Instantâneos (108): libreto para uma ópera breve
Sete meses. Apenas sete meses sobreviveu o grandioso edifício mandado construir por D. José I para deleite dos amantes do canto lírico, entre os quais se contava o próprio. A magnífica Casa da Ópera, erguida a pouca distância do Paço da Ribeira e do rio Tejo - em Lisboa - ficou reduzida a escombros a 1 de novembro de 1755. Ali ao lado, a nova Patriarcal, erigida nove anos antes e também engrandecida com o melhor que o ouro do Brasil podia pagar, teve igual destino. Profano e sagrado receberam o mesmo nefasto impacto do abalo de terra e de toda a desgraça que se lhe seguiu. Sobre as ruínas estão hoje espaços com utilizações bem diferentes.
Custou mais de 183 milhões de reis e foi, entre nós, a primeira sala construída de raiz para receber espetáculos de ópera à italiana. É certo que tanto D. João V, como o filho, D. José, gostavam desta arte, mas a rainha-mãe, Maria Ana de Áustria, nada e criada numa corte especialmente amante da música erudita, terá sido determinante para que se tomasse a decisão*. A conjuntura, particularmente próspera e propensa a edificações deslumbrantes e imponentes, fez o resto.
Com base nisso, contratou-se Giovanni Carlo Bibiena. Embora modesto, pertencia à mais célebre linhagem de arquitetos de teatros líricos – edifícios e cenografia.
Este, que por cá deixou vasta obra, estava longe de adivinhar que também seria responsável, nomeadamente, pelo traço da célebre Real Barraca (na imagem) e de um outro teatro nascido na zona da Ajuda, onde o rei, toda a família e a corte se refugiaram depois de tudo acalmar, aterrorizados com a perspetiva de enfrentar novo tremor de terra.
À esquerda, o edifício mais alto é a Casa da Ópera. À direita, o Paço da Ribeira. Ao centro, a torre da Nova Patriarcal
A desaparecida Ópera do Tejo, como ficou conhecida, teria capacidade para 600 pessoas, distribuídas pela plateia e 38 camarotes, em quatro níveis. Como seria de prever, a tribuna real ocupava o local mais central e com melhor visibilidade. A importância social e política de cada um era medida de acordo com a distância a que o seu lugar ficava do Monarca.
A decoração, de molde a ofuscar tudo o que no nosso Pais já se tinha visto, era a mais luxuosa que se possa imaginar, em branco e dourado.
Para a inauguração – a 31 de março, dada de aniversário da rainha Mariana Vitória - escolheu-se a ópera Alessandro nell’Indie, com libreto de Pietro Matastasio, que incluía a entrada do protagonista – Alexandre, O Grande - montado num garboso cavalo e puxado por 25 soldados. Um espetáculo grandioso, num não menos magnificente palco, onde se ergueram cenários espetaculares (nas imagens).
Houve ainda tempo para ver outra peça, desta vez comemorativa do dia em que o rei fazia anos. Foi a 6 de junho, com La Clemenza di Titto.
A 4 de novembro** estaria tudo a postos para a estreia de Antígono, tal como a anterior, do compositor Antonio Mazzoni, que só voltaria aos palcos portugueses, 256 anos após esta primeira estreia gorada.
No lugar da antiga Casa da Ópera e aproveitando parte das ruínas, foi construído o edifício do Arsenal da Marinha, porque a nossa Capital só teria um novo teatro lírico – o Real Teatro de São Carlos - em 1793, num local alto e longe do Tejo, não fosse o diabo tecê-las.
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*Já não a veria concretizada, porque morreu no ano anterior à inauguração
**Alguns autores defendem que estreou a 16 de outubro, mas a mais recente leitura dos documentos aponta para que estrearia no dia de S. Carlos Borromeu, 4 de novembro.
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Nota: as imagens 1 e 2 não são reais. Foram criadas com base em informação real e recursos tecnológicos específicos.
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Fontes
Eduardo Francisco Durão Antunes, Ópera do Tejo – Investigação e reconstituição tridimensional, Dissertação de natureza científica para obtenção do grau de Mestre em Arquitetura, Lisboa, Faculdade de Arquitetura da Universidade de Lisboa, 2015.
Disponível aqui: Ópera do Tejo - http://hdl.handle.net/10400.5/8909
Maria Aparecida Stelzer Lozorio, Ópera do Tejo, Prelúdio de uma pesquisa, in Diálogos sobre modernidade nº4, 2022.
Disponível aqui: n. 4 (2022) | Diálogos sobre a Modernidade (ufes.br)
Luís Alves da Costa, Lisboa e a Real Ópera do Tejo: um módulo iluminado, entre atlantes e tritões, Cities in the digital age - exploring past, present and future = cidades na era digital: explorando o passado, presente e futuro, CITCEM – Centro de Investigação Transdisciplinar Cultura, Espaço e Memória, 2018,, pag. 47-62.
Disponível aqui: 17480.pdf (up.pt)
Diário de Notícias, 30.04.2016, texto de Lina Santos, sobre conversa com a estudiosa Aline Gallasch-Hall de Beuvink: Sete novas verdades sobre a Ópera do Tejo saem à luz (dn.pt)
Galli da Bibiena family | Members & Facts | Britannica
Antigono (Mazzoni) – Wikipédia, a enciclopédia livre (wikipedia.org)
Imagens
Renasceu a Lisboa antes do terramoto | PÚBLICO (publico.pt)
Lisboa antes do terramoto de 1755 – Bibliotecas e humanidades digitais (hypotheses.org)
Lisboa antes do terramoto de 1755 era das cidades mais ricas do mundo (portugaldenorteasul.pt)
Real Barraca | História de portugal, Barraca, Locais (pinterest.pt)
Biblioteca Nacional de Portugal
[Alessandro nell'Indie] : [atto secondo, scena prima-scena IV, Gabinetti Reali] / Ioan Berardi... sculpsit 1754 Lisbonae. - [Lisbona : Nella regia stamperia Sylviana, e dell'Accademia Reale, 1755]. - 1 gravura : água-forte, p&b; 16,1x22,7 cm (matriz)
[Alessandro nell'Indie] (bnportugal.gov.pt)
[Alessandro nellªIndie] : [atto secondo, scena V, campagna sparsa di fabbriche antiche con tende, ed alloggiamenti militari preparati da Cleofide per lªesercito greco, ponte sullªIdaspe, campo numeroso dªAlessandro disposto in ordinanza di là dal fiume, con elefanti, torri, carri coperti, e macchine da guerra] / Ioannes Berardi... sculpsit Lisbonae 1755. - [Lisbona : Nella regia stamperia Sylviana, e dellªAccademia Reale, 1755]. - 1 gravura : água-forte, p&b; 17,8x22,7 cm (matriz)
[Alessandro nellªIndie] (bnportugal.gov.pt)