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O sal da história

Crónicas da história. Aventuras, curiosidades, insólitos, ligações improváveis... Heróis, vilões, vítimas e cidadãos comuns, aqui transformados em protagonistas de outros tempos.

O sal da história

Crónicas da história. Aventuras, curiosidades, insólitos, ligações improváveis... Heróis, vilões, vítimas e cidadãos comuns, aqui transformados em protagonistas de outros tempos.

Instantâneos (121): O domador das sete vidas…e o felino que só teve uma

 

 

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Max Himm estava de passagem por Lisboa quando o pior aconteceu. Nem o facto de já anteriormente (e por seis vezes!)  ter sido atacado por feras, o tornara mais preparado para o susto que apanhou, naquela primavera de 1893. Por pouco não foi comido por uma das leoas, vedetas do espetáculo que pretendia apresentar nessa semana, no Real Coliyseu, na rua da Palma.

Com pressa de treinar os animais para a estreia, marcada para o dia seguinte, Max Himm entrou na jaula onde estavam três leões e duas leoas. Uma das fêmeas começou imediatamente a rugir ameaçadoramente e arremessou-se contra o domador, atirando-o ao chão e tentando abocanhá-lo. Seguiu-se uma luta encarniçada entre os dois, que só abrandou quando o corajoso homem meteu a mão na boca do animal e lhe torceu a língua, o que fez abrandar o impulso, mas não largar completamente a sua presa.

Por sorte, os outros felinos mantiveram-se impávidos e serenos nos seus postos, observando a contenda, enquanto os elementos da companhia tentavam desviar a atenção da leoa com jatos de água. Em vão.

O animal só libertou o seu domador, já com o peito dilacerado, quando, vindo em salvação, o atirador Rossell, lhe desferiu um certeiro tiro de carabina, em cheio no coração.

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Max Himm tinha então 23 anos de idade e trabalhava com feras desde os 15, tendo aprendido os truques do ofício com seu pai, cujas pisadas seguiu. Não espanta, pois, que, no seu currículo, tivesse outros confrontos graves com animais ferozes. Em Angers, Paris e Saint Denis (França), foi repetidamente atacado por um urso negro.  Sofrera ataques de um leão, em Brest (França) e de um tigre real, que o deixou em muito mau estado, em Paris. Havia sido vítima de outra leoa, apenas dois anos antes, também na capital francesa.

Se Max Himm fosse um gato, talvez tivesse sido sensato mudar de profissão, visto que estariam esgotadas as sete vidas com que a mãe natureza idealmente o havia dotado. Como era um homem, logicamente menos racional nas suas decisões, continuou com a única profissão que conhecia, arriscando-se a ser tragado pelas feras, que não foram talhadas para demonstrações, antes, deviam ter sido deixadas em paz lá nas paragens de origem.

O caso foi muito falado pelos jornais e passou no boca a boca, com resultados positivos na afluência de público. Max Himm, ainda em recuperação, não atuou logo (só voltou aos palcos duas semanas depois). Fizeram as despesas da casa, o sr. Poisson, domador, e a menina Sandowa (mulher de Himm), que tocava bandolim enquanto os animais mostravam as suas habilidades, sempre a toque de chicote. Para aumentar o dramatismo, o corpo da leoa morta esteve exposto no recinto, atraído ainda mais gente e, depois, também foi exibido o fato rasgado do adestrador.

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Quanto ao Capitão Rossell, João Kail Martinette de batismo, passou a sua infância e adolescência nos Estados Unidos da América, onde se estreou como palhaço e atirador, atuando com o famoso Bufallo Bill num espetáculo sobre o velho Oeste. Foi nesta última vertente que fez carreira, mudando-se para a Europa, que calcorreou, apresentando-se em circos e teatros. Veio muitas vezes a Portugal. Tantas, que casou por cá, com Remédios Diaz, filha do então empresário do Real Colyseu de Lisboa e também artista circense. O facto de ter salvo Max Himm com um único tiro, firme e preciso, deu-lhe ainda mais prestígio entre nós.

Em 1906, Max Himm e a mulher abandonam as apresentações com feras e dedicam-se às projeções de cinematografo, então muito em voga e bem menos arriscadas. Mas, parece que quem já viveu o perigo não o consegue evitar e, por pouco, não foram excomungados. Ficaram-se pela expulsão de uma feira, por apresentarem imagens contrárias à religião.

 

 

Fontes

Biblioteca Nacional de Portugal, em linha

www.purl.pt

Diário Illustrado,

30.04.1893, 02.05.1893, 03.05.1893, 04.05.1893, 12.05.1893

 

Jornal do Porto,

20.05.1890

 

Hemeroteca Digital de Lisboa

https://hemerotecadigital.cm-lisboa.pt

A Semana de Lisboa,

30.04.1893

 

https://www.calameo.com/read/0054976340304bf77bfbf

MAX-HIMM & MISS de SANDOWA | Paris Musées

Martin Barnier, Bruits, cris, musiques de films, Les projections avant 1914, Nouvelle édition [en ligne]. Rennes : Presses universitaires de Rennes, 2010 (généré le 01 juin 2016). Disponible sur Internet : . ISBN : 9782753527164. Disponível aqui: (PDF) Bruits, cris, musiques de films

 

Imagens

Diário Illustrado, 30.04.1893

MAX-HIMM & MISS de SANDOWA | Paris Musées

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