Fez-se luz em Alcácer do Sal
Foi em vésperas da feira anual de outubro que a energia elétrica chegou a Alcácer do Sal, corria o longínquo ano de 1926. Tal inovação deveu-se à família Mendes Baptista, mas foram precisas várias décadas até que chegasse a todas as casas.
Passavam 45 minutos das 18 horas do dia 9 de outubro de 1926 quando se fez luz em Alcácer do Sal. As ruas iluminaram-se pela primeira vez com energia elétrica, que substituiu o petróleo usado até então. Esse sinal de progresso foi possível graças a António Mendes Baptista e à maquinaria que instalou no antigo “convento dos frades”. A central produziria energia para consumo próprio e também a injetava na rede pública, mantendo iluminadas as ruas principais da então vila e algumas casas particulares até 1941.
Curiosamente, quem acionou a alavanca não foi o patrão, mas um seu funcionário, o montador Ferreira, assim que António Mendes Baptista fez soar o estridente apito da fábrica. Havia alguma expectativa, mas não se pense que se lançaram foguetes ou se fizeram grandes manifestações de festa nesse já longínquo dia de véspera de feira anual de Alcácer do Sal.
A fábrica de transformação de cortiça, onde tudo aconteceu e que até há pouco tempo dava nome à rua, pertencia a uma sociedade constituída pelos irmãos Mendes Batista, que explorou o fornecimento eletricidade à zona urbana de Alcácer do Sal durante 15 anos, até à altura em que a concessão foi assumida pela Câmara Municipal e pela União Elétrica Portuguesa (UEP).
Nesse período, em vários locais do concelho, houve outras experiências particulares de produção de energia em centrais termoelétricas, para abastecer explorações agrícolas e mineiras.
Foi o caso das minas de Santa Susana, responsabilidade da empresa Ordem Coal Mines Ltd. Esta central era a que possuía maior potência em todo o município. Foi instalada em 1930 e começou a receber energia externa (da UEP) em 1942.
Em Vale do Gaio, iniciativa da Sociedade de Empreitadas e Trabalhos Hidráulicos Ltd., para a construção da barragem, foi criada mais uma estrutura do mesmo género, em 1939. Também na Herdade da Barrosinha, da Companhia de Agricultura de Portugal (em 1942) e na Herdade da Lezíria, de Francisco Serra Lince (em 1943) se instalaram centrais de produção de energia.
Na maioria das casas, no entanto, continuava a viver-se à luz do petróleo. Mesmo alguns espaços públicos continuaram “às escuras” ainda durante muito tempo. Exemplos desse atraso energético eram a cadeia (onde hoje está a repartição de Finanças local) e a sala de audiências do tribunal, que na época funcionava no edifício dos Paços do Concelho que, sete anos depois do apito inicial, ainda não se encontravam eletrificadas.
Efetivamente, a rede de abastecimento de energia elétrica só se alargou às zonas periféricas e rurais de forma generalizada, quer em espaço público, mas especialmente nos lares dos alcacerenses, nos anos 70 do século XX, quando a EDP assumiu a construção e exploração das infraestruturas.
O primeiro passo, no entanto, e como se viu, coube aos irmãos Mendes Batista - António, Justina e José, este advogado em Setúbal - sócios na fábrica e detentores das instalações do antigo convento franciscano de Santo António, onde também existia um lagar de azeite.
António destacou-se como figura muito ativa nesta sua terra. À família pertencia o vistoso prédio atualmente em ruínas na rua Ruy Coelho e conhecido pelos azulejos ostentando ananases.
Deixaram à Santa Casa da Misericórdia de Alcácer do Sal, da qual António Mendes Baptista foi provedor, vasto património, no qual se incluem os terrenos onde se construiu o hospital entretanto demolido e as estruturas de apoio a idosos.
À margem
A fábrica onde se instalou o gerador funcionava no que é localmente conhecido como “convento dos frades”, que já estava encerrado em 1834, face à lei de extinção das ordens religiosas. Ao lado do antigo mosteiro – hoje em ruínas e servindo de instalação agrícola – situa-se a igreja, onde atualmente se realizam as cerimónias fúnebres.
A obra é atribuída a António Rodrigues, o primeiro arquiteto português de base científica.
O exterior despojado não nos permite adivinhar que ali se esconde uma verdadeira joia, extraordinário exemplar da arquitetura renascentista em Portugal.
Construída para panteão da família Mascarenhas, sob a imponente cúpula em jaspe finíssimo, albergava importantes relíquias trazidas por D. Pedro de Mascarenhas das suas viagens, como um pelo da barba de Cristo, um retalho da sua túnica, partículas do Santo Lenho, um dos 30 dinheiros que terão servido de troca na traição de Judas; gotas do leite da Virgem e a cabeça de Santa Responsa, uma das Onze Mil Virgens, mártires que dão nome à capela.
Mas isso é outra história…
Fontes
Arquivo Municipal de Alcácer do Sal
Jornal O Imparcial – Semanário noticioso, literário e defensor dos interesses locais
outubro 1926
Informação transmitida por Baltasar Flávio da Silva
O Estado na eletrificação portuguesa, de João José Monteiro Figueira, Universidade de Coimbra, 2012.Disponível em https://aquila.iseg.ulisboa.pt/aquila/getFile.do?method=getFile&fileId=515733&_request_checksum_=1cdd8305d35849ae7b3d7780dfdbfbc1c00f93da
Direção-Geral do Património Cultural
Arquivo Nacional Torre do Tombo
Inventário de extinção do Convento de Santo António de Alcácer do Sal
António Rodrigues — Renascimento em Portugal (dafne.pt)
Texto de João Pedro Xavier sobre livro de Domingos Tavares
Imagens
Arquivo Municipal de Alcácer do Sal
Imagens
Arquivo Municipal de Alcácer do Sal
PT/AHMALCS/CMALCS/BFS/01/01/01/192
PT/AHMALCS/CMALCS/FTA/04/02/040-1
Fotografias captadas pela autora a partir de original existente na sede da Sociedade Filarmónica Progresso Matos Galamba.