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O sal da história

Crónicas da história. Aventuras, curiosidades, insólitos, ligações improváveis... Heróis, vilões, vítimas e cidadãos comuns, aqui transformados em protagonistas de outros tempos.

O sal da história

Crónicas da história. Aventuras, curiosidades, insólitos, ligações improváveis... Heróis, vilões, vítimas e cidadãos comuns, aqui transformados em protagonistas de outros tempos.

Esta vida dava um filme…ou dois

 

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O que dizer de um homem que foi rei e imperador, representou a mudança de regime em duas nações em diferentes hemisférios, para depois abdicar de ambas as coroas? Um homem que atravessou o oceano para, contra todas as expetativas, resgatar um país das mãos do seu irmão; teve dezenas de filhos e foi excomungado pelo Papa? Foi herói e músico, polémico, impulsivo e apaixonado. Morreu aos 35 anos, doente e provavelmente exausto com uma vida tão atribulada. Em qualquer outra parte do mundo, não faltariam filmes ou séries com protagonista tão fértil de emoções, como D. Pedro IV.

 

d pedro jovem adolescente.jpg

Pedro não tinha nascido para ser rei. Antes dele estava o filho primogénito de D. João IV e D. Carlota Joaquina, Francisco António, que morrera de varíola ainda criança. Saíra de Portugal com apenas nove anos (na imagem, D. Pedro adolescente) e passara toda a vida no Brasil, para onde a família real portuguesa – mais um séquito de quinze mil pessoas - embarcara em consequência da primeira invasão francesa, em 1807. Quando o pai foi obrigado a regressar, em 1821, já os invasores tinham ido embora havia muito, mas o príncipe ficou do outro lado do Atlântico.

Um ano e cinco meses depois da abalada do monarca para Portugal, o jovem Pedro liberta o Brasil da sua submissão perante um poder a milhares de milhas de distância (na próxima imagem, representação fantasiosa do momento da proclamação da independência).

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Luta contra as forças fiéis à sua nação de origem e ao pai e torna-se imperador do Brasil, no dia em que completa 24 anos. Ato contínuo, concede ao recentemente autónomo território uma carta constitucional que limitava os seus próprios poderes.

Mas, isso não lhe trouxe a paz. Polémico, intempestivo, por vezes contraditório, D. Pedro teve dificuldade em cumprir a sua própria Constituição. A morte do progenitor, em 1826, acrescenta-lhe outro problema: torna-se rei de Portugal.

Com duas coroas à disposição, e apesar dos numerosos apelos para voltar, opta por ser brasileiro e abdica de Portugal na filha Maria da Glória, com a condição desta casar com o tio Miguel e de ser jurada uma nova Carta Constitucional, que se pretendia de compromisso. Tudo certo, não fosse esse infante ser tão impetuoso quanto o irmão e logo ter começado a governar de forma autoritária, sem atender ao acordado. Estava lançada uma disputa fraternal que só terminaria sete anos depois.

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Não conformado com este estado de coisas e também acossado pelos conflitos permanentes no país-irmão, D. Pedro entrega a coroa imperial ao filho homónimo, com apenas cinco anos, e atravessa o oceano com um punhado de homens para recuperar um país do qual tinha saído em criança.

Vem à boleia dos ingleses e tem de vender praticamente tudo o que tem nos trópicos. Pelo caminho, tem a serenidade suficiente para  escrever um livro e peças musicais.

Aproveita a estadia em Inglaterra e França, para “contar espingardas” e, finalmente, a 10 de fevereiro de 1832, parte para os Açores com uma frota diminuta, mas resoluta. A desproporção de forças era tal que um jornal francês lhe chamou D. Perdu.  D. Pedro, no entanto, tinha a sorte do seu lado.

Já em solo português, no arquipélago açoriano, o ex-imperador do Brasil proclama-se regente em nome da filha, D. Maria II, e prepara a incursão ao continente.  

