Instantâneos (109): vai um cafezinho sem ferrugem?
Quando, em meados do século XIX, a ferrugem do cafeeiro atacou, destruindo plantações inteiras e levando alguns estados mais dependentes desta cultura à bancarrota, estávamos longe de imaginar que a solução para tão grande mal estaria em Portugal, e que, tantos anos depois, todo o mundo estaria a beber café gerado por esse “milagre” português,
A ferrugem – assim chamada devido às manchas alaranjadas que o fungo hemileia vastatrix provoca nas folhas do cafeeiro – foi pela primeira vez detetada em 1861, no Quénia.
Nessa mesma década, terá sido acidentalmente transportada do leste de África para o Ceilão, hoje Sri Lanka, que na época era o terceiro maior exportador de café. Enquanto o ambiente seco dos territórios africanos de origem, caso do Iémen ou Etiópia, inibia o desenvolvimento da maleita, a sua nova “casa”, onde foi primeiramente detetada em 1869, tinha condições para prosperar, na mesma medida que a produção de café definhava, obrigando à aposta noutras culturas, como o chá.
Um século depois, a ferrugem tinha-se espalhado à escala global, com efeitos arrasadores.
Face a este cenário, em 1955, em Portugal, aproveitando todo o conhecimento derivado das relações com as suas colónias ultramarinas, o interesse e financiamento norte-americanos – do célebre Plano Marshall - funda-se o Centro de Investigação de Ferrugens do Cafeeiro (CIFC), em Oeiras.
É então que se recupera uma informação com cerca de 30 anos. Na década de 20 tinha causado alguma perplexidade a descoberta, em Timor, de pés de café que, aparentemente, passavam incólumes à ferrugem, inesperadamente mantendo-se de pé em campos totalmente devastados.
Sementes dessas plantas sobreviventes foram trazidas para Portugal. Tratava-se de um híbrido das espécies Robusta e Arábica, uma mistura criada espontaneamente na natureza. Tirando o facto de ser resistente à doença – e já não era pouco – nada mais tinha de extraordinário, porque os seus frutos não eram abundantes e a planta era alta de mais.
Decidiram então cruzá-la com outras mais produtivas, como a Caturra. Nascia, assim, a Catimor, resistente a todas as variantes do fungo e que, por isso, revolucionou totalmente o sector.
Portugal ofereceu as sementes recentemente criadas a cerca de meia centena de países cafeeiros, que as multiplicaram e cruzaram com outras qualidades vulneráveis, tornando-as imunes à maldita doença.
Atualmente, 90 por cento das variedades mais divulgadas e comerciais de cafeeiro resistentes ao famigerado fungo foram criadas em Oeiras, independentemente de terem sido patenteadas noutros países que, assim, se apropriaram do tal “milagre”, ganhado milhões.
De resto, o centro de investigação ainda hoje existe. Possui mais de três mil amostras de ferrugem, de 45 diferentes estirpes, com que testa cafeeiros enviados de todo o mundo. Num país como Portugal, que não produz os aromáticos grãos da popular bebida, há cinco mil metros quadrados de estufas com cafeeiros, que são a maior mancha de café da Europa.
Fontes
Stuart Mccook,,Crónica de uma praga anunciada epidemias agrícolas e história ambiental do café nas Américas, History Department. University of Guelph. Guelph ON N1G 2W1. Canada.
Projeto luso-timorense para salvar o café mundial — Plataforma Media
O Público 29.04.2005, texto de Teresa Firmino.
A odisseia de Catimor, uma planta cuja história começa em Timor | Ciências | PÚBLICO (publico.pt)
Diário de Notícias, publicando notícia de Helena Tecedeiro, Agência Lusa, 04.08.2012
Os melhores segredos do café estão em Portugal (dn.pt)
História do café | PPT (slideshare.net)
História do Café (cafeodebrecht.com.br)
Ferrugem-do-café – Wikipédia, a enciclopédia livre (wikipedia.org)
Imagens
Moedor de café antigo: Conheça o melhor modelo de (10/23) - GUIA55
Coffee 101: What Does a Coffee Plant Look Like? – The Roasterie