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O sal da história

Crónicas da história. Aventuras, curiosidades, insólitos, ligações improváveis... Heróis, vilões, vítimas e cidadãos comuns, aqui transformados em protagonistas de outros tempos.

O sal da história

Crónicas da história. Aventuras, curiosidades, insólitos, ligações improváveis... Heróis, vilões, vítimas e cidadãos comuns, aqui transformados em protagonistas de outros tempos.

Histórias do Visconde de Montalvo

Jazigo de V. de Montalvo- Cemitério de Setúbal -

 

Quando o pai adoeceu, António de Sousa Brito Maldonado Bandeira acabaria por se fixar em Montalvo, administrando a herdade, à qual a família ainda está ligada e que hoje dá nome a um condomínio turístico. Embora mais conhecido em Setúbal, o visconde tinha outras propriedades em Alcácer e até participou numa exposição universal, com sal das marinhas que detinha neste concelho.

 

A dois passos do jazigo abandonado do Visconde de Alcácer do Sal, no cemitério de Nossa Senhora da Piedade, em Setúbal, está o sepulcro de outro abastado proprietário do mesmo concelho, António de Sousa Brito Maldonado Bandeira, também ele visconde, mas de Montalvo. Este sepulcro é bem mais vistoso e, ao contrário do primeiro, foi reclamado por descendentes vivos, que assumiram os seus direitos de proprietários.

Ambos os viscondes tinham ligações às duas cidades do Sado, mas o de Montalvo, era, no fim da vida - mais conhecido como figura da sociedade setubalense. Nasceu em Évora, em 1841, e, a dada altura, a doença do pai obrigou-o a abandonar os estudos e fixar residência nas suas propriedades da antiga freguesia de São Pedro de Montevil, a meio caminho entre Alcácer do Sal e a Comporta.

Tinha então apenas 19 anos e preparava-se para ingressar na Universidade de Coimbra, onde o progenitor se tinha formado em Direito. No ano seguinte, passaria a administrar a herdade, que já produzia arroz e para a qual havia sido obtida nova autorização de cultivo, em 1853.

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Com a morte do pai - moço fidalgo com honras de exercício no Paço – António passa a ser o representante do Morgadio dos Bandeira, com forte tradição ao serviço da coroa portuguesa. De facto, Eli Juzarte é o mais antigo antepassado que se lhe conhece em Portugal e terá vindo para o nosso País ao serviço de D. Filipa de Lencastre, a princesa inglesa que, casando com D. João I, deu origem à ínclita geração, nos longínquos séculos XIV e XV.

O novo apelido foi ganho no tempo de D. Afonso V, quando Gonçalo Pires (na imagem), durante a Batalha do Toro (1476), resgata um estandarte português que havia sido roubado por um castelhano, passando a ser o primeiro a utilizar o título de “Bandeira”.

António de Sousa Brito Maldonado Bandeira seria também Visconde de Montalvo, a partir de 1888, por mercê de D. Luís I.

No concelho de Alcácer do Sal teria pelo menos mais uma propriedade, uma salina no sítio de Espim do Norte, mas desconheço se foi esta a origem do sal que enviou, em representação de Portugal, à primeira exposição universal a decorrer em solo americano, em 1876.

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Em Setúbal, residia na antiga praça do sapal – hoje praça de Bocage – onde o palacete ainda ostenta o brasão de armas da família. Também lhe pertencia, nomeadamente, um outro palacete, recentemente à venda, na avenida 5 de outubro, a dois passos da Praça do Quebedo.

 

 

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Destacou-se como benemérito, contribuindo para a construção de um novo Hospital da Santa Casa da Misericórdia local, mas nem todos gostavam dele. Na verdade, nas memórias de José Soveral Rodrigues – onde existem diversas imprecisões - o Visconde de Montalvo era apontado como “bruto” e “boçal”, ridicularizando-se o facto de ter casado com uma mulher 43 anos mais velha do que ele – Ana Margarida d’Andrade e Mello - alegadamente devido aos muitos bens que esta possuía e que herdou passados quatro anos, com a morte desta.

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Refira-se, a propósito, que foi um alcacerense que figurou como testemunhas deste enlace, mais propriamente António Pedro Cardoso Morte Certa, que foi vereador na câmara municipal de Alcácer e também participou na exposição universal que se realizou em Filadelfia, mas com vinhos “muito delicados e ricos”, que até ganharam um prémio.

Diz a mesma fonte, que, por vaidade, o Visconde de Montalvo – falecido em 1910 - queria que o poeta popular setubalense, António Maria Eusébio – "O Calafate” - lhe dedicasse um poema. Tanto insistiu, que lá conseguiu, mas o resultado não foi, provavelmente, o que pretendia.