São 50 os navios que transportam 7.500 homens que constituem as tropas de D. Pedro. Desembarcam na praia de Arnosa de Pampelido, perto do Mindelo, a 8 de julho (na imagem anterior) e entram na cidade do Porto no dia seguinte.

Ali seriam cercados. As tropas miguelistas tinham uma superioridade numérica espetacular – cerca de 80 mil pessoas – pelo que tudo parecia perdido.

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Passado cerca de um ano neste penoso impasse (na imagem anterior, o cerco do Porto), a estratégia desesperada dos liberais passa por dividir para confundir o adversário: É dada ordem para 1.500 militares embarcarem e tentarem entrar novamente no País a partir do Algarve. O audacioso plano, que alguns classificaram como inconsciente, deu resultado e, 24 de julho, chegam a Lisboa.

Foi o princípio do fim das aspirações de D. Miguel, que, depois de derrotado, é obrigado pelo irmão a abandonar o país, em 1834.

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Pedro recupera, enfim, o trono dos seus antepassados.

Pelo meio, no entanto, os brasileiros ainda mandam uma comitiva pedindo-lhe que regresse e é excomungado pelo Papa Gregório XVI, protetor de D. Miguel, um católico fervoroso, o que resulta em fortes protestos por parte de D. Pedro.

Tudo isto viveu e batalhou um homem que era epilético, que sofreu duas fraturas em resultado de acidentes a cavalo e que grande parte da sua vida teve apenas um pulmão funcional. Um homem que ainda teve tempo para numerosos romances, para escrever e criar diversas composições musicais, entre as quais o denominado hino da Carta, que foi o hino de Portugal até à implantação da República, em 1910.

Gozou-se pouco da recuperação do reino de Portugal. Doente pelo menos desde o ano anterior, morre tuberculoso, a 24 de setembro de 1834, cerca de duas semanas antes de completar 36 anos de idade, no mesmo quarto do Palácio de Queluz onde tinha nascido – o quarto D. Quixote – designação que não deixa de ser apropriada para quem tanto lutou.  O homem que fora Rei e Imperador, fina-se apenas como Duque de Bragança e é sepultado como General.

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Moribundo (na imagem), ainda conseguira assegurar, em testamento, herança a (quase) todos os filhos, incluindo os bastardos, bem como a antecipação da maioridade de D. Maria, que a faria rainha de plenos poderes mais cedo.

Deixa um filho no trono brasileiro e uma filha no português. Goste-se ou não do que defendeu, dificilmente se pode ser indiferente ao percurso tumultuoso e fulgurante de D. Pedro IV.

 

 

À margem

A vida de D. Pedro teve muito de política e de luta, mas também teve uma intensa atividade amorosa e uma vasta prole, havendo autores que apontam para 34 filhos, embora muitos não tenham chegado à idade adulta.

No ano em que se torna rei de Portugal e tem de escolher entre dois tronos, enviúva de Maria Leopoldina da Áustria, com quem teve nove filhos. Durante este casamento, no entanto, viveu várias relações extra conjugais, casos de Maria Benedita de Castro e da irmã, Domitila de Castro, com quem teve uma ligação longa e especialmente escandalosa, já que a imperatriz teve de “engolir” a amante do marido portas adentro, inclusive tomando parte nas cerimónias oficiais. Se a primeira irmã Castro lhe deu um bastardo, Rodrigo Delfim, a segunda, teve quatro filhos com D. Pedro.

Com Henriette Josephine Clémence de Saisset teve outro filho e, com a segunda mulher, Amélia de Leuchtenberg, concebeu Maria Amélia, que nasceu em França, quando D. Pedro ali se encontrava a organizar a sua expedição a Portugal, e morreria de forma trágica na Ilha da Madeira.

Já em solo Português, mais propriamente nos Açores, as graves preocupações e imensas responsabilidades que enfrentava, não foram impedimento a novos devaneios amorosos, envolvendo-se com uma freira que dele engravidou.

