Dandy mais dandy não há
Eram os reis das extravagâncias no vestir, no estar e no gastar. Ambos tinham a pretensão de ter mudado a forma dos lisboetas elegantes se apresentarem à sociedade. Acabaram por servir de inspiração a Eça de Queiroz, às caricaturas de Bordalo e às paródias de Carnaval.
Jerónimo Colaço* (1844-1884) e Joaquim Abreu de Oliveira** (1860-1914) eram os mais extravagantes dandys do seu tempo. As suas chegadas a Lisboa eram aguardadas com intensa curiosidade, pois significavam um desfilar do que havia de mais moderno - ainda que ridículo - mais vistoso e passível de provocar o falatório geral. Ambos foram embaixadores de Portugal no estrangeiro e morreram cedo, como não poderia deixar de ser, em Paris, capital de tudo o que é chique e em voga.
Mais de um século depois do seu desaparecimento, as loucuras de estilo que personificaram continuam a fazer parte do anedotário lisboeta, particularmente da zona do Chiado, onde amiúde se exibiam.
Eram o alvo preferido das paródias de Carnaval e consta que serviram de inspiração a personagens compostas por Eça de Queiroz.
Faziam tudo para dar nas vistas, esbanjando dinheiro de forma ostensiva, pensando antecipadamente como iriam provocar o espanto geral, tanto pelas cores vibrantes e corte inusitado das roupas e chapéus, joias vistosas e gravatas espalhafatosas; como pelas carruagens importadas, aos comandos das quais se pavoneavam pelos locais mais movimentados e a horas certas, circulando triunfantes entre a multidão e fazendo as pessoas saírem das lojas para melhor os apreciarem.
Nas suas espirituosas caricaturas, Rafael Bordalo Pinheiro representou o Barata-Loira como o fútil e mesquinho Dâmaso Salcede, de Os Maias.
A sua preocupação era suplantar outros cavalheiros com aspiração a taful, enquanto invejavam especialmente aqueles que, sem esforço, davam nas vistas pela beleza e elegância. Era o caso de D. Carlos, garboso jovem de cabelos loiros.
Ora, Joaquim Abreu de Oliveira também tinha cabelos claros, mas de um tom que roçava o do açafrão, para além de ser dotado de um nariz particularmente achatado e um físico algo atarracado. O conjunto, logo no Colégio Militar, fez com que passasse a ser conhecido pelo epíteto de Barata Loira, que certamente desprezaria, pois contrariava a imagem de graciosidade que almejava, mas dificilmente atingia.
Tinha pretensões a escritor e viria a obter o título de barão de Oliveira. Estava certo de ter conseguido mudar a forma de vestir dos jovens janotas do seu tempo, passando a envergar sobrecasacas, fraques airosos, calças muito justas, à inglesa, e sapatos com ponta aguçada.
O problema é que, antes dele, já Colaço se vangloriava do mesmo feito.
Jerónimo Colaço de Magalhães (na imagem), conhecido como Condeixa, por ser filho do visconde com aquele título, formou-se em Leis, em Coimbra. Foi adido em Londres e nos Estados Unidos, secretário da legação de Portugal em Paris e até aí, na capital da elegância, conseguiu ser notado pela forma irrepreensível como se apresentava e a estroinice dos seus hábitos. Terá sido ele a inspiração para a personagem Fradique Mendes, que aparece em várias obras de Eça, com quem privou.
Destacava-se como galã audacioso e conversador de espírito, despertando paixões entre a senhoras, embora, para ele, nas palavras de Júlio Dantas, o amor fosse apenas uma espuma leve de champanhe.
Ambos faziam questão de mostrar desdém pela pequenez de Lisboa, mas enquanto Jerónimo teve sucesso no estrangeiro, o barão da Oliveira regressou rapidamente de Londres. É que - oh insuportável situação! - por aquelas bandas, por mais que se mostrasse excêntrico e singular, nem um piscar de olhos, nem o mais pálido sinal de reconhecimento recebia dos sempre imperturbáveis britânicos, que pura e simplesmente o ignoraram.
Resignou-se, mas não ficou de braços cruzados, pois ainda se tornaria vendedor de vinhos, esteve na fundação do elitista Turf Club e a ele se deve muito do progresso que teve, na sua época, a estância termal francesa de Evian le Bains.
Morreu no hotel Ritz de Paris, localizado na praça Vendôme (na imagem), um dos expoentes máximos mundiais de luxo e ostentação, precisamente a mesma onde residia Jerónimo Colaço quando estava na cidade-luz, onde também escolheu fechar os olhos.