Rezava assim:

"P'ra que serve ao senhor Bandeira
Na casaca ter primor?
E p'ra que serve essa flor
Que fede mais do que cheira?
P'ra que serve essa cacheira
Feita com tanto trabalho?
E mais um "pindoricalho"
Que à cinta fica pendente
A bater constantemente
Na cabeça do c...
Sim!!... P'ra que serve ao senhor Bandeira?!..."



À margem

A herdade de Montalvo estará nas mãos da família Bandeira há 500 anos, embora a área que detêm tenha vindo a diminuir com o tempo, com vendas e doações. Foi Rogélio Pires dos Santos Bandeira, trineto do visconde, quem custeou a reconstrução da igreja de S. Pedro de Montevil, em 1963, também doando terrenos para a construção de um centro de Saúde.

A igreja, cujo altar, em mármore negro de Estremoz, foi pago pelo então rendeiro de Montalvo – Custódio José Falcão Nunes – foi inaugurada em 19 abr. 1964, embora o evento tenha sido adiado várias vezes devido ao mau estado da estrada.

Em 1976, Luís Filipe dos Santos de Sousa Bandeira, mãe e irmã, descendentes do Visconde de Montalvo, doaram um terreno a desanexar da herdade, para a construção do bairro social de Montevil.

Paralelamente, Fernando Alberto Ricca de Sousa Maldonado Bandeira Ferreira, o segundo e último Visconde de Montalvo, falecido em 2002, foi um arqueólogo de renome, com vasto trabalho desenvolvido e publicado.

Curiosamente, a história dá conta de pelo menos outra família Bandeira, com antepassados menos ilustres, mas vidas aparentemente ainda mais abastadas. Jacinto Fernandes Bandeira, um modesto filho de sapateiro de Viana do Castelo, enriqueceu no tempo do Marquês de Pombal e também investiu no Litoral Alentejano. Recriou, numa pequena aldeia junto ao mar, a mesma estrutura urbana desenhada a régua e esquadro desenvolvida em Lisboa após o terramoto. Acabaria por ser agraciado com o título de Barão de Porto Covo, já no reinado de D. Maria I.

Mas isso é outra história…

 

Fontes

Biblioteca Municipal de Alcácer do Sal

Fundo Local

Autorização para o cultivo de arroz em Montalvo, 1853.

Álbum de contemporâneos Illustres (cópia), fascículo 15, Lisboa, Typographia Phenix, 1888.

Jornal Voz do Sado

Coleções de 1963, 1964, 1976

 

Biblioteca Municipal de Setúbal

Gazeta Setubalense, 18.11.1888

 

Biblioteca Nacional de Portugal, e linha

www.purl.pt

Diário Illustrado, 03.03.1910

 

Arquivo Distrital de Évora

Registos Paroquiais

Évora, Santo Antão, nascimentos, PT-ADEVR-PRQEVR-EVR05-001-0031_m0324 -0325

 

Arquivo Distrital de Setúbal

Registos Paroquiais

Setúbal, São Julião, casamentos, PT-ADSTB-PRQ-PSTB03-002-00012_m0361 – 0363.

Setúbal, São Julião, óbitos, PT-ADSTB-PRQ-PSTB03-003-00053_m0008

Setúbal, São Julião, legitimações, PT-ADSTB-PRQ-PSTB03-004-00007_m0004

 

Arquivo Nacional da Torre do Tombo, inventário de extinção do convento de Santa Joana de Lisboa, PT-TT-MF-DGFP-E-002-00078.

 

http://memoriarecenteeantiga.blogspot.com/2006/12/notcias-do-setubalense-1949.html

citando: Nota sobre o Visconde de Mantalvo, nas Memórias do Dr.Soveral Rodrigues. Directório "Isolados" ,Arquivo "Dr.Soveral", Pág.11) :

 

 

Fernando Teigão dos Santos e Pedro Costa, A Lisboa Subterrânea do Marquês de Pombal – Em busca dos segredos das águas livres, Lisboa, 2018, Caleidoscópio – Edições e Artes Gráficas, Lda.

Jacinto Fernandes Bandeira, 1º barão de Porto Covo da Bandeira, * 1745 | Geneall.net

Barão de Porto Covo da Bandeira – Wikipédia, a enciclopédia livre (wikipedia.org)

Eli Juzarte (ou Lizarte) | Geneall.net

Gonçalo Pires Juzarte ou Gonçalo Pires Bandeira | Geneall.net

Costados de António de Sousa Brito Maldonado Bandeira, 1º visconde de Montalvo, * 1841 | Geneall.net

 

 

Imagens

Cemitério de Nª Sª da Piedade, Setúbal, fotografia de Cristiana Vargas.

Álbum de contemporâneos Illustres (cópia), fascículo 15, Lisboa, Typographia Phenix, 1888.

Viajar e descobrir: Portugal - Setúbal - Palácio do Morgado da Bandeira

Casa Nobre para reabilitar no Centro Histórico de Setúbal (kwportugal.pt)

 

www.geneall.net.pt

 

 

 

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