Instantâneos (102): o fado nasceu um dia…
“Na amurada dum veleiro, no peito dum marinheiro que, estando triste, cantava”…
Mais de meio século, separam esta pintura de Constantino Fernandes e a gravação que Amália Rodrigues fez do poema de José Régio musicado por Alain Oulman.
Mas, no entanto, parece que nasceram juntas.
As imagens mostram o fado de muitos portugueses que, ao longo dos séculos, se fizeram ao mar em busca do sustento ou de uma vida melhor.
A obra, pintada por Constantino Fernandes (1878-1920) nos primeiros e conturbados anos da República no nosso País, retrata essa nostalgia que acompanha quem tem de trocar o lar, o colo onde nasceu, mas o quotidiano tornou pouco acolhedor, por um destino promissor, mas incerto.
Mostra o adeus de mulher e mãe - o “Adeus Maria” de que fala José Régio - envolvendo aí todas as portuguesas - e a “canção magoada” tocada pelos marinheiros tristes nos momentos de acalmia entre cada período de azáfama a bordo, quer fosse no transporte de mercadorias, ou na “faina maior” do nosso povo, a pesca do bacalhau, na Terra Nova.
Era nessas curtas paragens, quando “o vento mal bulia e o céu o mar prolongava”, olhando o horizonte vazio de gente e pleno de azul, que a saudade apertava, lembrando os que tinham ficado na lusa terra “de lindeza tamanha” e não sabiam se veriam novamente.
Desconheço se José Régio se inspirou no tríptico de Constantino Fernandes para escrever este magistral poema editado em 1941, mas não poderia haver melhor legenda para a obra, para mais, soberbamente musicado, dedilhado na nossa guitarra e cantado por voz tão portuguesa como a de Amália. Verdadeiras obras-primas…
Este conjunto, pintado em 1913, foi considerado inovador e original. É o trabalho mais conhecido do pintor, que se notabilizou também como cientista e provocou admiração pelo método apurado, que o levava a fazer uma pesquisa pormenorizada sobre cada tema que pretendia ilustrar.
Para pintar O Marinheiro, mergulhou na profissão com tal afinco que ficou profundo conhecedor das mais complexas práticas náuticas, aprestos, armações, velame e mastreação, como qualquer experiente lobo-do-mar.
Mas, o trabalho artístico de Constantino Fernandes não é só O Marinheiro. Como prova, fica aqui mais uma obra do artista que me impressionou pela inegável beleza e a cândida emoção que transmite. Trata-se de um retrato do menino Manuel Vítor Guerreiro (filho), traçado em sanguínea, em 1917.
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Nota: Este tríptico de grandes dimensões – óleo sobre tela - pertence ao Museu do Chiado – Museu Nacional de Arte Contemporânea, mas pode ser apreciado no Museu do Fado, onde está por empréstimo.
Aqui pode ouvir o fado, cantado por Amália Rodrigues.
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Fontes:
http://www.museuartecontemporanea.gov.pt/pt/pecas/ver/412/artist
Texto de Raquel Henriques da Silva no catálogo do Museu do Chiado
http://www.museuartecontemporanea.gov.pt/pt/artistas/ver/153/artists
Texto de Maria Aires Silveira
"O Marinheiro", Constantino Fernandes, 1913 Óleo s - Facebook
https://www.facebook.com › museu.do.fado
https://pt.wikipedia.org/wiki/Fado_Portugu%C3%AAs
Diário Popular, 11.11.1950
Illustração, 20.01.1923