À margem
Numa zona tão bem frequentada como era o Chiado (na imagem anterior), destacavam-se mais os que se apresentavam maltrapilhos, não propriamente por serem indigentes – que também os havia – mas por não darem qualquer importância ao que trajavam, como o pai da literatura policial portuguesa, Francisco Leite Bastos, ou o “Ferraz das Caveiras”. Entre as mulheres, também havia muito quem desse nas vistas e as noites de ópera no São Carlos, por exemplo, eram verdadeiras passagens de modelos.
Algumas atraiam as atenções por outros motivos. Era o caso de Carolina Amália (1833-1887) e Josefina Adelaide (1841-1907) Brandi Guido (na imagem), que a Lisboa de finais do século XIX conhecia como “manas perliquitetes”***. Espantavam pela indumentária exagerada, demasiadamente elaborada e até estapafúrdia.
Meninas de boas famílias da colónia italiana em Lisboa – o pai era um abastado e respeitado comerciante – andavam usualmente vestidas de forma semelhante, calcorreando a zona do Rato, São Roque, Baixa e Chiado, sempre no mesmo trajeto, observando avidamente os rapazes casadoiros, com quem até tentavam meter conversa.
O tempo foi passando, ficaram solteiras e pobres, presas naquele seu mundo, obcecadas por encontrar o amor, que nunca apareceu. Se antes lhes achavam graça, então caíram em desgraça, passaram a ser alvo da chacota dos transeuntes, que as apupavam e ridicularizavam.
História semelhante teve Maria Joana, conhecida na Lisboa de meados do século XIX pela alcunha de “Casamenteira”, que também morreu miserável, desamparada e louca.
Mas essa, apesar de nunca ter sido rica, lá conseguiu casar uma vez.
Mas isso é outra história...
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*Jerónimo Colaço de Magalhães da Gama Moniz Velasco Sarmento Alarcão Bulhões de Sande Mexia Salema
**Joaquim da Rocha Abreu e Oliveira, 1º barão de Oliveira
***Perliquitete:
1. [Informal, Depreciativo] Que se veste com esmero. = CATITA, LIRÓ
2.[Informal, Depreciativo] Que é afectado ou vaidoso.
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Fontes
Mário Costa, O Chiado pitoresco e elegante, Lisboa, 1965, Município de Lisboa.
Hemeroteca Digital de Lisboa
Eduardo de Noronha, Revista Municipal de Lisboa, nº46, 3º trimestre, 1950, Publicação Cultural da Câmara Municipal de Lisboa.
Illustração Portuguesa, nº346, 07.10.1912
Biblioteca Nacional em Linha
A Revolução de Setembro, 29.11.1862
Arquivo da Universidade de Coimbra, Jerónimo Colaço de Magalhães Moniz Velasques Sarmento, PT/AUC/ELU/UC-AUC/B/001-001/S/004206.
Atas Do V Colóquio Internacional - A Casa Senhorial: Anatomia de Interiores, Fafe, 2019, Câmara Municipal de Fafe.
Secretaria-Geral da Economia (sgeconomia.gov.pt)
Jerónimo Colaço de Magalhães (1844-1884) – Memorial Find a Grave
Joaquim da Rocha Abreu e Oliveira, 1º barão de Oliveira, * 1860 | Geneall.net
Arquivo Fotográfico Municipal de Lisboa
Manas Perliquitetes
perliquitete - Dicionário Online Priberam de Português
Joaquim da Rocha Abreu e Oliveira, 1º barão de Oliveira, * 1860 | Geneall.net
Jerónimo Colaço de Magalhães, * 1844 | Geneall.net
Imagens
Revista Municipal de Lisboa, nº46, 3º trimestre, 1950, Publicação Cultural da Câmara Municipal de Lisboa.
Illustração Portuguesa, nº346, 07.10.1912
Arquivo Fotográfico Municipal de Lisboa
Manas Perliquitetes, Joshua Benoliel, PT/AMLSB/CMLSBAH/PCSP/004/JBN/000175
Chiado, Eduardo Portugal sobre gravura publicada in Universo Pittoresco, vol III, 1843-44, PT/AMLSB/CMLSBAH/PCSP/004/EDP/001680.
Dandys 1830 - Dândi – Wikipédia, a enciclopédia livre (wikipedia.org)
A Inspiração Dândi | IT-Lab (wordpress.com)