava e que, em conjunto com a emissão de dinheiro de emergência a que o nosso Estado recorria para suprir necessidades inadiáveis, muito contribuía para a situação de desvalorização e desacreditação do escudo português.

troca de cedulas de 20.png

Os jornais davam conta de diversas detenções de passadores e apreensão de notas em vários pontos do País.

Tanto assim foi que o governo decidiu retirar de circulação as polémicas cédulas de 20 centavos, dado o “estado de inquietação dos espíritos” que esta sucessão de acontecimentos provocou e prevenindo “conflitos sérios e perturbações da ordem pública”.

A decisão foi publicada a 8 de abril e pretendia pôr termo a este clima de incerteza quanto à legitimidade do dinheiro.

Determinava-se a entrega de papel-moeda de 10 e 5 centavos consoante as notas “boas” de 20 que fossem recolhidas - na imagem, um grupo de pessoas apresenta-se para fazer essa troca, pouco criteriosa, nas palavras de alguma imprensa.

Ninguém sabia que o pior ainda estava para vir. As quantias até ali apreendidas eram paupérrimas quando comparadas com o enorme escândalo que rebentaria pouco depois, com a emissão de centenas de milhar de notas falsas com a efigie de Vasco da Gama e o valor facial de 500 escudos, fabricadas em Londres numa centenária casa emissora, que fornecia o próprio Banco de Portugal.

Os falsificadores antes falados eram, por assim dizer, uns anjinhos, comparados com esse senhor bem posto, de sua graça Artur Virgílio Alves dos Reis, que, naquele preciso ano de 1925, lançaria o que ficou conhecido como o golpe do século, que lhe daria o título de “maior burlão” nascido no nosso País.

 

Fontes

Hemeroteca Digital de Lisboa

A Capital

07.10.1924, 08.10.1924, 14.10.1924, 15.10.1924, 28.10.1924.

 

Diário de Lisboa

03.04.1925, 04.04.1925

 

Diário da República, 08.04.1925

 

Boletim Notas Moedas, 10.2010

 

Texto de Márcio R. Sandoval 

https://sterlingnumismatic.blogspot.com/2013/07/waterlow-sons-impressores-de-papel.html

 

https://pt.wikipedia.org/wiki/Artur_Alves_dos_Reis

https://www.infopedia.pt/artigos/$alves-dos-reis

 

Imagens

Domingo Ilustrado

12.04.1925

 

Arquivo Nacional da Torre do Tombo

Empresa Pública Jornal O Século, PT/TT/EPJS/SF/006/09521