Instantâneos (104): por que carga d’água é que chegamos lá acima?
O primeiro funicular da Península Ibérica e o mais antigo do mundo a funcionar a água. Dito assim, parece extraordinário – e até é – mas quando foi inaugurado, completam-se agora 141 anos (25 de março de 1882), o denominado plano inclinado automotor do Bom Jesus de Braga quase passou despercebido. Não era então possível saber que este elevador daria o pontapé de saída para todos os outros que se seguiram, com destaque para Lisboa, onde chegou a haver nove em atividade.
Numa altura em que quase toda a maquinaria funcionava a vapor, foi adotada uma tecnologia não poluente, pois este ascensor move-se sobre carris, através de um sistema de cabos, pesos e contrapesos, acionado pela carga da água.
As duas cabinas estão interligadas. Quando uma delas está no ponto mais alto, o seu reservatório é atestado, o que a faz descer. Esse movimento impele a outra cabina a subir, alternando com a primeira. O ciclo repete-se a cada viagem, com a água a ser despejada, para regar os campos em volta, de cada vez que as cabinas estão na zona mais baixa do percurso.
Este novo meio de transporte veio substituir os antigos veículos de tração animal, encurtando a viagem: demora apenas três minutos para superar o desnível de 116 metros até ao santuário*.
A ideia e a iniciativa partiram do empresário bracarense Manuel Joaquim Gomes, mas o autor do mecanismo foi o suíço Riggembach, a quem foram encomendadas as engrenagens e outros componentes, montados em Portugal segundo os planos da casa-mãe.
Dias antes da inauguração, um grupo de responsáveis pelos caminhos-de-ferro e obras públicas ensaiaram o elevador do Bom Jesus e não se esqueceram de testar os freios, que funcionaram exemplarmente. Simulou-se a queda livre de uma das cabines e o homem que havia sido o encarregado português dos trabalhos de construção e instalação acionou o travão, imobilizando o funicular bruscamente em menos de um metro.
Na época, o engenheiro portuense de origem francesa, Raoul Mesnier de Ponsard era pouco conhecido, mas rapidamente seria catapultado para o sucesso, tantas foram as “encomendas” de novos elevadores nos anos seguintes, estes já projetados e executados por si: funicular dos Guindais, no Porto; elevador da Nazaré; o comboio do Monte, no Funchal e nove ascensores em Lisboa: Lavra, logo em 1884; Glória; Santa Justa e Bica, ainda em funcionamento e os ascensores da Biblioteca, Estrela, Graça, Chiado e São Sebastião, cuja atividade já cessou.
Mesnier, diga-se, era um homem a quem não faltavam criatividade e engenho. Mesmo tão ocupado, ainda teve tempo para outras invenções, entre as quais se destaca o Aritmotecno, ou máquina de somar, apresentada no mesmo ano em que inaugurou o elevador de Braga. Trata-se de um aparelho (na imagem) que permitia rapidamente efetuar operações matemáticas com números até seis algarismos. Um precursor das máquinas de calcular, que chegou a ser utilizado em estabelecimentos comerciais e outras empresas portuguesas.
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*Quem pretender uma experiência mais atlética ou redentora, tem sempre a opção do escadório, com imensos pontos de interesse e simbolismos relacionados com a tradição católica.
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Fontes
Fontes
Hemeroteca Digital de Lisboa
Hemeroteca Digital (cm-lisboa.pt)
O Occidente – Revista Illustrada de Portugal e do Estrangeiro
11.03.1882
01.05.1882
Brasil-Portugal
16.09.1901
Biblioteca Nacional de Portugal
23.03.1882
31.03.1883
03.03.1883
Raoul Mesnier de Ponsard – Wikipédia, a enciclopédia livre (wikipedia.org)
Elevador ou Funicular – Confraria do Bom Jesus do Monte
Elevador do Bom Jesus – Wikipédia, a enciclopédia livre (wikipedia.org)
Imagens
O Occidente – Revista Illustrada de Portugal e do Estrangeiro
11.03.1882
01.05.1882
GOMES, João Baptista Vieira – PRESPECTIVA DO SANCTUÁRIO DO SENHOR BOM JESUS DO MONTE, NOS SUBURBIOS DA CIDADE DE BRAGA, 1822, in Eduardo Pires de Oliveira, Os mais Antigos Prospectos do Santuário do Bom Jesus do Monte, FORUM 47•48, 2012/2013, Pág. 85-104. Disponível aqui: 3ead3293-0c05-4aff-aa31-dfd6b0203685 (sacrimonti.org)