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O sal da história

Crónicas da história. Aventuras, curiosidades, insólitos, ligações improváveis... Heróis, vilões, vítimas e cidadãos comuns, aqui transformados em protagonistas de outros tempos.

O sal da história

Crónicas da história. Aventuras, curiosidades, insólitos, ligações improváveis... Heróis, vilões, vítimas e cidadãos comuns, aqui transformados em protagonistas de outros tempos.

Instantâneos (116): o mortal estudo das letras

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Em Portugal, Curso Superior de Letras só foi criado 569 anos após a fundação do Estudo Geral de Lisboa, uma obra de D. Dinis. A decisão de individualizar e elevar os temas das “humanidades” a uma categoria universitária coube ao jovem D. Pedro V, em 1859.  Os primeiros momentos, no entanto, foram tão difíceis e esgotantes, as provas de admissão tão exigentes, que se mostrou extremamente difícil compor o quadro docente, havendo quem recusasse a responsabilidade, um professor que enlouqueceu, outro que até morreu, extenuado com o estudo.

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Foi o caso de D. José de Almada e Lencastre (na imagem), que sucumbiu ao trabalho necessário para se submeter ao exame para assumir a cadeira de Filosofia, talvez também “ofendido no íntimo d’alma pela grave injustiça da classificação” obtida. Tinha 33 anos e uma fulgurante carreira literária pela frente.

Pelo menos era isso que prometiam as obras publicadas até então e as conhecidas postumamente, que o colocaram, segundo opiniões respeitadas, entre os melhores escritores portugueses.

Embora jovem, foi jornalista e dramaturgo de reconhecido valor, com comédias e dramas adaptados ao teatro e muito bem recebidos pelo público e pela crítica. Foi, também, um exímio guitarrista e fadista, mas apesar do brilhantismo, mal conseguia pagar as acanhadas águas-furtadas onde vivia.

Mas, voltemos ao curso…

Um aluno enlouqueceu e, depois da recusa de António Feliciano de Castilho para assegurar a cátedra de Literatura Moderna da Europa, o rei rejeitou outro nome apontado: José Maria Latino Coelho.

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O professor substituto, António Pedro Lopes de Mendonça (na imagem), poucas aulas deu, derrotado pela ansiedade da tarefa. A doença mental levou ao seu internamento compulsivo no manicómio de Rilhafoles.

Morreu louco, antes de completar os 39 anos de idade, em 1865, mas deixou amplo trabalho de crítica literária, folhetim, romance e jornalismo. Premonitoriamente, anos antes tinha escrito o romance Memórias dum Doido.

A cadeira passou depois, sucessivamente, para as mãos de Luís Augusto Rebelo da Silva e de José da Silva Mendes Leal.

Foi o próprio D. Pedro V que fez os primeiros convites para as cátedras que constituíam a base do curso. Para Literaturas Gregas e Latinas, escolheu o seu mestre, António José Viale. Luís Augusto Rebelo da Silva assumiu a cadeira de história, após a impossibilidade do primeiro escolhido.

Perspetivaram-se logo mais duas outras cadeiras. Como não se concretizaram os concursos para preenchimento das cátedras, optou-se pela figura dos cursos livres, “mas os docentes sucumbiram ao seu esforço”. Um ano depois, no entanto, mais duas disciplinas compõem o elenco: história universal filosófica e filosofia transcendente”.

Por fim, morreu o precursor e principal mentor do Curso Superior de Letras. Apenas dez meses depois da abertura formal daquela formação universitária, cinco dias depois do desaparecimento do seu irmão Fernando e um mês antes de o mesmo mal levar o outro príncipe, João, finou-se D. Pedro V, o rei que amava a instrução em geral e as letras em particular.

 

Fontes

Aires A. Nascimento, O estudo das letras, caminho para sabedoria: evocação do 150º aniversário da fundação do curso superior de letras de lisboa por d. pedro v, Academia das Ciências de Lisboa, Classe de Letras, 25 fevereiro 2010. Aqui: anascimento_o_estudo_das_letras.pdf (rcaap.pt)

 

Júlio Cesar Machado, Apontamentos de um folhetinista, Porto, Thypographia da Companhia Litterária -  Editora, 1878. Disponível aqui:

https://ia800202.us.archive.org/14/items/apontamentosdeum00mach/apontamentosdeum00 https://books.google.pt/books?id=8XpZAAAAcAAJ&printsec=frontcover&hl=pt-PT&source=gbs_ge_summary_r&cad=0#v=onepage&q=almada&f=false mach.pdf

 

Carteira do Artista, de Sousa Bastos, apontamentos para a historia do theatro portuguez e brazileiro. Acompanhados de notícias sobre os principaes artistas, escriptores dramaticos e compositores estrangeiros, 1899.
https://archive.org/stream/carteiradoartist00sousuoft/carteiradoartist00sousuoft_djvu.txt

 

José Maria de Andrade Ferreira, Reinado e últimos momentos de D. Pedro V, Lisboa, Livraria de António Maria Pereira, 1861. Disponível aqui:

Reinado e ultimos momentos de D. Pedro V. - José Maria de Andrade Ferreira - Google Livros

 

A Faculdade - Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa (ulisboa.pt)

 

Imagens

Biblioteca Nacional de Portugal

Gravura de João Cristino, Lithographia Lopes&Bastos, 1853. Disponível aqui: José d'Almada e Lencastre, [Lisboa?, imp. 1853 - Biblioteca Nacional Digital (purl.pt)

 

António Pedro Lopes de Mendonça – Wikipédia, a enciclopédia livre (wikipedia.org)

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