Apesar de, passado o entusiasmo inicial, não manifestar muita consideração para com as esposas ou as amantes, demonstrou ser um pai dedicado, sendo conhecidas numerosas cartas carinhosas aos filhos ou em que estes são motivo de conversa com terceiras pessoas, tendo salvaguardado o futuro dos bastardos. Pedro provou ser, efetivamente, um homem de muitas facetas e atributos. É-lhe reconhecida a autoria de várias peças musicais, cantava e tocava diversos instrumentos, mas era um “pé-de-chumbo” a dançar.

Tendo vivido em paisagens tão diferentes ao longo da vida, é de destacar o papel da cidade do Porto e dos Açores no seu projeto para reaver o trono de Portugal. D. Pedro ficaria eternamente grato ao povo do Porto, que, com as suas tropas, resistiu a um cerco tão longo. Também não esqueceria o arquipélago, último reduto liberal quando D. Miguel assumiu o poder. Hangra – batizada do Heroísmo precisamente por este relevo nas lutas entre os irmãos – chegou a ser nomeada capital do Reino e foi refugio de liberais, alguns famosos, como os escritores Almeida Garret e Alexandre Herculano, que igualmente multifacetados integraram as hostes de S. Pedro, lutando a seu lado.

Mas isso é outra história...

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Já aqui falei da maldição dos monumentos para homenagear o Liberalismo e D. Pedro IV.

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Fontes

Cristina Portella e Raquel Varela, D. Pedro IV, Grandes Protagonistas da Nossa História, Lisboa, Planeta Agostini, 2005

Eugénio dos Santos, D. Pedro IV, Círculo de Leitores, 2006

 

Agência Lusa, in Jornal Público, 20.02.2013. Aqui:

https://www.publico.pt/2013/02/20/ciencia/noticia/restos-mortais-de-dom-pedro-iv-de-portugal-permitem-perceber-melhor-a-sua-historia-1585185

Texto de Guiliana Miranda, Folha de S. Paulo, Jornal Público, 08.03.2023. Aqui:

https://www.publico.pt/2023/03/08/ciencia/noticia/cientista-faz-reconstituicao-facial-d-pedro-imperatrizes-leopoldina-amelia-2041513

Musica Brasilis

Pedro IV - 11-Junho-1801 - Morte do príncipe D. Francisco António Pio. Sucede-lhe como herdeiro do trono, seu irmão D. Pedro, Príncipe da Beira

https://dpedroiv.parquesdesintra.pt/cronologia/1822/maio/13/d--pedro--regente-constitucional-e-defensor-perpet/68

Angra do Heroísmo – Wikipédia, a enciclopédia livre

Pedro IV: o Rei que viveu 36 anos... mas teve 34 filhos | VortexMag

Francisco António, Príncipe da Beira – Wikipédia, a enciclopédia livre

 

Imagens

Simplício João Rodrigues de Sá (atribuído a), Rio de Janeiro, Brasil, c. 1811-1812, Museu Nacional de Arte Antiga. Disponível aqui:  D. Pedro IV - Infante D. Pedro

 François-René Moreaux. 1844, Proclamação da Independência, Museu Imperial de Petrópolis, Rio de Janeiro.

António José Faustino Botelho,  Perspetiva do Convento da Serra do Pilar no dia 14 de outubro de 1832, Litografia de Lopes & Bastos, Biblioteca Nacional de Portugal, http://id.bnportugal.gov.pt/bib/rnod/324456

Francisco António da Silva Oeirense (desenhou e gravou), a partir de pintura de Simplício Rodrigues de Sá, Lisboa, Portugal, 1826-1828, Palácio Nacional de Queluz, D. Pedro IV - D. Pedro I, Imperador do Brasil, e IVº do nome Rei de Portugal e Algarves

Johann Michael Voltz, Desembarque do Mindelo. Disponível aqui: ding of liberal forces in Oporto - Desembarque do Mindelo – Wikipédia, a enciclopédia livre

Nicolas-Eustache Maurin (desenhou e litografou)
Paris, França, 1836, disponível em Palácio Nacional de Queluz, D. Pedro IV - Morte de D. Pedro

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