Instantâneos (122): a torre vaidosa e a promessa do comboio
A Torre de Belém ergue-se imponente há séculos, forte e bela, tão aparentemente delicada na sua ornamentação quase exibicionista, que ninguém diria ter sido construída como elemento defensivo. Mas, esta fotografia de 1862 mostra algo curioso, a promessa de um comboio que demorou mais de três décadas a concretizar-se, contrastando com o antigo baluarte, erguido em apenas cinco anos.
No canto inferior esquerdo da imagem vemos pilhas de toros, algumas já derrubadas, envolvidas pela vegetação que cresce em volta. São vestígios do grande projeto que pretendia ligar Lisboa a Sintra por comboio e que, tendo sido iniciado em 1854, não chegou a bom porto. A linha ferroviária que hoje conhecemos, aliás, sofreu diversas vicissitudes e reformulações, atrasos e cancelamentos, só começando a funcionar em 1889, com a inauguração do primeiro troço, entre Pedrouços e Cascais. Em dezembro do ano seguinte fazia- se a ligação até Alcântara-Mar que, em 1896, passaria a linha dupla.
A tudo isto assistiu impávida e serena a Torre de Belém, construída entre 1514 e 1519, mas não sem demoras, visto que já desde o reinado de D. João II estava previsto um fortim à entrada da barra, elemento da defesa tripartida que se pretendia com as fortificações de Cascais e de S. João da Caparica.
Como estrutura defensiva – que depois também serviu de cadeia - poderia ser apenas robusta e funcional, mas optou-se por seguir a mesma linha de magnificência e ostentação patente no contemporâneo Mosteiro dos Jerónimos, muito ao gosto de D. Manuel I, cujos símbolos se repetem nos dois edifícios.
Tanto quanto para “guardar” o rio, sentinela atenta de quem queria entrar em Lisboa, a Torre, dedicada a São Vicente, parece ter sido edificada para ser vista e admirada, independentemente de ser observada por quem passa de barco ou por terra. A ampla varanda virada a Sul tinha ainda a função de receber os altos dignitários que ali se deslocavam para assistir à partida das armadas portuguesas ou ao seu regresso, pejadas com bens exóticos trazidos de paragens distantes.
Fontes
Joaquim Possidónio Narcizo da Silva, Revista Pittoresca e Descriptiva de Portugal com Vistas Photographicas, Lisboa, Imprensa Nacional, 1862.
https://www.museusemonumentos.pt/pt/museus-e-monumentos/torre-de-belem
https://www.alagamares.com/breve-historia-da-linha-de-sintra/
https://pt.wikipedia.org/wiki/Esta%C3%A7%C3%A3o_Ferrovi%C3%A1ria_de_Bel%C3%A9m
https://www.patrimoniocultural.gov.pt/pat_mun/torre-de-belem/
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Joaquim Possidónio Narcizo da Silva, Revista Pittoresca e Descriptiva de Portugal com Vistas Photographicas, Lisboa, Imprensa Nacional, 1862.