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O sal da história

Crónicas da história. Aventuras, curiosidades, insólitos, ligações improváveis... Heróis, vilões, vítimas e cidadãos comuns, aqui transformados em protagonistas de outros tempos.

O sal da história

Crónicas da história. Aventuras, curiosidades, insólitos, ligações improváveis... Heróis, vilões, vítimas e cidadãos comuns, aqui transformados em protagonistas de outros tempos.

Heróis do acaso (10): uma mulher de armas

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Amélia Santos, caixeira republicana. A implantação da República em Portugal foi uma revolução masculina. Olhe-se com atenção as centenas de fotografias dos que, nesse dia 5 de outubro de 1910, conspiraram, ergueram armas e montaram barricadas, para percebemos que, aparentemente, foram apenas homens os que derrubaram um sistema político com quase 800 anos. Nas imagens há muito poucas exceções e apenas uma ficou para a história: a destemida empregada de balcão da cervejaria Águia. A sua presença é tão extraordinária, que quase parece perfeita de mais para ser verdadeira.

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Nessa data histórica, Amélia juntou-se aos que mantinham as posições republicanas na Rotunda e por ali ficou, lutando, lado a lado com um grupo inicialmente limitado de indivíduos, mas que, em pouco tempo, se avolumou com as espontâneas adesões populares. Como tantos outros, aprendeu a manejar uma arma ali mesmo, empunhando primeiro, e durante horas, uma espingarda e depois, por ser mais leve, um revólver.

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Não sabemos se atingiu alguém ou se o seu apoio teve algum préstimo, mas isso também não é importante, porque o que está em causa é a atitude de Amélia Santos. Quando muitos se fecharam em casa, ela deu o peito às balas e permaneceu no seu posto, noite e dia, até haver calma. Após tudo isto, integrada num comité revolucionário, ainda foi prender um jesuíta – uma espécie de inimigo de estimação do novo poder. Foi essa a sua última ação em prol da República.

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Disse que sempre fora republicana e que, portanto, o seu voluntarismo foi totalmente natural e resultado das convicções políticas que tinha, mas manifestou vontade de voltar ao anonimato de que antes gozara, como mulher simples do povo.

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E assim foi, porque, apesar de a fotografia em que aparece no meio dos revoltosos se ter tornado icónica – até impressa em postais - não encontrei mais referências públicas à sua pessoa, passada que foi a excitação inicial motivada pela chegada de uma nova forma de organizar o Estado e o poder político.

 

Podemos acreditar cegamente nas palavras do jornal republicano A Capital, que dá à estampa a única entrevista concedida por Amélia Santos, mas também podemos especular se seria mesmo esta a sua história ou se foi ali colocada precisamente para suscitar esta expectável admiração.

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Na imagem, está ao centro o que, conjugado com o facto de ser o único interveniente vestido de branco, inevitavelmente, faz recair sobre si o primeiro e mais impressivo olhar.

O novo regime precisava de heróis, de elementos que apelassem às diferentes camadas da população.

Ora, tudo aqui é simbólico. Esta “heroína”, nem de propósito, tem o nome da rainha deposta, seguido, convenientemente, de um dos apelidos mais comuns em Portugal: “Santos”, já agora, evocativo da igreja católica, que se pretende perseguir.

Mas, Amélia é uma de nós, um exemplo a seguir!

Certo mesmo, é tratar-se de uma mulher portuguesa. Como tal, anos depois, é provável que tenha tido uma desilusão com o novo regime que ajudou a consolidar, quando a Lei Eleitoral de 1913 expressava, como nenhuma outra antes, que apenas os homens podiam votar e excluía também os analfabetos, que constituíam a maioria da população portuguesa.

Mas, não consta que tenha vindo para a rua manifestar-se, porque, de Amélia Santos, não mais se tornou a ouvir falar.

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Duas outras exceções com mulheres, de entre centenas de imagens masculinas.

 

Fontes

Hemeroteca Digital de Portugal

A Capital, 14.10.1910

 

Illustração Portugueza, 10.10.1910; 17.10.1910; 24.10.1910; 07.11.1910; 14.10.1910.

 

Código Eleitoral, Lei nº3 de 3 de julho de 1913, leis nº 36 e nº46 de 15 e 22 de julho de 1913, Biblioteca Popular de Legislação, Imprensa Africana de António Tibério de Carvalho

 

 

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http://casacomum.org/cc/visualizador?pasta=09022.001.101#!2

https://pt.wikipedia.org/wiki/Am%C3%A9lia_Santos

 

https://purl.pt/16520/1/index.html#/1/html

 

https://purl.pt/16520/3/pi-3157-p_PDF/pi-3157-p_PDF_24-C-R0150/pi-3157-p_0000_1-2_t24-C-R0150.pdf

 

 

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