Imposto sobre o vinho ajudou a pagar estradas para Beja e Évora
João VI elogiou o patriotismo dos alcacerenses, reunindo dinheiro para pagar as obras. Uma parceria no mínimo curiosa à luz dos tempos que correm e que, em conjunto com novos impostos, custeou os acessos.
É ponto assente que Alcácer do Sal tem uma localização geográfica estratégica: a porta do Alentejo, por assim dizer. Mas, também é verdade que as ligações por estrada ao interior constituem uma dor de cabeça para as populações e entidades oficiais daquele concelho, pois apresentam periodicamente sinais de desgaste que dificultam a circulação de pessoas e bens. Ora, em 1822, os alcacerenses uniram esforços e dinheiro - no que hoje poderia chamar-se uma parceria público-privada -, para convencer o rei a avançar com a recuperação das estradas e pontes entre Alcácer, Évora e Beja. Sem dúvida uma iniciativa que os governos atuais muito apreciariam.
João VI, que havia regressado um ano antes do Brasil e tinha mandado averiguar precisamente o que seria necessário fazer-se para conseguir um “fácil e seguro trânsito” nestes percursos, aceitou o desafio e deu indicações para que as obras avançassem, fazendo publicar um anúncio onde elogiava a mobilização alcacerense, que deveria ser vista como um exemplo de “patriotismo” e “bons sentimentos”, tendo a sua demanda merecido a “real aprovação de sua majestade”, como se pode ler no Diário do Governo de então.
O líder deste movimento foi Manoel Ferreira Tavares Salvador. Este beirão, natural de São João da Pesqueira, havia sido Juiz de Fora em Alcácer do Sal e por lá acabaria por casar e deixar descendência ilustre de que se falará noutra crónica. Talvez por conhecer bem o terreno, foi incumbido de fazer a intermediação entre a vontade real e as pretensões dos locais.
Conseguiu que, em sessão do senado camarário, de 22 de maio, se aprovasse um compromisso que associava “Câmara, nobreza e povo da vila”. O município entregava a renda do paço da vila, sobretaxava a Sisa e o movimento marítimo, criando igualmente novos impostos para ajudar à angariação de fundos: um real a mais sobre cada alqueire (cerca de 13 litros) de produtos transacionados no Paço local e 5 reis por cada quartilho (meio litro) de vinho de fora aqui vendido.
Este último expediente, que de forma alguma é uma novidade na história de Portugal, foi apontado como “um dos maiores meios e mais suaves” com que as obras podiam “ser auxiliadas”.
A decisão ditava ainda que, quem tivesse carroças, “ofereceria” o transporte de material para ajudar aos trabalhos. Um total de 2.705 carradas por ano, em 105 carros existentes neste termo.
Para que a sua atitude fosse reconhecida, o Diário do Governo publicava a lista de cidadãos que, voluntariamente ou pressionados para tal, entregavam contributos monetários significativos para o projeto. Os valores mais elevados couberam à generosidade e fortuna de António de Mattos, José da Costa Passos e o próprio Manoel Tavares Salvador, mas colaboraram muitos outros, como o então juiz de fora, António José Dias Lopes de Vasconcelos; o capitão-Mor, Manuel Coelho; o médico, Hipólito Nobre; o vereador, José Manuel Lobato; párocos das várias igrejas, lavradores e cidadãos mais ou menos abastados, mas com sobrenomes que ainda hoje se conhecem em Alcácer: Frota; Galvão, Reis; Salema; Rosa, Telles, Banha…
O conselheiro José Xavier da Cunha d’ Eça Telles de Menezes superou tudo e todos, comprometendo-se com 240 mil reis.
As populações do Torrão e Beringel, amplamente beneficiadas com a ligação a Beja, também não ficaram à margem, mas não foi possível apurar quanto conseguiram juntar e que subterfúgios encontraram para obter mais dinheiro.
À margem
Em diversos momentos da história de Portugal se usaram impostos sobre o vinho – também sobre outrosprodutos de grande consumo e até de primeira necessidade, como a água – para suprir os défices do Estado. Só a título de exemplo, no longínquo século XIV, a sisa sobre o vinho foi usada para concluir a construção da cerca nova de D. Fernando, bem como para fazer obras em muros e portas da cidade e custear o abastecimento de pão. D. Manuel I instituiu imposto sobre o vinho, em Lisboa, para financiar trabalhos naquela cidade, o mesmo foi usado para ajudar ao projeto de abastecimento das Águas Livres. D. Sebastião José de Carvalho e Melo utilizou igual expediente para as obras de guarda e segurança dos depósitos do senado da Capital. Nada de novo, portanto. Curioso mesmo é que, a cada aumento dos impostos, se seguiam requerimentos dos escrivães e dos executores das taxas, pedindo mais vencimento devido ao incremento no seu trabalho.
Mas isso é outra história…
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http://www.worldheritageofportugueseorigin.com/2015/08/04/the-king-arrival-from-brazil-in-1821/
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Arquivo Fotográfico Municipal de Lisboa
Ferreira da Cunha, atr
PT/AMLSB/EFC/002151
Diário do Governo nº152
Arquivo Municipal de Lisboa
http://arquivomunicipal.cm-lisboa.pt/pt/
Resolução do concelho em lançar sisa sobre o vinho
PT/AMLSB/CMLSBAH/CHR/005/0002/0006
D. Fernando autoriza o concelho de Lisboa a aumentar a sisa do vinho
PT/AMLSB/CMLSBAH/CHR/005/0025/0087
Aviso determinando que o acréscimo do contrato dos reais d'água e do vinho seja aplicado na obra de guarda e segurança dos depósitos do senado.
PT/AMLSB/CMLSBAH/CHR/010/0074/0029
Aviso sobre as novas imposições nos reais da carne e do vinho
PT/AMLSB/CMLSBAH/CHR/010/0053/0015
João III ordena o fim da imposição sobre o vinho
PT/AMLSB/CMLSBAH/CHR/005/0016/0006